sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Infinita tristeza... (II)

Vou tentar, minimamente, inutilmente, mesmo errando, mesmo não sendo isso, sendo diferente, sendo mais, sendo inexprimível, vou tentar descrever o que sinto:

Um buraco imenso, imenso, imenso
em mim
que só cresce, cresce, cresce
e tudo cai, cai, cai
e eu caio, caio, caio
um vazio vazio vazio
dor dor dor
perda perda perda
e eu tento sair, mas logo me toma
de novo
e me consome, me consome, me consome
como se não sobrasse nada
nada sobrou
e pensar dói
sentir angustia
lembrar tortura
tudo é ruim
vontade de nada
nada nada nada
e por mais que eu resista
nada nada nada

Não dá para aceitar que foi assim
Não por falta de querer, mais por excesso, talvez
Tentar melhorar, transformar, abrir,
Destruiu tudo, tudo, tudo
E eu não conseguia continuar
queria ajudar
tornar nossa vida mais feliz
mais alegre
mais calorosa, mais repleta
Pra que a gente não se machucasse
pra que a gente estivesse bem e pudesse
fazer bem um ao outro
Mas tudo se quebrou
E você não falou mais comigo
E entendeu tudo errado

Eu queria estar mais perto de você
Ter explicado tudo de novo e de novo
Aquilo que eu nem mesmo entendia, mas estava tentando
Queria ter te reconfortado nos momentos ruins
como muitas vezes fiz
e que tanto bem fez, tão melhor ficamos
Mas tudo se quebrou

E agora é só perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda eu perda perda te perda perda perda amo perda perda perda perda tanto perda perda perda perda perda perda perda perda perda...  

The Escape - The Delano Orchestra - do mesmo cd... do mesmo espírito/corpo... 

Infinita tristeza...

Minha tristeza... quando estou triste, profundamente triste, tristeza de morte, de fim, tristeza de tudo, quando é uma tristeza que dói, que dói em tudo, em toda parte, todo canto, toda dimensão, cada centímetro, cada lembrança, cada espaço, cada elemento da vida feito nada, feito cinza, feito fim, quando parece que o mundo acaba a cada instante, que a vontade desapareceu, que tudo na verdade não é, apenas foi... 

Neste estado, ou nessa ausência de estado, de tudo, nesse vácuo, nesse vazio, tudo dói, tudo está quebrado... sinto uma ausência até de movimento, como se tudo parasse, perdesse o sentido, a direção, o motivo de ir... nada faz diferença nenhuma... Contudo, neste estado, eu não consigo entrar em letargia... Porque a dor dói tanto que grita, que agonia, que nos causa espasmos de desespero, de espanto, de derrota... e esses espasmos nos impedem de simplesmente ficar lá, quieto, estático, inerte... Longo período pode-se passar assim, tentando acalmar, de fato, tentando tranquilizar, esquecer, curar, anestesiar, ao menos... Mas a dor então fala tão alto que nos impele, nos empurra... não dá para dormir, não dá para deitar, não dá para parar... dormir dói, deitar dói, parar dói... e por mais que o movimento não cure, doa do mesmo jeito, é o jeito... é o jeito movimentar-se... ir... não importa pra onde, afinal, nada importa... mas precisa-se ir, mesmo que doa também... mesmo que doa do mesmo jeito ou mais... como que perseguidos pela dor, pela tristeza, pelo abismo, como tentando fugir, ainda que ela esteja dentro, sob a pele, sob a alma, sob cada parte do corpo, tenta-se fugir... vai-se para algum lugar... outro, qualquer... outro... É o nada refazendo-se nada, transformando-se nada, buscando outro nada, nada atrás de nada... E do movimento, eventualmente resgatamos algo, sobrevivemos algo, descobrimos algo... do movimento, eventualmente a morte vira outra coisa... ainda que ainda morte...

Will Anyone Else Leave Me? - The Delano Orchestra (o nome da música significa: Mais alguém irá me deixar? - É o nome deste cd tão belo, que se parece muito com o que eu estou sentindo...)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

o que salva

O mar
é meu
divã
esporte
confessionário
fim
início
processo
companheiro
remédio
abismo
infinito

é minha
religião
caixinha de segredos
perdição
descoberta
compreensão
purgação
vontade de morrer... 

Show da banda Atmadás - Parque das Dunas / Som Sem Plugs

Pra pura que partiu...

Sempre que você me procurou, eu fui até você
Sempre que você me quis, eu cuidei de você
Eu nunca te disse não
Eu nunca quis te machucar
Mas poder estar cada vez mais,
Amar ainda mais,
Descobrir sempre mais,
Crescer contigo e em ti

E eu estou aqui,
Para você e para mim
Inteiro, menos não dá
Porque não sei lhe dar menos...

