sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Desa(mar)


Não deu tempo. A vida é assim. Às vezes demasiada fugaz. Qual a diferença da vida para o sonho? De repente acordamos e o sonho acabou... foi apenas um sonho? Foi real? O que importa? Descartável... insignificante. Do alto da montanha, o vento leva e se desfaz. O sorvete derreteu, a maré baixou, os pássaros migraram para o norte. A brisa fria arrepia a pele acostumada com o frio. A Natureza ensina a passagem dos ciclos. Solstício de Verão com algumas geadas. O brilho do sol se apaga nos olhos, o universo é o negro infinito, afinal. Sentimentos nos afastam, medos, estranhamentos, incompreensões, vontades de controle, os ventos que tocam as bocas incomodam. Não importa. Repentinamente a cura, a dor, a paz, o fim, as folhas, as cinzas. A aventura tem quedas e cavernas. Quem tem coragem de entrar? Quem pode resistir? Viver é liberdade, ainda que hajam tantos arames farpados e correntes pela vida. Escravidão é o medo, o impedimento, é o que nos segura, não nos deixa viver, nos retém, nos limita, nos afasta do Amor que brota, que surge espontaneamente, que cresce no peito... escravidão é não amar, fugir do amor, ter medo... 

Gratidão Vida pela oportunidade de vivê-la. 

Não há dor que não passa - Assuma - Castello Branco

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Presença


Tua presença me contempla
Acolhe-me, conecta-me inteira
Envolve-me em uma nuvem de alegria serena
Meu ser percorre tua paisagem espiritual, 
teus caminhos corporais
tuas profundidades existenciais
Cada centímetro da minha pele quer comungar
com cada centímetro da sua pele
Nossos corpos um só templo
para meditações transcendentais 
para imersões viscerais
para zazens amorosos e sensuais
para estudos e revelações 
sabedorias partilhadas e unidas

Sinto em mim um profundo sentimento
de Gratidão
pela oportunidade de sentir-te comigo
por sentir-me parte de ti
por olhar-te nos olhos e ver-te profundamente, encantada
e sentir-me profundamente vista, percebida, conectada

Sinto em mim um arrebatador sentimento
de Amor
entregue sem medo, em prontidão, aqui e agora
confiante no mistério do absurdo dos encontros mágicos
Olhando, ouvindo e cantando em teu coração 
E convidando-te para estar e brincar no meu coração

Sinto em mim um deslumbrante sentimento
de Beleza
Pela existência criativa, pelas possibilidades inspiradoras,
pelas curvas e linhas de todos os sorrisos de teu corpo
pelo brilho que emanas, pelo brilho que me causas
pelo prazer integral que todo meu corpo sente contigo

Amor cósmico, suave intensidade, poderosa ser de amor
dedico-te disciplina, concentração e paciência
para aprender e praticar a arte de te amar
de contigo estar em profunda atenção ao teu ser
em busca de nos comunicarmos e cuidarmos
de compartilharmos nossas necessidades e sonhos
e da melhor forma cultivarmos os instantes e eternidades
que juntas vivermos

Transbordando ao som de Raio - Cuñac (Mose Remix)

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Companheirismo (?)


Presença?
Atenção?
Dedicação?
Adequação?
Preocupação?
Ocupação?
Cuidado?
Carinho?
Atividade?
Pronta Entrega?
Pronto Atendimento?

O que é companheirismo? Um desejo? Uma sensação? Uma prática? Uma missão? Uma obrigação? Uma necessidade? Um luxo? Um privilégio? Um ideal? Uma possibilidade?

Áries - Preciso de você, agora, vem!

Touro - Tem certeza? Agora neste instante? Calma, vou já, preciso terminar algumas coisas, não sou assim tão rápida...

Gêmeos - Me explica o que tu precisas, de onde vem essa necessidade, por que você quer fazer deste jeito? Por que não de outro? Por que essa pressa? Próxima semana não seria melhor? Vamos conversar antes de resolver?

Câncer - Ei, saudades de você, vem aqui, me dá carinho, tô me sentindo triste, preciso de amor, vem me abraçar, me aquece...

Leão - Acho importante sua necessidade, mas também tenho necessidades. Vamos combinar direitinho como afinar as nossas? Vai dar certo, estou segura disso, mas precisa ser de uma forma que todas fiquem bem. 

Virgem - Me manda o cronograma, exatamente o que você precisa para a gente agendar direitinho o melhor dia de fazer cada coisa. Por escrito. 

Libra - Gosto tanto de você, vamos ficar um pouco juntas antes, durante... depois também seria incrível. Vamos nos amar? Você está tão bonita assim, intensa e transformando sua vida...

Escorpião - Não é assim que funciona. Não suporto ninguém me exigindo nada. Eu adoro ajudar, me entregar, mas com harmonia nos tempos, com cuidado. Não adianta cobrar. O que eu dou, é seu. O resto é meu. 

Sagitário - Pode ser próxima semana? Porque essa semana já tem várias coisas marcadas, várias urgências, emergências, demandas, necessidades... preciso cuidar de mim, não estou bem, preciso de ar, de água... de mar... preciso ir...

Capricórnio - Tá, tudo bem, já que é tão urgente, a gente dá um jeito. Como podemos fazer? 

Aquário - Não dá mais pra fazer? Ok, não tem problema. Não posso resolver todos os problemas nem atender a todas as necessidades. Não dou conta nem das minhas na hora "ideal", quem dirá da das outras pessoas. 

O que é companheirismo afinal? Muitas definições ou vontades possíveis...

Companheirismo seria o cotidiano de afeto e cuidado? Os gestos diários de atenção, de preocupação, de retorno, a presença ativa, a frequência afetiva intensa? A disponibilidade para acolher e apoiar na medida das possibilidades?

Ou companheirismo é uma dedicação exclusiva? Uma disponibilidade total a qualquer hora, em qualquer momento, independente do motivo, independente da urgência, chamou, chegou? Seria saber como agir como a outra pessoa gostaria que agíssemos? Ou como ela mesma agiria na mesma situação? 

O que seria companheirismo? A soma de tudo? Ou múltiplas equações possíveis? 

Certamente que não há uma definição absoluta... mas a busca constante de cada ser em atender suas necessidades desse elemento que podemos chamar, às vezes, talvez, de companheirismo...

