terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Né, blina?...


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Dos gestos
Das perguntas
Das dúvidas
E das brumas...

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Inevitável manifesta-se

O fim
Ser e só
o novo
tanto e mais
o esquecimento
o passado
a fome e a sede
a alegria
o frio
a euforia de ser tudo
a calma de ser um
o infinito
a possibilidade
a desesperança
o cansaço
a dor
e tantos outrxs
inevitáveis

O óbvio... diante, na cara, queimando as pestanas e a tez, para onde quer que olhemos, lá, aqui, acontecendo, a vida, em toda sua dimensão e desmedida, em toda impossibilidade de fuga, envolvidos inteiramente pela integralidade, aguentando tudo que nos acontece, porque nascemos prontos para viver - aprendendo a cada dia a estar prontos para o agora... 

O óbvio... e inelutável...

O que nos resta? Temos escolha se todas as escolhas são possíveis?  Tudo está previsto, tudo é permitido... Viver, morrer, nascer, cair, criar, tudo faz parte, tudo é vida, é caminho, é mudança... 

Viver o inevitável... evitar viver é um engano... e o engano asfixia... respirar funda a vida, convidar-se e ir... 

sábado, 20 de dezembro de 2014

Sul

Só o nada e a surpresa não decepcionam... Se esperar que nada aconteça, que nada apareça e que nada venha, feliz será se nada concretizar. E se não, se nada não vier, mas, ao contrário, a surpresa resolver causar, mais nada se pode esperar...

Tel que tu es - Charlotte Gainsbourg

Zenbar, 06/12/14

Bel prazer

eu bebo beleza como beleza beijo beleza nado beleza cheiro o cangote da beleza danço a beleza pela beleza e com a beleza incenso beleza planto beleza tranço beleza transo beleza mordo beleza saboreio beleza amo beleza navego beleza mexo beleza acordo beleza pinto beleza molho beleza negro beleza durmo beleza espreguiço beleza vagueio beleza erro beleza vivo beleza nasço beleza vejo beleza sinto-a tanto que tudo que desejo beleza...

Daft Punk - Around The Word

Zenbar, 06/12/14

Ar (mor)...

I

Todxs nós temos duas biografias... dizia Milan Kundera... 

Uma dos amores que realizamos ou, talvez, se realizaram... mutuamente... E outra daqueles amores que nunca aconteceram... ou pelo menos, não extrapolaram nossa particularidade...

Uma vez eu vi em imagem e som > que dizia que o que nós vivemos e o que nós imaginamos é vivenciado da mesma forma pelo cérebro [ou pelo espírito?]...  O que pode ser interpretado com uma perversão metafísica da realidade... Ou melhor, que tudo que imaginamos nós também vivemos... Ou tudo que vivemos seria imaginação?

Acontece que entre amores que existem e amores que se imaginam, entre afetos que se tocam e afetos que só me afetam, equilibro-me, tonto e abandonado... 

Abandonei qualquer importância ao que não é... e vo(o) apenas no ser, seja real-imaginário, ou imaginação-realidade... 

Abandono-me de qualquer inquietação, conjectura tola, perda de tempo em não-ser...

Vivo... tudo que sinto, dentro e fora, foradentro... Imagino mundos... Mudo imaginários... Faço-me real na minha própria realização... sonho o que vivo, vivo o que sonho...

E amo viver sem reservas, sem paraquedas, sem confundir o que é com o que não é...

II

Imaginar não é confundir...

É preciso ler o mundo... Ler os gestos, ler as ações e relações que se passam ao redor, conosco, em nós... É preciso estar atento ao mundo, à vida, ao universo, dentrofora, foradentro...

E defrontar-nos com coragem ao que percebemos, nesta compreensão do que se nos depara...

Sem ficar alucinando e confundindo o que não é com o que é...

Imaginar é fazer ser o que queremos que seja... É possível e sensível desfrutar tudo que queremos que seja e é - dentro de nós...

O que imaginamos se semeia em nós... e nasce e floresce e dá frutos... no real...

Todo amor que imaginamos vira amor pele afora... mundo afora...

Mas todo amor que confundimos vira mágoa... E mágoa é melhor desrealizar...

Fundamos imaginação e realidade... E extrapolemos toda possibilidade de ir além...

Pradentro e prafora...

Ao som de Eat Yourself - Goldfrapp

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Azuis


Afeto. Aconchego. Próprio, mútuo, por tudo, simplesmente, debaixo da chuva fina, debaixo dos cabelos dela... debaixo do guarda-chuva.... debaixo da timidez ou da solidão, atrás das orelhas e debaixo dos nossos narizes... Aí está o afeto, aí está o bem-querer-viver que podemos escolher, que podemos balbuciar como a canção que tece encontros e mistérios...