And now, she´s gone - The Delano Orchestra - essa música

terça-feira, 19 de novembro de 2013

corpo


O ofício poético do corpo é provocar textos na pele intraduzíveis em palavras, transcender o espírito para desvendar a derradeira carne de sentidos incontáveis, para além do tato, do paladar, da intuição... A poética do corpo alcança níveis e profundezas escondidas pela moral e pelo racional e que, libertas, nos queimam até dizer mais! Ai! Ah Deus... 

04/10/11

Ontem tu me escreveu, mas o tempo era curto e tive medo de que te irritasses, ficasses bravas comigo por perdas que o corpo provocaria no horário, na história, no próximo episódio... Mas, enquanto tu me escrevias com seu corpo em meu corpo, enquanto isso, fez-se um lapso de universo que parecia meu... que parecia em mim, eu... parecias comigo, estavas ali... e inicialmente eu não sabia até onde podia ir, o que podia te escrever, sempre temeroso de que fizesse o que "obviamente" não deveria fazer... E desfazer tuas palavras em mim como um mar em fúria quebrando a areia... ousei apenas seguir teus caminhos e entregar-me em ti, pois entrego-me sempre, sem pensar nem medir consequências (mas cauteloso desta vez), me perdendo sempre nos teus seios como infinitos campos floridos que me banham de perfume e paz eufórica... Não dava tempo, eu sei... por mim, demoraria-me até o bater da porta, até o correr de muitas horas, porque tuas palavras me bastavam para toda poesia do mundo... mas eu sabia que o contrário não era assim, me vesti e fomos embora...

Chegar em mim - Céu - aquela música

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Reescrevendo


Com a lâmpada da mesinha de trabalho acesa, com uma folha inteiramente branca diante de si, põe-se a escrever - a mensagem de celular é o equivalente das cartas neste início de contemporaneidade. Já foi o e-mail, mas hoje, pelo menos para mim, a subjetividade e o simbolismo afetivo de receber e enviar cartas está contido/a no micro-momento de digitar freneticamente palavras queridas e aguardar pelo alerta sonoro característico deste correio. Pegar o celular e lá estar o envelope que informa nova mensagem instantaneamente desperta uma emoção e expectativa quanto ao conteúdo e remetente, esperando ser aquela pessoa querida com palavras que nos faça bem, que nos preencha de notícias, que nos aproxime um pouco mais dela. Palavras que nos envolvem. Trágico quando em vez da carta querida, é apenas algo comercial, conta, informação inútil. Assim, a mensagem do celular ganha uma ritualística, discorria o moço em mais um noite adentro ativa, insone, em que os pensamentos brincam de esconde-esconde, pega-pega nos labirintos elétricos do corpo e acham tesouros de ideias. Escrever cartas, continua, debruçado agora sobre o chão de madeira da casa ancestral, é um ritual que percorre e percorreu diversos momentos de sua vida, desde as primeiras cartas de amizades distantes, conhecidas por acaso e de forma tão ligeira, longas e muitas páginas escritas em aulas de física, intervalos sob mangueiras, tardes azuis de adolescência, passando pelas tempestuosas e conflitantes cartas para a mãe-monarca, exigindo mais direitos a partir de argumentos bem pensados na estrutura da carta, até, enfim, as infindáveis e extasiantes cartas de amor, como aquelas escritas numa lanchonete qualquer na porta do colégio esperando por ela. Levanta-se e vai buscar um copo d´água, inquieto que é. Muitos períodos de carta nenhuma ele passou, um tempo em que escrever no papel uma mensagem para alguém se tornou supérfluo, porque a relação era tão forte que tudo se dizia olhos nos olhos ou, no mínimo, ao telefone, voz ante voz. E agora, talvez, tenha voltado a era em que o tempo permite às palavras descansarem e perdurarem no papel de carta, palavras que poderão ser lidas e relidas muitas e muitas vezes...

Please, Please, Please, Let Me Get What I Want - The Smiths

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Perda

Será sempre uma perda
Uma perda
Porque o que já foi tanto
não suporta menos
Agora tudo que se viva
não passa
de um triste recado
lembrete
recordação
da perda
uma parcela ínfima
um resto cinza
de beleza
de amor
que se perdeu
sobras
sub´alegres e tristes...

Embaçado


Reinvenção 

A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

 

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

 

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

 

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

 

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Cecília Meireles

South 2nd - Cocorosie - sem ouvir

Olvidar


Balança-se. Num parque vazio. Folhas caídas no chão, amarelas. Pássaros poucos, sem cantar. Vida, nenhuma ao redor. Sem amor, sem amor, balbucia ao se balançar. Como uma anti-forma de se impulsionar. Descobre que tudo que faz serve como anestesia, para que não sinta a dor que sente. Ela está lá, mas ele não sente, passa bem. Percebe que tudo que faz serve para que não pense, que não sinta, que não lembre. Esquecer, forçosamente, esconder tudo na mente, colocar em baixo do tapete, enterrar em buracos e perdê-los, deixar tudo pra lá. Balançando-se, olha pro céu e o vê passando, indo e vindo, como hipnotizando-o, enlouquecendo-o... perde os sentidos, perde a vontade de estar, perde, porque não quer encontrar nada... Levanta-se e vai na sorveteria ali perto, lembrar como é a sensação fria na boca, qualquer sabor de fruta serve, qualquer casquinha quebradiça serve. Depois desce ali na beira do rio e deixa a água banhar os pés, para lembrar como é a sensação fria nos dedos. E fecha os olhos para a brisa vandalizar-lhe a alma, para se lembrar como é a sensação fria nos cabelos... E lembra que o jeito foi esquecer tudo, essa sensação fria aqui dentro...  