Na cura de Territory - The Blaze 
Imagem de Mariana Caldas

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Ser Mágica do Bosque Sagrado


Segue em frente, dizia uma voz misteriosa que me parecia emanar das árvores velhas daquela floresta ancestral. Mas o 'em frente' que essa voz me incitava era basicamente uma parede de arbustos um tanto espinhentos. Um pouco desconcertada, resolvi confiar e descobrir para onde esse caminho um tanto complicado e delicado poderia me levar. Desembainhei Ferroarda Ilaminada, meu sabre mouro encantado, capaz de esquentar ante a presença de ameaças, e comecei a abrir a trilha por entre aqueles cipós e galhos ressequidos e duros. Curva para a esquerda agora, segue por esta colina, subindo, atravessa esse desfiladeiro saltando com este cipó e as indicações absurdas continuavam, me levando sabe-se lá pra onde, por horas a fio. A água de meu cantil já estava quase no fim quando escuto um som reconfortante de riacho. Ainda bem, pensei, vou reabastecer meu cantil. Preciso de comida também, e continuei com os últimos golpes até um descanso necessário. Quando a lâmina abriu o primeiro olhar para a água, me deparo não com um riacho, como pensara, mas com uma lagoinha com uma cachoeira ao fundo. E banhando-se sob águas que brilhavam ante a luz que já se punha, havia uma mulher ou um ser mágico, não saberia dizer, de pele negra, nativa, cabelos ondulados e profundos, seu corpo inteiramente molhado e nu, olhando-me como se me esperasse. Caminhei até a margem da lagoa e novamente a voz das árvores me disse Dispa-se. E puxando apenas alguns laços em minhas vestes, elas se desfizeram e caíram na areia. Entrei na água, deliciosamente morna, e nadei em direção àquela pessoa que atraia meus sentidos e meus mistérios. O som da cachoeira tornou-se mais melódico, como se ondinas, elementais da água, ali cantassem. Em instantes meu rosto estava a centímetros do dela, seus seios quase tocando meus mamilos. Ela então me fez sentar na areia neste ponto da lagoa em que tinha a água pela cintura, e enlaçou meu corpo com suas pernas, sentando-se sobre meu colo já inquietado por sua presença. Envolveu-me com seus braços, pude sentir os mamilos dela roçarem meu peito, acelerando ainda mais meu coração. Estou aqui com você, não tenha medo, quero te fazer bem, muito bem, ela sussurrou no meu ouvido e delicadamente encostou seus lábios grossos e fortes em meu pescoço. A medida que ela beijava minha pele, meus músculos paravam de doer e as inúmeras feridas que a trilha me causara se curavam instantaneamente. Ela continuou beijando minha pele, enquanto seu quadril posicionava-se em mim, permitindo-me adentrar seu interior tão acolhedor. Ela segurou meus braços e colocou minhas mãos em sua cintura e me olhou nos olhos penetrando-me com sua presença poderosa. E senti um impulso tomar meu coração, beijando aquela boca encantada e curadora em gratidão e celebração daquela magia, daquele poder, daquela beleza, daquele ser que estava ali comigo por milagre, por mistério da floresta que me levara até ali. E nossos corpos iniciaram uma dança cósmica que galgava profundidades e montanhas de sensações de imenso prazer e espanto. Sentia que meu corpo poderia desmanchar-se a qualquer momento e ao mesmo tempo meus músculos nunca se sentiram tão vigorosos e desejantes daquele corpo que sobre mim dançava. Eu a amava, ainda que nunca a tivesse visto antes, ou ao menos era o que eu pensava. Mas talvez ela já me conhecesse tanto, de tanto tempo, ela já me observava e sussurrava no meu ouvido tantas mensagens e conselhos. Talvez eu já a conhecesse de cada flor e cada paisagem e cada toque vegetal e mineral que eu já sentira. Eu já a beijara nas ondas do mar, já a tocada escalando um monte, já a penetrara ao adentrar cavernas. Porque aquela mulher não era simplesmente um ser, era uma energia pura, uma manifestação da Vida, um movimento que me envolvia e tomava, inebriando e resgatando, trazendo-me de volta para o âmago da Beleza. Seu corpo exigiu de mim explosões, exaustões, exasperações, dentes e fluidos. E quando eu achei que ia desmaiar, ela me levou e nos deitamos na areia, abraçadas, pernas e braços entrecruzados, observando o infinito das estrelas em nossos olhos. 

TransTornada


Sua potência intensa se funde comigo
Inundo-me de teus prazeres, quero ir além
Alcançar o desespero, percorrer constelações
por todo teu corpo inscritas, suas galáxias
seus mundos me fluem 

Suas colchas de histórias, sua vida de memórias
suas marcas de combate, cada iniciação que vivestes
compartilha comigo, peço, pois amo e cresço
e tanto desejo poder compartilhar 
e contribuir com teu
crescimento

Amo
Celebrar teu ser
Estar contigo e me entregar
Não temer as maiores alturas que somos 
capazes de alcançar
Não temer a translucidez dos desejos
e dos corações
e dos corpos nus 
e das almas nuas
Praticar o amor-coragem
Este sentimento-montanha
Esta emoção-dragão
Que voa até as estrelas e dorme nas profundezas
Praticar contigo a magnitude de ser quem posso ser
Em contemplação e conexão com a grandeza que podes ser

Te desejo enquanto vulcão que me lava
Te cuido enquanto rio que se transforma
Te cheiro enquanto selva que me conecta
Te descubro enquanto labirinto que geme
Desenho no coração tuas linhas e sons
Tatuo na memória cada belo instante contigo

Tomando Banho contigo, de Elza Soares

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Autogestão do Tesão: chamas, tentações, responsabilidades e autocuidados


Fogo, chama, lava, magma, incêndio, explosão, erupção, corpos, choques, toques, marés de vai e vem, movimentos, atrações, gravidades, seres e magias...



Tesão...




Algumas pessoas despertam, outras não. Alguns sonhos acendem, outros não. Por algumas pessoas emoções e sensações gritam, por outras não. Certas situações cultivam, outras não. Arrebatamentos visuais, energéticos, cardíacos, olfativos, oníricos, auditivos, táteis, genitais, sinestésicos... 



"Resisto a tudo, menos à Tentação"? Sim, talvez, não, jamais... não vale a pena... leve demais, qualquer brisa sopra longe, desaparece, esquece... vai e não me leva, fico, canso, perco, desisto... segura, aperta, força, cuida, calma, respira... 



Tenho dentro de mim um vulcão... Um encontro da Terra com o Fogo e os Ares aquecidos do coração da Terra. E este canal de conexão com o calor vital do Universo me afeta de formas poderosas. Às vezes querendo consumir-me inteira, outras vezes me impulsionando para as direções e movimentos que preciso seguir.



Tenho dificuldade de lidar e cuidar dessa energia intensa e cáustica, mordaz e transmutadora que muitas vezes me quebra janelas e portas, paredes e tetos cardíacos. Como aprender a gerir e canalizar essa força para o que sinto ser necessário? Como evitar a dispersão dessa beleza vibrante em direções sem reciprocidade?



