domingo, 26 de fevereiro de 2012

Depoimento sobre a Intolerância (1)...

A intolerância oprime o ar e o respirar...
Intolerância é não reconhecer as possibilidade de existência do outro...
Intolerância é não conseguir olhar para si, verdadeiramente... olhar superficialmente
E querer extender esse conceito superficial e vazio (falso) de si aos outros, ou, pelo menos
Àqueles a quem se acha no "direito" (do mais forte), no poder, na autoridade, de fazê-lo...

Quanto mais poder se tem, maior é a intolerância, pois a diversidade (de pensamentos, de mundos, de possibilidades) é antagônica à ambição autoritária de extender à humanidade, ao universo (ou à parcela de humanidade e universo que o cerca)
Sua própria visão de mundo e de existência...
Especialmente porque é desta visão de mundo intolerante que o intolerante precisa...
É esta visão de mundo que sustenta seu poder, sua autoridade...
Pois fora disso, seu poder e autoridade simplesmente não existem... não são nada...

E quem tem uma visão superficial de si e reconhece/identifica sua identidade e estrutura psíquica nessa visão intolerante, se despedaçaria sem ela... Sem ela, o que seria? O que restaria?
Se tornaria nada ele mesmo, ao menos segundo sua própria concepção destruída de mundo...

Sem esta visão de mundo, como poderia ser ele intolerante? O que vem primeiro, a intolerância ou a visão de mundo intolerante?...

Ou a lógica maniqueísta nunca fez sentindo e na verdade o que veio primeiro foram os dois... simultaneamente?! Ou pior, nenhum dois dois, mas terceiros e quartos e quintos escondidos sob o véu do maniqueísmo e da própria intolerância... (pois a intolerância não é nata, não é intrínseca a nenhum ser, ela é fruto de uma imersão em um mundo e visão de mundo intolerante...)

Nessa concepção maniqueísta o primeiro é o "culpado" e o último o "inocente", alguém é responsabilizado e alguém é eximido... Mas ambos são culpados e inocentes... Culpados porque perpetuam e inocentes porque não sabem disso...

Ou se sabem, não acreditam, ou se acreditam, ignoram, ou se não ignoram, se enganam, ou se não se enganam, mentem... e assim sucessivamente, infinitos são os mecanismos da mentira...

A intolerância é isto, simplesmente... um ímpeto de destruir, calar, oprimir, aprisionar, conformar ou reduzir à obediência tudo aquilo que é diferente de si, ou seja, não é igualmente intolerante...

Ou que compete em intolerância... pois a intolerância precisa ser a mais intolerante em seu universo, em seu mundo particular... não aceita intolerâncias diferentes... só podem existir suas próprias intolerâncias... ou as intolerâncias semelhantes...


Uma música sobre tolerância ou intolerância...
Maps - Yeah Yeah Yeahs

Cada detalhe...


Fotografias:

Olhos fechados, cabelos esvoaçantes, pernas dobradas, voltadas para trás, pequenos e delicados pés à luz da janela, a coluna delicadamente curvada em lua, deitada de bruços, braços e ombros macios ante o meu tocar, as mãos agarradas ao lençol, nuca faiscando pelos e nervos ante beijos, lábios enriçados pelo contato das peles... blusinha levemente caída no ombro, tecido suave e fininho, recobrindo o perfumado corpo nevado...

Cada centímetro desses olhares são imortais imagens na minha memória... que lentes nenhuma, senão a retina, poderiam flagrar... Nenhuma outra forma de recordar senão na lembrança, nenhuma outra descrição possível senão a amplitudade dos mínimos detalhes... Imagens preto e branco, luz e escuridão, vento de ventilador e brisa, borboletas de retalhos e apanhador de sonhos, almofadas vermelhas e tapete mágico, estante azul e espelhos deleitosos, fonte de águas respingantes, sapinho de resina escondido nos arbustinhos de plástico, chão gelado e água gelada, ao alcance da mão e das bocas sedentas, olhos que vêem além do ver, pele que sente mais do que si mesma, palavras de amor mais que amor mais que palavras...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Morte Absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.


Manuel Bandeira

Para quem não considera a Vida uma bola de ferro e não tem a vaidade da eternidade...