quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Árvore

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"Quando um homem constrói sua casa, há aí um pouco da mesma aptidão com que uma ave constrói seu ninho. Quem sabe, se os homens construíssem suas moradias com as próprias mãos, e providenciassem alimento para si e para suas famílias com simplicidade e honestidade, será que a faculdade poética não se desenvolveria de modo universal, tal como as aves universalmente cantam quando estão empenhadas nessas atividades? Mas, ai de nós!, fazemos como os chupins e os cucos que botam seus ovos nos ninhos construídos por outros passarinhos, e não alegram ninguém com seus piados pouco musicais. Iremos sempre entregar o prazer da construção ao carpinteiro? O que a arquitetura representa na experiência da maioria dos homens?"

H. D. Thoreau, no livro Walden, página 55. (LPM Pocket, 2010)



Sempre quis participar de um multirão de construção de uma casa. Uma casa popular, do tipo mais simples possível, que umas dez pessoas conseguem construir em uma ou duas semanas (realmente não tenho muita noção). Aprender a preparar cimento, a acomodá-lo entre os tijolos, a pregar a madeira com pregos firmemente, passar a argamassa nas paredes, forrar o teto, colocar as telhas de maneira que magicamente a chuva não as transpasse, colocar a cerâmica no chão e no banheiro... Aprender todos esses pequenos detalhes que concretizam um sonho, edificam a esperança, protegem o que é querido...

Tantas vezes imaginei também a perfeita e harmônica organização dos cômodos de uma casa que poderia chamar de familiar, irmã, semelhante a mim. Algo irregular na forma, nos níveis dos pisos, diversa nas sensações, múltipla nas surpresas e esconderijos, ampla na criatividade, indescritível no caráter. Sem excessos, apenas o espaço certo para a convivência, repouso, concentração, retiro, contemplação, degustação, estudo, paixão e calma. Gosto tanto de desníveis, a sala mais alta que o corredor, descendo mais um pouco para a cozinha, um escritório abaixo da sala, acesso por uma escadinha, o quarto acima, através de um caracol de degraus, mirante mais no alto, jardim em camadas, laguinho... gosto tanto porque se parece com a alma, subterrânea, terrena, sublime, transcendente, mundana - irregular. E tantas cores diferentes nas paredes, nos detalhes, contrastes e matizes que caminham junto com o humor, com o momento... E luzes indiretas, várias, diminutas, delicadas... almofadas... janelas grandes... mimos e doçuras...

Uma arquitetura espiritual, impossível de se realizar sem conhecer e/ou sentir a vida como ela é... Significativa... Singular e Sensível...


Assim... uma casa como um corpo para a alma...


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sidarta

(da) Rua. Feridas nos olhos, uma pedra no estômago e... sem dono. Seus pés estão perfeitamente adaptados para percorrer quanto precisar, descalço, no cascalho ou no asfalto. Não é bonito de se ver, mas serve ao propósito de andar. O calor é enorme, mas ele é parte do calor, como se fosse um carvão - vegetal... É incrível - Seu olhar carrega uma consciência determinada de seu estado e circunstância, uma áurea de saber, de erudição. A expressão de seu rosto é tão enigmaticamente confiante que entala a dúvida na garganta - é quem e como é por querer? A vida errante, áspera e frugal foi uma escolha cônscia, um experimento, uma pesquisa ou uma adversidade? Um espanto, de qualquer modo. Não se vê pesar, miséria nem carência no olhar brilhante, incrustado no rosto batido, sujo e bruto. Como se o espírito em nada fosse afetado pela decadência da matéria. E soa tão viceralmente natural que, um dia, quando andava pela rua ladeada pelo fluxo constante de fumacentos automóveis, viu diante de si uma manga caída, vinda do outro lado do muro enorme, onde resplandecia uma mangueira, calmamente, sem pensar, automaticamente, pegou a fruta e rasgou-a com os dentes, comendo-a, de maneira simples, primitiva, verdadeira. Fiquei atônito com o ato, com a pureza e espontaneidade. Frequentemente o via deitado quando passava, pelas duas da tarde, no seu lugar... um trecho de calçada refrescantemente sombreada por árvore imensa, que ocupava metade do terreno em que estava. Sobe ele um papelão, próximo uma mochila com provavelmente era tudo que tinha, cabeça sempre cuidadosamente raspada. Certa vez almocei ali próximo e tendo sobrado muito, resolvi dar-lhe a comida. Aproximei-me do corpo deitado e de olhos fechados. Chamei-o e entreguei-lhe o pacote, o qual recebeu sem cerimônia, como se recebe a chuva ou a brisa. Em silêncio, começou a desembrulhar, enquanto eu já me afastava, cada vez mais tocado por aquele espírito singular. E o último incidente de sua existência que me marcou foi um dia, duas da tarde, quando eu estava sentado esperando o ônibus, no fim da rua comecei a vê-lo, caminhando na direção em que eu estava, como muitas vezes já o vi fazer. Mas sua expressão estava tão sorridente como jamais o vira. Costumeiramente tem no rosto uma forma serena, tranquila, mas sem exaltações como um sorriso. Desta vez não, estampava no rosto um largo sorriso. E o que mais me impressionou foi, no ato em que cruzou comigo e passou adiante, perceber o estado debilitado de seus dentes, um deles em falta, amarelados e sujos. Fiquei surpreso e desconcertado. Como se esse símbolo demonstrasse duas coisas, que a situação em que vive e para a qual parece tão preparado e resistente de fato supera suas forças ou capacidades, ou ele vai tão além no propósito de descobrir o nada, o desapego e a desapropriação da matéria que nem mesmo esse sinal valioso da aparência foi guardada... Não sei... realmente, não sei... Mas guardo comigo um desejo tímido e silencioso de um dia conhecer realmente quem é essa criatura que caminha tranquilamente pela cidade como se fosse uma trilha na mata, como se o barulho dos carros fosse um quebrar de ondas da praia, como se o sol fosse agradável e ameno. Conhecer sua história e seu caminho...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Aconchegados

Lado a lado
Esparramados
N´um quarto ventilado
Aconchegados...

Lado a lado
Preparando sabores
Na cozinha colorida
De aconchegos

Lado a lado
Derramados
N´um banho gostoso
E aconchegado

Lado a lado
Caminhando
No campo de margaridas
Aconchegadas

Lado a lado
Qualquer parte
Qualquer circunstância
Almas dadas
Aconchegadas...

Passo


Vamos nos mudar

Esse pensamento já me transformou
É a hora, não se pode negar
Não se pode impedir
E ninguém venha me dizer qu´é cedo
Que o tempo não é uma régua palmatória
Uma ampulheta que me soterre...
Eu há muito já não tenho medo
De fugir do confortável e do fácil
Vamos deixar as muletas de lado
Abandonar a prática familiar
A vida diz que é agora
O instante verde e cristalino
Que é viver por si...

Vamos nos mudar
Já está tudo planejado
Nas linhas do sonho e do desejo
Feitos os devidos preparos
Acumuladas as provisões de inverno
E o que der errado
Será para melhor dar certo
Resolver os acasos
É desafiar e tornar belo
O fruto das mãos e do esforço
E a gratificação definitiva
É sentir que afinal
Somos soberanos na vida