Porque o Tesão quando é recíproco, seja por pessoas ou por momentos em que nos sentimos no lugar certo na hora certa, quando o Tesão está de fato conectado, é capaz de nos transportar para outras dimensões e nos dotar de sabedorias e experiências transcendentes. Mas quando o Tesão se manifesta espontânea e deslocadamente, jogando-se em rochedos ou vazios, pulando simplesmente sem olhar o tamanho da queda, entregando-se ao vácuo, ao frio externo, à ausência ou indiferença... quando tal acontece, causa um enfraquecimento de si severo, pois que um grande calor interno simplesmente se esvai a troco de nada, sem o mínimo de partilha, de cuidado mútuo... 



Não é viável. Não é desejável. Não contribui e nos subtrai em muitos casos e cacos. Porque é bonito nos permitirmos sentir e querer tantas belezas e sensações que nos provoca a Vida. Mas quando nossa beleza interior se deteriora por isso, quando nossa autoestima/autoimagem se vêem diante de indiferenças e frios alheios, sentindo-se desimportante e insignificante, sentindo-se ignorada e esquecida, desprezada e rejeitada, o Tesão se corrói e nos destrói. Esfria e esvazia. Fragiliza e imobiliza. 



E esse movimento de baixa, de introspecção emergencial de reparação, de encavernamento, também é importante e necessário. Mas podemos torná-lo menos frequente, guardá-lo para momentos especiais em que queiramos desbravar caminhos mais profundos de nós mesmas... Não precisamos nos ver caídas e jogadas nessas fossas abissais interiores por simples descuido...



Desta forma, tomemos consciência e autonomia sobre o processo, guiando o Tesão para os caminhos mais criativos e cuidadosos, tornando esta labareda mais intensa e bonita, mais acolhedora e querida. 



Praticar a calma, a quietude, o fogo baixo, cálido, suave, que queima de forma poderosa quando deseja, quando precisa, mas em busca do equilíbrio dinâmico necessário, cuidando dos tempos e das distâncias, das aproximações e das perdas. 



Guardiã do Fogo Sagrado, não deixar que ele queime tanto que arrisque apagar por ter consumido todo seu próprio combustível. Queimar de forma madura, em busca e criando seus próprios combustíveis e bebendo das combustões partilhadas pelo caminho. Mas de forma responsável, autocuidadosa, e outrocuidadosa, capaz de iluminar a escuridão, sem esquecer que a treva é maior e que se perder faz parte, mas saber enxergar no escuro e retornar para o próprio fogo também é parte da arte. 


Na melancolia de Vendredi sur Mer - Les Filles Désir

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Respirar

Aprendendo a andar
Aprendendo a nadar
Aprendendo a voar
Aprendendo a ser
Aprendendo a morrer
Aprendendo a amar
Aprendendo a nascer
Aprendendo...

145 marcas de combate
14 décadas de Vida Própria
10 anos por ano
Vivendo cada segundo
Extrapolando o tempo
Viajando por dimensões várias
Expandindo o ser e o estar
Conectando o aqui, o agora e o além
Muitas tribos, clãs e famílias
Conexões Infinitas
Inúmeras casas e mudanças
Incalculáveis mortes
4 mapas astrais
Incontáveis afetos astrais
Tantos labirintos e percursos
Infinitas casas e enfim nômade
Libertando-se sempre
Descobrindo as prisões persistentes
Múltipla e em expansão tenda cardíaca
Vida Demais que não me Cabe

Ao ritmo de Ja Ja - Elega al Che

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Despetalada


Me quer não me quer
Em minhas idas e vindas
Tantos fluxos interrompidos
Desperdícios
Precipícios
Atrações 
e rejeições
Entre o possível
e o inútil
Nesses processos 
vãos
de tão pequena 
germinação
e ainda menores
colheitas
diante de toda 
minha chuva
de afetos e atenções
enxurradas talvez
entre inundações
e desertos
Diante de tantos nãos
ditos e não ditos
entre refúgios e
artifícios
enigmas e 
preguiças
nesse redemoinho 
de fogos
e águas frias
e geleiras mesmo
e vazios
levando em conta
minha frágil e nômade
tenda
cardíaca
que mais dia menos dia
despenca
ante tanto perrengue 
tanta pancada
e incêndio
considerando tudo
e um pouco mais
e nada
e apesar disso
e certamente por causa
reaviva em mim
aquele sistema de outrora
prefiro ficar
comigo e onde puder
de fato estar
onde sentir assim
óbvio
que faz sentido
dedicar
estou escassa
estou cansada
estou até mesmo
um tanto desamparada
sem casa e minhas asas
já quase não mais querem 
bater sem conseguir pousar
quero parar
quero esquecer
quero ficar

aqui 
comigo
e com quem
quiser
e vier
por conta própria
e risco

Erreur 404 - L´Imperatrice - apenas sente

Três ondas um mar



Cacaueira, lar de doçura, me leva, me acolhe. 
Três seres em êxtase, simplesmente entregues, 
feitas delícias em gestos, feitas frutas em flor
feitas raízes enlaçadas, feito asas enternecidas
Três ondas em um só mar, indo e vindo, unidas
Tantos tremores em pernas e braços, 
em cheiros e gostos, em levedos e abraços
tamanhos ardores e calores e afetos
maiores que todas as dores, maiores 
por todo amor

Tanta pele feita planície e colina
Em movimentos de ave e alegria
Tanto sentido feito caudaloso fluxo
paisagens afetivas ciclos da Vida
Balança meu coração, acalenta e cuida
Sinto parte, sinto arte, sinto mar

Gratitude e plenitude
E amoreza e naturaleza
Em sintonia estamos juntas
Em corpo e espírito onde quer que seja

Bebo teus seres, me dissolvo na dança
Respiro teus seres, me entrego no canto
Sinto teus seres, me encanto e quedo 
ébria brilhante e muito mais amada

Balançadas por Four Great Winds por Peia Machi

Cuidados Paz´cientes


O que significa cuidar?
Cuidar de si? Cuidar da outra? Cuidar para transformar o ambiente que nos cerca? Cuidar para evitar as violências que nos espreitam? Cuidar do cuidado? Cuidar da nossa capacidade de cuidar?

Faço-me essas perguntas há alguns muitos anos e as tenho feito bastante recentemente. Porque Cuidar é a ética sulizadora da minha vida. E Cuidar é a base mesmo da minha possibilidade de existir. Cuidar de mim, cuidar de ti, cuidarmos nós de tudo que em nós se manifesta.

Cuidar... 

Que requer? 

