sábado, 12 de junho de 2010

Quente o suficiente

(canavial)


Gautama, o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, a qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetraremos
É talvez como o ser-um com tudo craido
Ao deitar-se alugém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Quemava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e grite-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-os assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sorancelha
Se não sprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar , até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos que àqueles que
à vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do Capital gastam
........tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma
.......reviravolta
Nada temos a dizer.
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Bertolt Brecht

confortável (nós)


Estás confortável? O que acontece, então, após o conforto? Conforto dá vontade de quê? Seja uma caminha confortável, um lugar agradável, braços macios e aconchegantes, um paraíso de belezas... o que acontece agora? Ah, não dá vontade de sair daqui... eu prefiro ir ficando... deixa o tempo passar... vamos aproveitar mais um pouco... enquanto os sentidos estão dormindo e eu posso contemplar o crescimento das plantas... a casa das aranhas no alto das paredes... o vazio das caixas luminosas... Deixa o resto no seu lugar... só me importa permanecer assim... em busca desse conforto paracetamol... este ar-tificial-condicionado... um veículo confortável e anti-sensorial... não quero ouvir os barulhos lá fora nem sentir a temperatura verdadeira... não quero nada disso, nada do que é real... o conforto me conforta e assim eu me sinto mais legal... deixe estar, deixa os problemas para lá... só quero agora resolver o meu, cuidar dos meus problemas em busca da minha vida confortável... o meu sonho é tão estável, sem surpresas no caminho, cansam tanto os desafios, vamos ficar onde dá para prever... uma rotina sem arrepios... estab-ilidade... esta é minha idade, do meio pro fim, vamos deixar assim... vamos nos conformar... deitar nas formas de conforto... não nos preocupar... deixe para qualquer outro se indignar... eu estou bem assim... sou tão vivo quanto os meus lençóis... sou tão morto quanto maior o meu conforto...
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"Quem não se mexe não sente as correntes que o aprisionam"
Rosa Luxemburgo

terça-feira, 8 de junho de 2010

m(ú)sicas da margem e rede no jardim

Vagabundo d(i)mundo, com um sax, um bandolim ou gaita qualquer, qualquer latinha ou instrumento de corda, algum tambor improvisado, um lápis e um papel, ou carvão riscando a parede, um giz desenhando no chão, qualquer forma de expressão... para ele se alimentar... pela rua vazia de espíritos pessoais, vagando por entre as telas privadas sem pedir permissão... esgueirando-se por debaixo do nariz autoritário, (por)sobre/vivendo ao claustro urbano que ele penetrava com seus pés libertos... ele a ninguém pedia licença para existir. Não deu informações para registro estatal, negou-se a aparecer no alistamento, a polic(v)iolência) da sociedade não sabia encontrá-lo, pois ele esqueceu seu endereço, suas indicações e pontos de referência. Ou não, não esqueceu, apenas sub(verteu) pela pele e garganta outras opções, suas próprias direções, seus lugares para estar. Por(des)ventura, esbarrava com as coerções da lei, ávidas por árbitrar suas jogadas, ditar-lhe regras de cima, caindo-lhe com mão pesada sobre as costas para fazê-lo ajoelhar. Mas, ágil e sabido que era de cada beco e ruela daquela imensidão concrética, pulando cercas, escalando bueiros, enterrando-se sob papelões ou atrás de latões nas sombras, ele costumeiramente fugia das tentativas de cercear seu auto-ser.

