terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Falta algo

Tem caminho, 
tem planos, 
tem futuros, 
tem companhias (às vezes)
tem presenças (às vezes)
tem amor (às vezes),
tem carinho (às vezes),
tem autoestima,
tem sonho,
tem afinidade,
tem insônia,
tem frio,
tem angústia,
tem frustração,
tem o que ler,
tem o que ver,
tem o que ouvir,
tem o que comer,
tem o que sentir,
tem a si,
tem outros (às vezes),
tem você (às vezes),
Mas falta algo...

"Se a vida me der amor, o resto eu corro atrás"...


Tão absurdo, tão idiota, tão inútil, tão em vão... essa sequência de palavras soou gostosa na minha boca/ouvido. Parece conseguir resumir um poucomuito o que é a vida ocidentalizada consumista alienada de hoje... 

Atirei-me na vida... Ateu-me da vida... Nos últimos tempos perdi a fé; fé quase sobrenatural que tinha / e que fé não é sobrenatural? / de que a vida simplesmente vai e me levaria e me traria o bem... eu fiquei para trás? 

Poderia dizer que minha utopia pode ser expressa em uma palavra: beleza. Que tudo seja/fosse belo, as relações, a comida, o saber, as ruas, as casas, os sonhos, o hoje, o abraço, o ontem, o beijo, o amanhã, a forma de nos comunicarmos, o sexo, a produção das condições materiais da vida, a cidade, o campo, a transcendência imaterial do ser... 

A única moral é a beleza... se não está belo, não está bom... Bom para quem vive, para cada um com seu cada qual.

Sinto hoje que o usufruto da beleza se tornou difícil para mim. Porque sinto uma fome de beleza, uma falta, e não consigo apreciar com o ser roncando de fome. Principalmente beleza de relação humana - mais sublime, mais amor. E sem isso, tudo tende para o feio. Estou sem fé na utopia. Estou sem fé em mim. 

St. Ides Heaven - Elliot Smith - beleza

Autocentrado



O problema é que eu também olho para dentro? A questão é que eu fico atento, estupidamente percebendo tudo o que se passa aqui? Autoconhecimento, autopercepção, pode ser um buraco negro, sem fundo, que suga...Porque tudo que se passa, tudo que se sente, se torna grande, grave, muito... não passa despercebido, não se esconde embaixo do tapete subconsciente (ou pior, apesar de tudo, ainda deve escapar um monte de tralha pra baixo desse tapete esburacado)... ao contrário, fica ali, vivo, pulsando, diante dos olhos, acumulando-se a menos que façamos alguma coisa... e às vezes não há nada a fazer...

Semelhantes... onde estão? Essa gente que também é absorvida pelo vácuo de si, para compartilhar esse vazio... para preencher a parede ridiculamente branca da mente tentando superar esses borrões insanos, berrantes, cáusticos que derretem o sono e água... Jogar balões de tinta imaginária ultracolorida que cegue, ou melhor, que clareie o ver, o ir, o ser...

É um paradoxo autocentrado... crer no movimento da vida... e achar tudo tão repetitivo, sem caminhos para outras silhuetas de amor e existir...

Só eu serei assim, tão necessário de afeto e cuidado, tão excessivamente louco de desejo, louco por pele, por boca, por transbordamento de corpo?

Não é falta de cultivar... só o que faço é caminhar... indo, indo, indo... a cada passo um pouco mais, um pouco...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

...ela

Ela tem pó mágico nos cabelos. 
Quando ele toca, faz-lhe voar. 
Ela tem estrela dentro dos olhos. 
Quando ele olha, faz-lhe desejar.
Ela tem sonho na ponta da língua. 
Quando ele beija, faz-lhe descobrir. 
Ela tem tinta invisível na ponta dos dedos.
Quando ele leva, vai e volta no horizonte. 
Ela tem música no mundo da pele. 
Quando ele sente, dança. 
Ela tem... 
ela é... 
ela

Calor do Amor - Mahmundi - esta música

domingo, 22 de dezembro de 2013

pouco

Tu chega, querendo colo. Tu quer conversar na calçada, sobre a vida. Como uma lagoa de carinho, mergulhas em mim, nessa transparência de gestos de cuidado. Tu vais, querendo mais do que eu, mais do que um, mais do que posso. Tanto faz, tanto foi, tanto fogo que a maré recua, abrindo espaço, o vento corre, enchendo os cabelos, impulsionando os pulmões a planar... 