Cuidar da dor, do amor, da paz, da necessidade, do afeto, do gesto, da fome, do medo, da sede, do sono, do dia, da lua, da Vida, dos seres, de si, das sombras, das cavernas, das águas, das mágoas, dos traumas, das esperas, das quimeras, dos prazeres, dos deveres, das aventuras, das irmandades, das famílias, das alegrias, das sintonias, das rupturas, das quebras, das quedas, das fendas, das sendas, das feridas, das partidas, das perdas, das pedras, das queridas, das árvores e das aves, 
cuidar do amor e do infinito
cuidar do cuidado
da capacidade de cuidar

Danit - Naturaleza - vibrando

Corporeidade Poética


Tua razão não te define
Seu corpo é mais adentro
Pássaros distantes
Poesia no cimento
Você caminha sobre a Terra
Ela te aceita e te acaricia
Nos gestos do mar, no 
abraço do vento

Tua dor não é fronteira
Teu coração é mais intenso
Tua pele é mais prazer
Teu amor é capaz de ser
Nascimento e ressurreição
Floresta, fauna, rio, canção

Tua realidade não te aprisiona
Teu Universo é mais além
Feito de seiva e sangue e cor
de sonhos, alegrias, lunações 
Ele tem mais belezas
do que enxergas
É mais pleno do que imaginas

Em tua geografia tem colinas
tem vales, tem riachos
tem matas e templos
teatros e cavernas
de basaltos e ágatas
tem carícia e cuidado
tem quem te ame e te queira
e por onde andas tu semeias
mais amor do que podes colher
abundância tropical amazônica 
teus olhos me fazem ver
tuas mãos me levam até
teu corpo me faz dançar

Exilada, estrangeira
Sinta-se em casa aqui comigo
com tuas amigas e irmãs na vida
em tantas casas e corações
teu ser já pulsa poesia
Tanto te amo e te dedico
Tanto amor e companhia

Dance comigo Respira, de Natalia Doco

Imagem e poesia dedicada à Aiyra Angatu

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Mar Revolto


"Já sei pra onde vou
Eu vou sentir o calor da rua
Já sei pra onde vou
Quando o tambor explodir a rua"

O que não nos mata, nos ensina a não morrer. Porque a Vida não tem moral, não tem bons costumes. A Vida é o Fluxo, puro e simplesmente. O movimento que cuida, mas também avassala, que ama e sem pestanejar, destrói. A Vida, como eu entendo e chamo o Todo, o Tudo, o Uno, já quase arrasou toda a vida deste planeta não menos que cinco vezes. E agora estamos nós, manifestações da Vida, nos esforçando para destruir toda a vida deste planeta novamente.

Não se trata de viver ou morrer. Para a Vida, isso não importa. É como se nos preocupássemos com cada célula que morre em nossos corpos. A cada instante milhares de células estão morrendo e sendo mortas. Verdadeiras guerras são travadas dentro de nós, células brancas contra células invasoras, fungos, bactérias, vírus, toda sorte de combate se travando, toda sorte de cadáveres sendo expelidos. Não se trata de viver ou morrer. Se trata de se manifestar, de expressar TODA a chama, o potencial, a capacidade criativa e transformadora que temos dentro de nós, enquanto manifestações desta vida, para o bem e para o mal, sem medo da sombra, sem excessos de luz, sem temor ao obscuro, sem salvações iluminadas, com todo Amor e toda Treva, toda Dor e todo Sentir, com tudo e com todas, em tudo e em todas. 

Infinitamente mais, porque aceita a mudança no menor tempo possível, no incessante malabarismo-equilibrista dos pratos e adagas suspensas do Aqui e Agora.

Se vou morrer ou viver, não importa

O que importa é SER, continuar SENDO, manifestando-me nas infinitas possibilidades da Vida.

Meu nome é Pequen(a)Mar e assim falei.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Certa manhã acordei de uma noite tranquila


Como quem não quer Nada
Porque Tudo já nos satisfaz
Afinal os Corpos sabem os caminhos
Que levam do início ao meio 
Um tanto mais profundo
do que podíamos imaginar
surpresa, segredo, apreço
sem medo, o círculo sagrado
foi devidamente evocado 
e os demais seres presentes
nos queriam muito bem e quentes
autoconhecimento feito pelos dentes
Orgasmos cósmicos malemolentes
lenta e calorosamente
assim como percorre a lua 
nossos ciclos mágicos
da forma como as marés 
nos orientam quem somos 
e nossas sensações subterrâneas
e cutâneas e espontâneas
simplesmente prânicas
Simples como a água
que vaga molhando 
o que estiver seco
hidratando 
o que estiver vivo.

Aos Besos de Desayuno - Calle 13

Imagem de Pablo Amaringo

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Das Belezas


Abre os olhos, olha bem. Observa atenta, calma, vem, caminha em direção ao que te guia, a quem te atrai, ao que te leva, ao vento que te sopra as velas, que te enche os pulmões, que te inspira, quem te brilha os olhos, te abre o sorriso, te fecunda. Se permite aprofundar, chegar além. Ousa des-cobrir a vida, des-nudar os mistérios, criar conexões e laços. Desteme. Arrisca cuidar e segurar, ainda que se esvaia entre os dedos, sente o fluxo, nada conforme as ondas e a maré. Aperta no corpo o calor das presenças. Ama, tudo, todas, cada uma, especial e particularmente, nascestes para o amor, para criar vida, para brotar todas as sementes escondidas, para acalmar e aguardar a chuva, para ficar bem, ainda que superes os males cotidianamente, ainda que sangres um pouco cada instante, ainda que morras um tanto, para poderes renascer mais bela, mais própria, mais tenra. Caminha, abraça, aperta, sente o cheiro no pescoço, acaricia os cabelos, queira e seja. 


terça-feira, 28 de agosto de 2018

Lua Vermelha


Corpo Vermelho
Boca em chamas
Me chama
Exalando canções de teus poros
Bebo-te e penetro no sonho
Alcanço o mistério do fogo
Do gosto, os limites do corvo
nas fronteiras da vida e da morte
Me levas até a nascente da sorte
Jorras lava e me lava
Suadas nadando no rio
de correntezas selvagerias 
Alegria, tu semeias a beleza 
no mundo
De ser, estar e realizar
os gestos e afetos mais sinceros
Quero
teu transbordar na minha língua
Tua Lua cheia
Bruxuleia 
Me queima
E cura.