Sentava-se a beira do calçadão, de frente para a praia, à margem dos passos indiferentes das pessoas. Conseguira um caderninho e uma caneta barganhando trocados em troca de favores. Pelos poemas pedia afetivas contribuições... por um retrato ou caricatura conseguia o jantar... por um conselho sobre os búzios e os destinos de alguém, garantia o transporte por um longo trajeto, com as coisas que encontrava e que lhe davam, trocava em sebos e brechós pelo que por hora queria. Nada acumulava, tinha o de agora, jamais o de depois, a cada instante sabia as suas possibilidades, sem se vender para nenhuma delas, seguindo seu prazer e sua ânsia. Não rendia-se nem mesmo às carências do corpo, pois acostumara-se a viver de acordo com as circunstâncias. Tinha um quê de monge nesse aspecto, conquanto sua roupa fosse predominantemente preta e rasgada... Sua higiene era naturalmente fluvial, pluvial e marinha... secava a vento ou ao sol, corpo nu em lugar distante... Maçãs que encontrava em jardins particulares escovavam-lhe os dentes... ou os anti-sépticos de restaurantes... as pastas de dentes vinham de amigos... seus chuveiros eram de fraternos... muitas vezes uma rede escondida n´um buraco, pendurada em antenas de tv no alto de um prédio antigo, debaixo do céu estrelado, bastavam para descansar-lhe os ossos...quando o sol era alto, ajudava a vender picolés e garantia seu gelado... como um guia, camarada comun(itário) de tantos e quaisquer vizinhos... ninguém negava-se à uma mão de sua prosa, era tão costumeiro chamarem-no para um almoço agradável.
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Era ele quem fazia as festas da rua... onde as crianças riam e andavam de bicicleta, as senhoras dançavam as valsas de antigamente e os jovens encontravam-se encostados nas paredes corpo-a-corpo... Tantas coisas sabia fazer, aprendido com tantos outros que conhecia pelo caminho, que para tudo podiam chamá-lo para resolver... podia fazer suas próprias roupas com uma agulha cega e linhas escuras... tantas pulseirinhas, pingentes, trançados afins, tinha a habilidade total... seus dedos eram hábeis pois eram livres... inalienáveis, eram seus e somente seus... uns anos pegou carona em um barco até ilhas desconhecidas, outro tempo integrou-se à trupes andarilhas de circo e folia... em várias cidades teve passagem... e tantos conhecidos por aí deixados e encontrados... de fato era um moço alegre e amigável... impossível não gostar... impossível não sentir aquele desejo escondido, interior, uma ponta de desejo de ser tão livre quanto aquele pássaro de pernas longas... se tivessem coragem... se não fosse a rotineira covardia das garantias correntes do dia-a-dia... o dia de amanhã, as contas a pagar, o endereço e os impostos... coisas que só aquela gaivota urbana ignorava, boicotava com toda a troça e graça... brincando de utopia a cada dia que acordava... plantar flores em terrenos baldios, pintar murais com tintas vencidas, ornamentar as calçadas tão insípidas. Verdadeiras reespiritualizações de espaços descalços. Os seus pés eram capazes de amaciar as pedras e preencher os buracos. Em seus jardins consentidos e queridos, tirava também o que comer, garantia temperos para as donas-de-casa e os paladares satisfazia com sementes trazidas das viagens. Era um espírito impossível, um corpo imprevisível, uma alma inaprisionável... Era assim que era... é assim que é... e toda hora... é uma boa hora...
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(Beach House - Heart of Chamber - uma música...)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A casa da praia

Mais que um pacote cê-vê-cê trianual... é esta relação...

porque mais do que tudo queremos tudo e nós juntos para irmos aonde estivermos com vontade (saudade)...

é preciso ter saudade... da praia, da música, da rede, da alquimia de frutas e do pão-de-alho caseiro...

a fome dá um sabor maior... saudade é a mesma coisa...

gosto de ver suas palavras na minha mente enquanto lês para mim... é tão especial...


sua pele percorre os meus dedos como uma andarilha andorinha voando ao polo-sul em busca de seu amor magnético... uma viagem de comemorações tão fabulosamente perfeita para mim e para você (nós dois)...


miando no balanço vermelho com a expressão tímida do romance, deixando cair nos braços como a cachoeira deita sobre o rio abaixo, pouso suavemente os meus sonhos no teu colo de neve salina e areia formosa... assim eu vivo sob a sombra do ipê roxo da nossa varanda, respirando os perfumes cítricos e castanhos naturais, os sabores olfativos de maracujá e romã, a brancura da flor de jasmim de caules rijos e firmes, escalando pelas flores as nossas visões por cima do muro...

a casa de praia de dia-e-de-noite pela madrugada abraçada à alvorada... o suco de maçã e mate às 7 da manhã após uma primeira e reveladora caminhada através do rio salgado límpido e brilhante... sentados no banquinho de pedra defronte ao mar, ouvindo os comentário do mar a respeito de nossas palavras... ele observava e dava sua benção ao que estava por vir...

e a rede, nossa suprema metáfora de paixão, foi o berço do primeiro beijo em sorrisos de água-de-coco... os pianos leves e os ruídos de brinquedos infantis voaram pelas paredes da casa... somente nós dois acordados para nossos sentimentos... a surreal verdade do momento... a revelação concreta do amor... o vestido branco de capuz bonito que envolve a menina que eu amo... o cobertor quente de epiderme musical...