Porque os amores são como a primavera... florescem... brilham... perfumam... e espalham-se pela grama, pela paisagem, pela lembrança... 

Porque o bem que temos, que sentimos, que exalamos e compartilhamos faz mais primaveras, mais estações, mais amor-es...  que tocam a pele, tocam o riso, tocam o âmago...

E todxs que queremos bem, e queremos amor, estão aqui em nossa intenção, em nossa emoção, em nossa canção... 

Terminei indo - A Banda Mais Bonita da Cidade 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

TRANSGRESIONES

Todo mandato es minucioso
y cruel
me gustan
las frugales transgresiones
por ejemplo inventar el buen
amor
aprender
en los cuerpos y en tu cuerpo
oír la noche y no decir
amen
trazar
cada uno el mapa de su audacia
aun que nos olvidemos
de olvidar
seguro
que el recuerdo nos olvida
obedecer a ciegas deja
cíego
crecemos
solamente en la osadía
sólo cuando transgredo alguna
orden
el futuro
se vuelve respírable
todo mandato es minucioso
y cruel
me gustan
las frugales transgresiones


Mário Benedetti

"Ditos Diários" IX

Quarta, 15:13

Chega em casa, sol ainda brilhando energético no céu. Vê aquele recanto da área fronteira da casa, em cujo solo um sonho de horta e convivência ele tem. E decide-se: agora. Naquela tarde carrega troncos do pé de jambo caído pela ventania deixados na calçada do vizinho solícito. Capina a terra removendo pela enésima e, certamente, não a última vez, os matos que não tardam a resistir, a crescer, a piquetar, a mostrarem que serão os últimos seres da Terra. Livre o lugar desses seres indesejados, porém exemplares em luta, põe-se a posicionar os galhos multiformes e muitisemânticos de modo a organizar de forma agradável e sonhável aquele espaço: lugar de plantar, lugar de sentar e conviver, lugar de florescer, lugar de nutrir, lugar de sombrear e por aí vai. Findas duas horas de suor respingando nos óculos, pele levemente torrada pelo sol persistente, considera concluída a primeira parte da obra: o cenário está montado, faltam xs atrizes e atores: frutas, verduras, folhas, trepadeiras, flores, bancos e poemas. Ducha-se. Aquela água que cai do filtro azul transparente lava-lhe as forças e os ânimos. Recuperado e revigorado, necessita alimento. Sobe a ladeira suave de sua rua até a floresta, caminho identitário de sua comunidade, corredor vivo e chamegante de gentes qualquer hora do dia e da noite. Enquanto anda, avista objetos. Objetos estes que não são mais o que o sistema lhes designou. Agora são o que à imaginação aprazir. Baldes tornados composteiras, privadas tornadas instalações de pop-sonho-vaso-arte. Comprados pães para a ceia, parte em busca de mudas felizes para inaugurar seu jardim público-secreto. Vizinhos ausentes ou sem mudas, caminha de volta para casa. E no meio do caminho acontece a mágica mais linda que existe nesse mundo, a arte do encontro. Pois num´é que encontra uma vizinha inesperada, uma querida de longa data, de cabelos de África e talentos vários de paladar, entre tantas alegrias de se compartilhar. Ela carrega compras de comer para casa. Ele decide acompanhá-la. Afinal, sente-se todo inusitado, todo aberto ao momento-vivido, ao imprevisto acertado. Acompanha-lhe e põem-se a conversar - parte deliciosa da arte do encontro. "Deixa eu te contar, queria muito fazer algo na Casa Caracoles [espaço cultural onde, além de tudo, mora o moço]! Vamos conversar? "Que delícia! Vamos sim! Vamo jantar lá em casa? Comprei pão! "Ah, quero sim! Tava tentando evitar pão, mas na verdade tou é com desejo! [risos] Deixa eu ver o que mais posso levar! E assim foi, fizeram, foram. Da imaginação nasceu uma bela e única refeição, nunca antes vista ou experimentada. Multicolorida e supergustativa, cuja receita nasceu e se comeu ali, ninguém tem lembrança além dos gostos. E além de repartir-se o pão, a fruta, a cor da verdura, do suco, do veio da vida, repartiu-se e semeou-se e multiplicou-se ideias sonhadas nesse ambiente fecundo. Nasceu um banquete, flagrou-se um gnomo, riu-se do impossível que a toda hora transgredimos com nossa alegria-de-ser-mais...

Imagem: Alexander Jansson
Melodia: First Look Inside - Mark Holdaway