Para esta Moça Bonita - Geraldo Azevedo e Alçeu Valença

Imagem - Mariana Caldas - Poeme-se

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Leão Escorpião


Coração, há fogo em nossas veias
que ferve a água de nosso corpo
o Sol nos incandesce e arde
Brilha nos olhos e no riso a toa 

Há cuidado nesse encontro
Atenção aos detalhes, estima
Em cada palavra, gesto e imagem
Em busca da maior oxitocina 
Serotonina, sintonia
e alegria

Os astros guiam e inspiram
O universo favorece e ilumina
O vento no rosto nos aproxima
O suor do corpo nos excita

Calma, que não há pressa, 
mesmo com tanto ânimo
e âmago e ardor 
Cada passo é dado com amor
Na sincera busca do ser
e do estar bem consigo 
e contigo e em conjunto
com tudo que nos cerca
com o cosmos
somos, afinal
muito mais
do que eu
e você

Dança comigo, Cariño - The Marías

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Arquipélago


O vulcão jamais adormecia. A cada dia, borbulhante, lançava braços de calor e criação por sobre as praias, criando novas colinas, litorais, margens escarpadas ou tênues baias. Aquela pequena ilha, aos poucos, muito lentamente, mas também com lapsos de explosões e grandes crescimentos, foi se expandindo, elevando-se montanha acima, debruçando-se para todo lado, tornando-se mais habitada, acolhendo seres vários, multiplicando climas, diversificando espaços, erodindo cavernas, transmutando rochas. E navegando. Singrando o oceano, conectando-se com as águas profundas, abissais e com as ilhas que ora se aproximavam, ora se distanciavam. Mas às vezes chegava-se mais do que se partia. E algumas ilhas foram de fato permanecendo. E um arquipélago foi surgindo. E bancos de areia, corais, quebra-mares, parrachos passaram a criar caminhos entre elas, permitindo à vegetação e aos demais seres percorrem-lhes todas, compartilhando sementes e histórias, abrindo caminhos e conexões, levando os limites de cada uma mais longe, tornando-as mais amplas e infinitas.

El Sagrado Feminino - mixtape #5

Imagem do Atol das Rocas/RN

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Dança comigo esta noite


Vai e volta, vai e volta, num balanço compassado, pés sincronizados, corpos em sintonia, seus seios pressionando meu peito, seu rosto encostando em meu pescoço, seu coração chamando o meu. "E bem que viu o bem-te-vi / A sabiá sabia já. / A lua só olhou pro sol / A chuva abençoou". Suas mãos firmes guiam os movimentos, percorrendo o salão de penumbra salpicado de sombras floridas da varanda. De olhos fechados, elas pairam acima do chão, imersas na sensação gostosa da união, do bem-querer e do ritmo dos instantes. "O vento diz "ele é feliz" / A águia quis saber / Por quê, por que, pourquoi será / O sapo entregou" que a felicidade está no olhar que brilha, no sorriso partilhado, no teu jeito comigo e no meu ser contigo, nos caminhos a percorrer com tanto a aprender, no cuidado do agora pelo impulso do afeto.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Praia do Forte


"Cultive, cuide, queira bem", disse a Serenidade Conselheira.
"Aceita, entrega, confia e agradece”, replicou a Sabedoria Senciente
“Namora comigo?”, cochichou no ouvido a Sensualidade Transbordante.

A trilha serpenteante até o seu coração,
O pôr-do-sol que amadrinhou nossos sorrisos,
A Mar infinita que nos abençoou,
Sinais propícios de tudo que já floresceu.

Porque a Vida sincronizou nossos ponteiros,
a Lua favoreceu nossos chamegos,
as Ondas acariciam nossos desejos
e muitos fogos brotam desses encontros.

Vem, deixa ser, vamos alimentar essa fogueira
De trocas, olhares, pernas e palavras
Rituais, magias, sabores e aventuras
Seguir os pássaros rumo ao nosso arquipélago
Levantar as velas para iluminar nossos passos
Soltar as asas para chegarmos bem perto
Sem medo, sem pressa, sem receio,
Sinceramente dedicar afetos
E colher o amor que nos transborda.

Deixa Ser - Teatro Mágico

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O que quer que dê certo


Gotas brotam dos olhos, como estalactites milenares que moldam esculturas na escuridão. Ecos incompreendidos reverberam pelos túneis desconhecidos. Seres estranhos ali habitam e não precisam ser incomodados. Às vezes é preciso preservar, deixar intocado, não mexer mais, esquecer, permitir que mineralize, que se decomponha uma vez mais, que se torne sal, que um dia alimentará novamente a vida. Depois de um longo período vagando por essa caverna, buscando onde eu perdera o meu amor, minha autoestima, minha vontade de viver, meus motivos parar sorrir, senti que o túnel começou a subir e certamente uma saída estava próxima. Algumas brisas acariciaram meu rosto. O ar parecia renovado, mais fresco, carregando um leve perfume de flores. Até surgir a luz do fim do túnel. E uma borboleta azul brilhante vir em minha direção, convidando-me para segui-la, aceitar o fim daquela escuridão, o fim daquela história, o fim de tudo que devia ficar ali, naquela caverna, para a qual não deveria voltar nem olhar para trás. Espero que você fique bem. E saia da caverna também.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Da solitude que transborda amor


Nesse pequeno planeta que ora habito,
peregrinando pelos fluxos infinitos,
perdida e buscando, seguindo
caminhos traçados e cruzados,
encontrando gravidades
e me abandonando nas distâncias,
vou descobrindo, ao longo dos bilhões
de instantes-luz pelos quais
caminho, que o desenrolar
da Vida
é um milagre

Nesse pequeno planeta encaracolado
ser místico que ora habito
macro-micro-cosmo-de-mim
no qual desdobram-se as geografias
do afeto e do incerto
do complexo e do perplexo
busco as saídas e as entradas
que levam aonde quer que eu possa chegar
sejam alguns passos ou voos razantes
jornadas longas ou passeios de instantes
numa praia deserta ou cercada de amor
onde quer que seja, seja como for

Nesse pequeno planeta gigante
Que tanto cresce quanto mais encontre
meteoros, cometas, estrelas em choque
galáxias tempestades desertos de toque
e sistemas solares de vida e gestos
e biosferas repletas de amores e´insetos
Nesse pequeno planeta que se une a tudo
contigo e com todo o universo fecundo
Descubro que estar só é apenas um inverso
da mesma dimensão que é estar desperta
e que quanto maior for nossa sincera
contemplação e celebração de tudo que estamos
sendo querendo seguindo cantando
mais poderemos encontrar afeto
de nós, por nós, por quem estiver perto
e orgasticamente nos sentiremos plenas

Você não existe - Potyguara Bardo
Obra visual - Pablo Amaringo

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Olha-me

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Hilda Hilst, Júbilo, memória, noviciado da paixão, p. 17.