Mi amor, com sotaque...
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(Beach House - Gila - uma música)

Eu (a) vi primeiro... (ou nos vimos juntos...)

Não precisa ser sozinha
Não há necessidade de ficar sozinha

É o amor verdadeiro
Sim, é o amor verdadeiro
Ah, é o amor verdadeiro
Sim, é o amor verdadeiro

A partir deste momento em diante eu sei
Exatamente onde a minha vida vai passar
Parece que tudo o que realmente foi feito
Foi ficar à espera de amor

Não precisa de ter medo
Não é preciso ter medo

É o amor verdadeiro
Sim, é o amor verdadeiro
Ah, é o amor verdadeiro
Sim, é o amor verdadeiro

(Real Love - John Lennon - interpretada por Regina Spektor)


Quem estará livre da possibilidade mordaz de estar só, ausente todo o calor da intimidade, o laço termal que envolve a alma, elevando-a como balão de ar-quente até as alturas inalcançáveis sem amor... Quem pode dizer com toda a certeza absoluta da sentença que para sempre estarão juntos? Quem se arrisca a ter esta esperança? Quem se arrisca a emitir esta previsão? Quem... quem ainda não teve esse primeiro sonho ruido há muito ou há pouco tempo...? Quem não teve que engolir a seco todos os sonhos enrigecidos, corroídos, despedaçados? Quem não perdeu o sono, a paz, a vida brevemente a espera do telefonema que não viria? Das palavras suaves que já não existiam? Da ilusão que já se desfizera? O que é real?...

O ontem e o amanhã são alucinações da psiquê humana, imaginativa, criativa... capazes de criar, vamos além das nossas forças e prevemos o imprevisível e recordamos o esquecido... Para quê? Se o único caminho é o hoje, agora, nas nossas mãos e na nossa sensação, nosso presente desembrulhado pelos sentidos festivos? O agora e na hora de cada olhar e respiração...

Sofremos por quê? Por quem? Del(a/e)? Do amor? Do destino? De nós! Já apanhamos tanto de nós mesmos... já nos surramos, nos espancamos, ridicularizamos a nós mesmos com ilusões enfeitadas de confete de carnavais passados, máscaras de bailes idos, fotografias perdidas em filmes queimados... Por que sofrer? Silenciar-se em pensamentos e lembranças acinzentadas e sem sabor... se o vento já levou... e o mar já diluiu e nunca mais se achará... ?

A vida é o mar... imenso... imensa... nunca para frente ou para trás... lá... maior... completamente vasto, vasta... este é o mar e esta é a vida... as ondas são as horas que vem e que vão... mas sempre uma nova hora para bater-nos na cara, acordando-nos do torpe pensamento vão de antes ou depois... O mar diz 'agora'! Nada! ou te afogo... te afogo nas tuas mágoas... não vês que toda esta lágrima interior foi a chuva que criou o mar? O clico do mar... dos rios e dos lagos... da água do corpo... que bebemos, que suamos, que vertemos... no oceano...

Intenso... calmo e revolto... espumas ao sol... verde e azul... vermelho do sangue marinho... amarelo de nascer do dia... laranja do pôr-da-vida... belo... bela...

É beleza o que queremos, não é? Que a vida seja bela?... Que ao olharmos para nós possamos sorrir... pelas belas paisagens de nossa alma... pelas sensações paradisíacas de paz... pelas emoções efusivas de alegria... então dane-se a pintar, dançar e cantar (amando)! Deixe a contemplação aos tolos... sinta a beleza do agora... já basta!
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(Regina Spektor - Real Love - uma música)