Falta-me de tudo um pouco, falta-me tu e todos... Falta-me eu, que me amar não importa...  falta acolher-me naquele sentimento de cumplicidade que virou lembrança... falta aquela ponte recíproca que vai e vem em vontades sinceras e vivas... 

Falta o que fazer diante do agora que não abre portas... Falta vontade de caminhar por um caminho que parece o mesmo, sem paisagens para sentir... 

Voar na água é o mais próximo de bem-querer que sinto agora... Ir para longe é o mais próximo de mim que chegas agora...

Furo 2 - Baleia - aprendendo a letra...

As inutilidades que precisamos (I)

Choro, choro como quem não tem o que fazer, como quem não pode dormir, porque os nervos de sentir doem, como quem não tem o que dizer, pois não adianta dizer nada... o choro é a mais drástica forma de silêncio, que não se esconde, que grita sutilmente - ou não... que gasta nossa energia inútil, que esvai nosso querer inútil, que revela a angústia inútil que se apega ao corpo... de que serve o choro? Não cura, não alivia, não muda... apenas deixa ir... apenas expressa até o cansaço da expressão inútil... até que se esgota e desfigura olhos que incham, que avermelham, que se abatem... até que se fecham... para um outro acordar em que deixamos as fontes de choro para trás...

Toothpaste Kisses - The Maccabees - música para desentristecer...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sendo

Taoísta: o que é, é. Nem bem, nem mal. Nem bom, nem ruim. Tudo apenas é o que é. Não importa o que é. Apenas é. Não faz a menor diferença o que é para o que é... o que é não se importa... pois ser basta... é e pronto. Ser não julga, não conjectura, não tece inúmeras abstrações sobre todas as possibilidades que não são, pois são apenas possíveis ser... Ser apenas está sendo... a cada instante. Desiste do amanhã, pois o futuro é um impossível. O possível é agora, o resto é mentira. Marcar planos no calendário não tem nada a ver com futuro, apenas com tempo, horários, datas, atos. Tudo pode ser, pode não ser, o que importa é o que for, de fato. Sem paciência, ou melhor, sem importância, ou ainda, sem razão de ser para o que deixa de ser... Vive tudo agora, o ontem, o hoje, o amanhã. Tudo é agora. Sendo, partilha seu ser, pois o ser é sempre mais ser... nunca menos... sendo, não é todo, não está completo, não se basta... e eventualmente emerge do todo, bota a cabeça pra fora do todo, esquece-se do todo... mas depois volta a mergulhar e deixar-se molhar por tudo... Mas, antes, durante e depois está sendo... e sendo, pode ser mais... com mais... acompanhado/a, sozinho/a, muitos/as, poucos/as...  

Words in Fire - Patrick Watson - para viver ao ouvir

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

(!)

Tudo é absurdo. Absurdo se tornou minha palavra preferida desde o cinema absurdo na praia absurda, as madrugadas cercado de loucos absurdos, de estrelas absurdas, de descobertas absurdas, de lagoa e gestos e fogueira absurda, sonos absurdos em lugares absurdos. Afinal, o que não é absurdo? Hoje nada me parece outra coisa. Pense bem... ou nem pense... apenas perceba - é... ab... sur... do... o presente, o passado! O futuro, puta absurda/o! Ler! Dormir, inevitavelmente absurdo... Arrumar a casa? Ridiculamente absurdo... Querer? Redondamente absurdo! Ou melhor, estupidamente... Ir? Inutilmente absurdo... ficar? Pateticamente absurdo... escrever? Ab... mudo... 

Marble Sounds - The Time to Sleep - absurdo!

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Ponto

O tempo não possui forma de medida possível, previsível. Seus caminhos, seus processos se revelam apenas no exato momento em que se tornam. As estações, por exemplo, os ciclos espirais, acontecem com tamanha variedade de possibilidades que a meteorologia de cada um se torna improvável. A astrologia também tenta, mas acredito que a tarefa é maior e mais complexa do que definir posições astrais e suas influências. Ou não. Teria Marte despencando sobre a constelação de Libra, causando uma instabilidade e um desmoronamento geral neste ano que chega aos últimos e sôfregos dias? Ou Plutão ofuscou Sagitário, tirando-lhe todo o riso? Teria Netuno momentaneamente desaparecido do céu ou afastado-se tão violentamente que deixou de se sentir? O horóscopo chinês também traz contribuições irônicas para os acontecimentos que se arrastaram...