Ruminações

Por que eu falo com você? Por que você me responde? Você só fala comigo porque eu falo com você, porque se não, não falaria (?). Por que insistir em querer alguém que não te quer? Se o amor que, um dia, ou, vai lá, ainda existe dentro de você por mim, você escondeu dentro de um labirinto com inúmeros obstáculos e armadilhas e deixou lá, para que fique lá, para que não se possa alcançar, para que resseque e vire pó e o vento leve e assim está bom. Porque você tem muitos motivos para não me querer. Muitas boas razões para ficar longe de mim. Muito mais contras do que pros nessa lista invisível e dolorida. Porque os resultados possíveis aparentemente não são suficientes. Porque eu não basto. As previsões não satisfazem. O presente não era bom o suficiente. Muda, tenta e sofre, muda, tenta e sofre, muda, tenta e sofre, não é? Sem nada mais nas entrelinhas. Apenas um passado, esse sofrimento antigo que lateja, um fantasma incômodo que perturba e que eu, educadamente, respondo, porque não gosto de ser grossa, porque, nem sei, porque sou uma pessoa legal mesmo e não gosto de destratar. Mas um dia ele cansa, ele pára, ele enfim entende que é isso, que foi apenas um lapso da minha parte, mas eu sei que eu mereço mais, e que é uma perda de tempo. Dentro de mim existem dois lobos, o amor-próprio e o amor-por-ela. Se alimento um, o outro rosna. Se alimento o outro, aquele rosna. Houve uma cissão entre eles e tornaram-se excludentes. Não sei como alimentá-los ambos. Porque se eu amo uma pessoa que não me quer, como me amar também? Meu amor-próprio diz "existe alguém que te quer de verdade, que você não precisa mendigar atenção, não precisa insistir, argumentar e contra-argumentar, convencer, provar logicamente, com gráficos e futuros comprovados, garantidos, para merecer e/ou receber o amor. Alguém que simplesmente sabe que te ama, sente dentro, bem dentro, e que sente de volta a magia da reciprocidade, e isso basta. Por você ser quem você está sendo, naquele instante e no seguinte e mudando, sempre, sim. Alguém que não tenha tantas feridas, ressalvas, poréns e justificativas. Talvez um dia tenha sido assim com você. Há muito tempo, antes de tantos erros, desvios, quebras. Demorei demais para chegar lá, eu sei (e na verdade ainda nem cheguei, de fato, materialmente, apenas na intenção/sensação/vontade), para me sentir a pessoa que, presumo, você queria que eu fosse. A pessoa "pra casar, ter filhos, fazer planos de viagens e decorar a sala de estar". Sinto-me tão pouco, inútil, insuficiente, como se minha vida tivesse sido em vão porque não pude fazer o que poderia fazê-la querer ficar. Me sinto culpado, invadindo, perturbando, quando penso nela ou a busco. Porque, aparentemente, você tem uma projeção de mim que não corresponde comigo, a pessoa que eu "realmente sou" não é a que você "realmente quer". São duas imagens que não coincidem. Eu sou apenas a ilusão de ótica, o esboço mal-feito de quem você ainda encontrará, tenho fé. O engano, o momento de fraqueza, aquela pessoa que seu íntimo sabe que deve ficar longe. Afinal, o que eu estou fazendo? Você tem coisas melhores para fazer do que perder tempo comigo. Não faz mais um tempo bom para desperdiçar comigo. 

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Gotas


Um som suave, quase irritante, algum tipo de sininhos infantis, tilintava. 6h45. Soneca. Felizmente o sol brilhava por entre a cortina entreaberta, revelando um céu consoladoramente azul. De olhos fechados, ela fingia ainda dormir, só mais um pouquinho. Demorou-se contemplando-a, o maior motivo que existia para levantar-se, tentando não incomodá-la. Pôs água para esquentar, fez tapiocas com ovos mexidos especiais, passou o café com um toque de canela, cortou uma laranja em quatro barquinhos ensolarados, em cada um deles colocando uma bandeirinha de madeira e papel, colocou tudo em uma bandeja e levou para o quarto. Duas gotinhas de óleo essencial de capim limão no aromatizador de tomada, yann tiersen tocando baixinho no celular, um beijinho delicado no canto dos lábios dela e então ela podia abrir os olhos, satisfeita com o que via, ouvia, cheirava, sentia, imaginava. Obrigada, amor. Hmm, são os melhores ovos mexidos que já comi na vida! Ah, coloquei um pouquinho daquele tempero especial que você gosta, que trouxemos de viagem. - Ama-me. é tempo ainda. Interroga-me. / E eu te direi que o nosso tempo é agora. / Esplêndida avidez, vasta ventura / Porque é mais vasto o sonho que elabora / Há tanto tempo sua própria tessitura. / Ama-me. Embora eu te pareça / Demasiada intensa. E de aspereza. / E transitória se tu me repensas. / Café da manhã com Hilda para que nossa segunda-feira seja mais bonita, ela brincou. O que falta agora para eu poder morrer feliz? Tirou a bandeja do colo dela e abraçou-a, rolando pela cama e colocando-a sentada em seu colo. Falta a sobremesa! Tão cedo? Nosso exercício matinal, elixir da juventude, disse, envolvendo o mamilo dela com os lábios, sentindo-o endurecer entre os dentes, delicados. Dança comigo, valsa no meu gozo, e levantando-se com ela no colo, suspensa em seus braços, penetrando-a no ritmo do piano e acordeão. 7h45. Está quase na hora. E juntos dançaram até o banheiro, encostando-a na parede, apertando seu quadril, tirando-lhe gemidos gostosos e ondulados, enquanto a água começava a vestir-lhes de rios e cachoeiras. O sabonete líquido encarnado favorito espumou-lhes as peles, cheirosas, e logo ele já estava enxugando-lhe as costas enquanto a penetrava, incansavelmente. Venha, me beije, e ela ajoelhando-se, fez carinhos aprofundados no seu amor. Limpando os lábios, levantou-se e beijou-lhe a boca, gostinho de sexo. Saíram do banheiro respingando um pouquinho de tesão ainda, vestindo-se rapidamente, porque já era hora de partir. Lindo dia, amor. Te amo. Te vejo mais tarde. 

Toujours Lá - Yann Tiersen

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Sonhos


"Quais são teus planos? Teus desejos? Para amanhã, para a próxima semana, próximo mês, próximo ano, próxima década e além... Quantos planos você tem?" O ondular do mar balançava-os, dois barquinhos ancorados uma na outra. "Ah, quero aprofundar meus saberes na ilha da magia, fazer trilhas e conhecer muitas cachoeiras pelos parques do mundo, tomar vinho olhando para o mar azul da Grécia, quero rir de tu até..." E os dois sorrisos se fizeram um, brincadeiras de línguas muito afins, e carinhos nas orelhas e cheiros nos pescoços e pequenos mordiscar nas bochechas. "Apois eu quero acordar todo dia olhando pra ti, poder trazer café da manhã na cama procê, te levar pra dançar até ficarmos suadas e te levar pra cama depois pra te beijar o corpo todo, quero também passear pela cidade para escolhermos a casa onde iremos montar nosso ninho-castelo-porto-galáxia-só-nossa, sonho em colher flores e espalhá-las pela casa, deixando tudo perfumado, adoraria ir aprender montão de coisas na ilha da magia com você para poder brincar de feitiços com minhas crianças na escola, te levar e deixar você me levar para os lugares mais bonitos". A umidade dos olhos e o brilho do sol produziu diminutos arco-íris nos olhos delas, que não tiravam o olho uma da outra. "Eu quero também dedicar-me à arte, e escrever poemas pra ti, e cozinharmos comidas incríveis, fazermos cursos de culinária e nos tornarmos super chefes de cozinha para prepararmos banquetes para todas as nossas amigas e amigos em nossa varanda ou mesmo no jardim iluminado por aqueles cordões de lâmpadas amarelas e pisca-piscas" O roçar das peles unidas provocava pequenas ondas que emanavam delas duas, enroscadas flutuando feito uma ilha-flutuante. "E eu quero ler ao seu lado no final do dia, cada uma com um abajur ao lado na cama, ora eu no teu colo, ora você no meu, parando de vez em quando pra tu me mostrar uma parte emocionante e eu te ler um trecho que achei incrível, quero um dia ouvir dos teus lindos lábios a mais incrível notícia do universo, de que você está carregando na tua barriga linda a bebê mais amada do mundo"...

Dia a dia, lado a lado - Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci, no bailar do mar

sábado, 21 de julho de 2018

imaginação

"O medo é um lobo dentro da gente. Pode ensinar-nos a bravura, guiando-nos cuidadosamente pela escuridão, ou acuar-nos num cantinho apertado, rosnando-nos furioso por nossa covardia", falou para a outra quando esta lhe contou que abandonara um emprego que lhe mortificava, mas que era "seguro", para jogar-se em uma oportunidade mais favorável e desafiadora, porém "temporária". "Nossa, é isso mesmo", confessou. "Fiquei um bom tempo matutando se devia ou não fazer isso, o que seria do futuro, se valia a pena, se devia arriscar, se teria forças... E depois de um tempo, simplesmente dei basta e pensei - é isso que eu quero, é isso que vou fazer. O resto a gente vai resolvendo aos poucos". Sorrindo, a primeira respondeu "Seus olhos e sua presença brilham e pulsam uma energia magnífica quando você ouve, segue e confia no seu coração", abrançando-a. Entrelaçadas, suas respirações sincronizando-se. "Fico muito feliz por você. E aprendo contigo sobre nossa força pessoal capaz de transformar nossos caminhos, apesar das dificuldades, dúvidas e situações limitantes. Sobre a importância e o valor de fazermos o que estiver ao nosso alcance para ir além, mesmo que um pequeno passo, mesmo que nunca o último. Em seguida você conseguirá outras oportunidades que lhe satisfaçam mais e te deem mais sentido, que lhe permitam ampliar horizontes e sentir-se ainda mais segura consigo, que deem vazão à sua criatividade e potencialidades interiores, que te permitam extravasar toda a beleza que tens e que tanto me cativam e alumiam", declarou ela no ouvido de sua querida, em seus braços. Então afastaram-se para olhar-se e lágrimas brotavam dos olhos delas. "Onde quer que eu esteja, de alguma forma quero estar contigo, nem que por meio da minha imaginação que te esculpes ao meu lado, conversando comigo e rindo-se de mim, alegrando cada instante. Você vive em meu coração, em uma casinha de madeira toda cercada de flores com uma varanda que mais parece um palco debruçado para o mundo"... 

terça-feira, 17 de julho de 2018

esdrúxulo

Tenho pensadosentido muito em você. Cheguei mesmo a sonhar dormindo contigo, e sonhar acordado voltou com tudo pra rotina. Ainda que meu inconsciente faça o possível para erguer uns mecanismos de defesa alimentado pelo incipiente amor próprio recém saído da lama, não tem funcionado muito. Não tem um só dia, umzinho só, único, solo e pioneiro, que conseguiu escapar de sua lembrança, de seu pensamento. Ainda que me aflorem sentimentos contraditórios, da ternura primaveril à avalanche dolorida, passando por tentativas de fuga e apagamento e tombando em retrospectivas e lamentos. Uma parte de mim espera piamente superar isso tudo, seguir em frente, em processo de autorestauração, de assumir a vida a partir daí, aberta pra tudo que vier, de aceitar em definitivo absoluto o feito findo finado. Acredita que é uma questão de tempo, dure o que durar, três anos no máximo, brinca, ou novo recorde, mas um dia, como já aconteceu antes, alcançarei o redentor estado de vazio desconectado e desapegado, no qual a imagem ou mesmo a presença tenham se reconfigurado inteiramente num quase anonimato vagamente familiar. A outra parte de mim já refletiu sobre os vários lugares possíveis e favoráveis para nossa futura casa, nesta e na outra cidade do desgranges, já matutou sobre os detalhes do anel de noivado, sobre os 5 nomes femininos e 5 masculinos para compor nossa lista de 20 nomes possíveis dos quais escolheremos o de consenso para uma criança fabulosa que virá um dia, já planejou viagens de carro percorrendo oásis paradisíacos litoral norte do país afora, até o meio da floresta amazônica, entre outros detalhes menos importantes desta vida ficcional que vem brincando por puro ócio cardíaco. Hoje a primeira grande recaída desde o carnaval. Espero que passe quase despercebida. Mas também já fiz uma promessa para angariar fundos celestiais para um esforço energúmeno que tem 3% de chance de realizar o impossível, de novo. Porque o impossível, no nosso caso, tem certa recorrência, o que abre o desagradável precedente de teimar em esperar ou mesmo querer provocá-lo novamente. Afinal, o que era menos improvável do que nos encontrarmos uma segunda vez? E ainda, nada poderia ser mais absurdamente delirante do que imaginar que poderíamos viver o que vivemos num terceiro, pasmo, reencontro. O quarto episódio, olha lá, parece o mais plausível de todos. Ainda que uns recônditos do meu ser torçam para o cancelamento da temporada, por não julgar ter forças para lidar com um possível desfecho de rejeição. De todo modo, independente, a vida mostra-se capaz de levantar-se e transformar-se, despojada das previsões e futurismos, ainda que necessária de certos planos e mapas coordenados. Assim, nesta madrugada de segunda para terça-feira, na casa da chuva, às 4h33, momento em que este plano está mais próximo dos outros planos, cá estou eu, renovando minha anciã tradição de terapeutizar-me em escritos esdrúxulos neste divã virtual semiabandonado, torcendo por um pouco mais de lucidez e disposição para ser digna de mim mesma, digna de sonhar e viver alguns, não tantos, mas não tão poucos, desses sonhos.

domingo, 15 de julho de 2018

Automicrobio



Fase DesAstrada Cúspide Aquária

Era uma criança-adolescente solitária antisocial um pouco reprimida em certo conflito com a lei materna brincando de criar mundinhos idealizados com bloquinhos de plástico ou jogos de computador e aviõezinhos de papel e lápis hidrocor e conversas com o avô e caminhadas pela praia, indo dormir com muitos carinhos maternos, inspirada por Kalil Gibran e Neruda, viajando com o Super Nitendo e 64, se queimando com bolos de chocolates e partilhando um bocado com a tia e a vó e o avô e a mãe, curtindo muitos documentários do discovery num puff marrom