Acontece que foram oito anos/décadas de ascensão, crescimento, aprendizados que ampliaram os espaços, as formas, as direções. Foi um período inaugurado com o nascimento primeiro da semente de autonomia do sujeito. Foi um período marcado por muitas e muitas quebras, mas logo seguidas ou simultaneamente acompanhadas de construções e expansões que fizeram essas dores todas parecerem menores, parte de alegrias maiores. Foram oito anos em que as relações só se fortaleceram, se aprofundaram, aprofundaram, aprofundaram... parecia uma profundeza ininterrupta... Como se seguir reto, mesmo que ondulante, percorrendo trechos melhores, ora montanhosos, ora litorâneos, bastasse... continuar indo...  

Mas no fatídico e quase ido (e que se vá!) ano/década de 2013, número tão grave, feroz e temperamental, a jornada iniciada oito anos/décadas antes encerrou-se. Ou melhor, encerrou-se ano/década passado/a... foi o fim. Da linha, do tempo, do mundo como o conhecia, do jeito de viver. O fim de tudo que sobrou depois desses oito anos de quebras, de perdas, de reorganizações... ficou tudo para trás... Esse ano não foi bem o começo de um outro, de um novo... Esse ano foi apenas demolição, demolição... deu para começar algo, plantar algo?... sim, um pouco, minimamente, para se continuar vivendo... Mas o processo de esquecer/superar/perceber que se foi tudo que se viveu nesses oito anos/décadas foi muito mais forte, intenso, predominante... retração, contração, distração, distanciação, mortificação... O caminho parou. Parei. Por um bom tempo olhando sem saber para onde ir, sem ter para onde ir... O mundo ficou menor, a ideia ficou menor, tudo ficou menor... reconheço-me menor... tudo é menor... O que será agora?

Our Window - Noah and the Whale - se houver ouvidos...

domingo, 8 de dezembro de 2013

Luz falta

Esperar amanhecer é uma rotina de quem não conhece a manhã... de quem morre de manhã, esperando o sol virar... anoitecer é um estado de espírito que paira entre o não ser e o arrastar... nesse limbo, nessa fronteira, nesse perto do fim, a um passo do além, às quatro horas, quando as brechas de outras dimensões e outros mundos se abrem e o universo se torna um pouco menor. Esperar o sol é uma condição dos que não podem sobre o sonho, sobre o som do tempo ao fechar dos olhos, sobre a falta de luz... deixar que se ilumine outro dia, outra chance, outra mecha que envolva... 

Coração Vagabundo - Caetano - som

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Dezembro



Chegou atrasado nesse ponto, mas enfim chegou. Chegou à porta vazia, para poder ele mesmo ir adiante. Enfim ou mais uma vez o antes parece absurdo de tão distante, tão diferente do agora. Mais uma vez irreconhecível, não se reconhece no antes e ainda tenta se encontrar no agora. Parece até mentira, ficção, mito, fantasia. Quando o que era mais cotidiano se torna irreal. Reinventando o cotidiano num tarefa árdua de refazer o mundo de tudo, de dentro para fora, de fora para dentro, de fora e de dentro. Nesse processo tão estranho, passa por momentos de amnésia urgencial, modos de recuperação ou manutenção do ser, lutando para manter-se são diante de certos colapsos interiores e afetivos. A anestesia virou um coma. A ausência virou uma propriedade do ser. Nesse processo tão estranho, passa por momentos de basta, de chega, de não. Como se fosse preciso partir do zero, do nada, pois o negativo se torna insuportável, a história lhe parece impossível. Como se morto, como que não sente, nem dor. Como se nada sentisse, ainda que sinta, não se sabe mais o quê, ou ao menos descrever minimamente o sentir, minimamente tornar possível o sentir, diante de si, consigo. O sentir também parece impossível. Como se a dimensão do sentir nunca tivesse existido, parece que assim consegue ir adiante no que resta, nos outros planos da existência. Rabiscos de sentir parecem apenas rabiscos. Abstratos, alheios, aleatórios. Não tendem a uma linha, um laço, um caminho a seguir.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O mundo

       Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
      - O mundo é isso - revelou - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
     Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano

Samba Esquema Noise - Mundo Livre SA - uma música