Fase Aquariana Cúspide Libriana

Era uma mocinha com sangue nozói porque o mundo é injusto, escroto, o capitalismo é uma merda, tinha muita raiva, violência aflorando tardiamente mas direcionada para as paredes, descobriu Malatesta, procurou pela Une, encontrou a Conlutas, criou o Blog Lobo Vermelho, tinha muitos conflitos com a lei materna, foi para o primeiro protesto de rua, participou da Missão, foi descoberta pela Viração, inventou o Grupo de Ação Solidária, pedalou bastante pela Bicicletada, se perdeu na Menina-Flor, se surpreendeu com a Conferência, começou a entender o que era a Renajoc, se libertou graças a Menina-Espinho, se enveredou pelo Jornalismo, mas o que valeu foi a Fotografia, criou demais com a Câmera Vermelha, miraculosamente passou no Concurso, teve muitas e muitas deprês por causa disso, criou o Blog Azul, encheu uma poupança

Fase Libriana Cúspide Sagitária

Foi uma jovem apaixonada pela Mulher-Touro, desfrutou muitos Pôr-do-Sois e Vagalumes entre seus infernos, desfrutou 7x o Amor tanto e mais, começou a aprender a cozinhar com sua Mestra nº1, foi para Pipa, Tabatinga, Curitiba, Porto Alegre, Buenos Aires, Baia Formosa, enfim realizou o sonho de percorrer a cidade com Catirina, viveu ainda mais a Viração, descobriu a Vila de Ponta Negra, inventou o Vir-a-Vila, praticou educomunicação nas trincheiras da vida, foi para Mairiporã, sofreu uma Quebra, imergiu ainda mais na Renajoc, chorou um tanto, sonhou um bocado mais, tentou ao máximo realizar e realizar-se, mas sentindo-se aprisionada

Fase Sagitária Cúspide Capricórnea

Conheceu e entregou-se à Mulher-Cariño, acabou jogangando-se também na liberdade, lançando-se no mar, abandonando o porto seguro e terrível de tédio e restrições, largou-se na estrada, foi para o Rio, Brasília, Vitória da Conquista, Campinas, Fortaleza, São Paulo, Porto Alegre, Belém, João Pessoa, Vale do Capão, Manaus, São Gabriel da Cachoeira, Campo Grande, Vitória e outros lugares mais, afinal, viajou viajou viajou, mês sim, mês não, mês sim mês sim, tanto que cansou, que tomou abuso de aeroporto, de avião, de fazer mala, de desfazer mala, mas valeu demais, enfim saiu de casa, criou a Casa Chiapas, aprendeu demais, escreveu mil manifestos, aprendeu mais a cozinhar, fez alguns banquetes, nadou demais no mar ao pé do morro, conheceu o amor da sua vida, amou demais, fez algumas grandes merdas, chorou bastante, magoou pessoas que amou demais, mais uma grande crise existencial, abandonou tudo, mochilou por Minas, pediu carona, pegou muito sol, uma semana na casinha de barro e bambu e grama no teto e gente maravilhosa demais e cachoeira gelada de doer em Lima Duarte, dançou e foi feliz demais no carnaval de Beagá com a melhor companhia, na volta tinha um novo caminho a seguir na vida, Permaculturar, começou a fechar os ciclos, começaram-se a abrir novas portas, em Catu fez um pequeno doc durante seu primeiro encontro de permacultura, em Cascavel fez a maior merda que já fez na vida, mas na época não entendia e achou incrível, foi para o Enca, se emocionou demais com tanta beleza humana e Natural, Goiás, Alto Paraíso, Poço Branco, conheceu sua irmã-maior libriana-sagitariana, criou a Casa Caracol

Fase Capricórnea Cúspide Taurina

Mais uma peregrinação onde teve grandes estalos. São Paulo, Chapecó, Alpestre, muitos baldes e barro e dança e estrelas e leituras, carinhos e surpresas, Reserva do Ser, um dia em Floripa, inventou o Mandala, um ano louco de plantios, mandalas, folhas, garrafas PET, barricadas e trincheiras, lutas e muitas propagações de sementes de ideias e de vidas, viveu com o mínimo, descobriu que dava pra ser incrível, cultivou bastante, teve uma grande grandecíssima bad, morreu, nasceu de novo, novo nome, reconstruindo-se sempre, muitos aprendizados, muitos plantios, conflitos, transgressões, coragens, subidas e descidas, reconexões, encontrou a Casa do Lago, se apaixonou, reencontrou o amor de sua vida, teve momentos absurdamente lindos com ela, tentou realizar um sonho louco, renasceu a Casa Chiapas do Mato, nadou pelada no lago, viu pôr-do-sóis absurdos no morro da visão, um bocado de desastre, apesar dos tantos aprendizados, uma imensa quebra, a morte da Caracol, a morte da sua relação, o colapso de suas condições materiais, voltou pra cidade, perdida, desorientada, desamparada, triste, desacreditada de si, desamada, despossuída, em busca de se refazer 

Fase Taurina Cúspide Leão

Arranjou uns trampos pra juntar umas moedas, estancar a sangrias, uma peregrinação semanal, umas feiras orgânicas escolares, umas noites culinárias, inventou umas oficinas, fez novas amizades, começou a rebrotar algumas flores aqui e ali em si, fez muitas curas, alguns bons encontros, novas perspectivas de vida, tornar-se ainda mais educadora pela Natureza e pela Vida, novos projetos de sonho, desejos, estar junto, amar demais, viver junto, multiplicar vida e amor com Ela... 

Polo e Pan - Nanã

Chapéu de palha


Fazes-me lembrar
um filme do Rohmer
ou o toldo vermelho
do Joaquim Manuel
Quando penso em ti
eu esqueço o lixo
que de manhã faz barulho
à minha porta
Pareces-te com o tempo
das amendoeiras
Tens tudo a ver com
a escadaria semi-invisível
que o mágico escavou
no rochedo atlântico
Sim tu pareces o Verão
Às vezes quando entras
quase dá para ouvir o ruído
do motor de um jipe
Um Lada Niva por exemplo
(de cor azul)
a assapar entre a poeira
e os eucaliptos
sempre em direção à praia
Fazes lembrar a alegria
de um risco na parede
desenhado a carvão
pela criança da manhã
É no verde dos teus olhos
que eu treino a disciplina
de uma explosão sossegada
que se vai revelando devagar
ao ritmo das estações concretas
E já agora também é no amarelo
dos teus olhos que eu descanso
da guerrilha do mundo moderno
Aquele que nos fez esquecer
a gargalhada de David
quando derrotou o gigante
(mas olha há sempre um riso
ecoando lento na caverna)
Estamos aqui para vencer a dor
E teu rosto diário faz lembrar
a vitória do tempo sobre o tempo
Porque afinal de contas tu
te pareces muito com a promessa
de uma fé vagarosa & livre
Pareces a coragem, pareces a paz
Pareces mesmo a madrugada egípcia
sobre a qual voa um passarinho.



Matilde Campilho