Fondu au Noir - Coeur de Pirate - para sentir um friozinho bom...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Segura




A ausente

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...



"Ditos Diários" II

Sábado, 15:13

Água, balde, shorte velho, blusa de casa, cabelo preso na nuca. Molha cuidadosamente cada cantinho do banheiro, esfregando com a atenção de quem arruma um ateliê, cada pedacinho é importante. A casa exige cuidado. E o cuidado exige companhia. Ele faz companhia, oferece palavras boas de ouvir, oferece aquela presença que preenche. Pega um bongo que estava guardado em cima do armário para batucar, para gingar os movimentos suaves dela. Ela arrisca um sambinha na água-com-sabão, arrisca respingos na roupa, nos cabelos. Não dá pra evitar. As pernas dela, suas linhas, suas cores, iluminadas por um frágil raio de luz que atravessa essas pequenas janelas de banheiro, seus suaves pelos salpicados de gotinhas que decoram dos tornozelos até pouco acima dos joelhos, os dedos magros firmes na sandália de dedo, a trancinha amarrada ao tornozelo esquerdo, verde escuro, cor de terra e laranja argila, não dá para não admirar, sente ele, sem dizer palavras. Que bom que você está aqui, diz ela. Estou tão feliz com tudo e compartilhar até momentos simples, cotidianos, invisíveis como esse é muito especial pra mim, confessa. Sabe que eu sinto o mesmo, declama ele. Sinto uma grande alegria na brincadeira de criança que é lavar o banheiro, que é fazer música com e para você, que é repartir um pouco do tempo assim, renovando. Minha vez! E assim, se levanta, entrega pra ela o bongo, põe as chinelas dela e põe-se a esfregar a pia, retirando as sujeirinhas que surgem sabe Ogum de onde! Ela repete o jogo, batucando com suas mãos molhadas o tamborzinho, vendo-o remexer-se com a ponta dos pés. Ela repete o ritual, deliciando-se com a figura, com a imagem, com a visão, com os sentidos. A boa companhia é uma mistura de ingredientes, e um deles é a beleza do encanto. O cabelo dele adora perturbar-lhe os olhos, o nariz, quando ele está nessas tarefas do lar e quando ele olha pra ela, ela logo sabe, deixa eu ajeitar seu cabelo, pondo ele novamente atrás da orelha. Aproveita a oportunidade para acariciar-lhe o rosto levemente, como sem querer, disfarçando a vontade que dá de parar tudo e lambuzar o moço. Mas alguma coisa os mantém naquela tênue linha do querer-bem sem tocar muito, sem beijo nem mais um pouco muito. O que será? Ela acha que o que eles tem é essa presença genuína que não pode virar apego, paixão, que se assim for, desmancha-se... ela sente/pensa que só ela morre de vontades, de tesão. Que de resto, a convivência amiga é tudo. Ele prefere não mexer em vespeiro, em ninho de passarinho, em toca de coelho. Tem medo de que se tocar onde não deve, abra universos desconhecidos. E assim ficam, apreciando-se, presenciando-se, compartilhando-se. Sempre com uma vontadizinha escondida, guardada pra depois.

I could die for you - Red Hot Chili Peppers - uma música

Cocoon - Björk - outra, para acompanhar

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Pra não ir a pique

Há momentos em que o equilíbrio não é possível... porque ele não depende só de nós... como parte do todo, em relação com tudo, o equilíbrio não é apenas uma questão pessoal, individual. Depende, também, de nosso estar com o mundo, com os outros. E depende de como os outros, que estão próximos, ao redor, conosco, ao largo, com quem queremos estar, por quem nutrimos afetos, energias, quereres, sentimentos, vontades, depende do que elas e eles querem fazer, como querem ser e estar... E assim, o equilíbrio se torna tão tênue quanto pressão atmosférica, que repentinamente cobre o céu de nuvens, transforma o abafado em brisa alegre, derruba árvores de profundas raízes com ventos ainda mais profundos... E neste balanço de mar agitado, equilibrar nosso ser, nossas emoções, nosso bem-estar-mal-estar, é, de fato, não um buscar o equilíbrio, mas a gestão dos nossos desequilíbrios e o desfrute dos imprevistos e ocasionais momentos do tal equilíbrio.

Esta bem-mal-dita gestão é um suportar frios, entregar calores, dar e receber um tanto, não necessariamente nas proporções desejadas ou na proporcionalidade mais adequada... Como relações não são uma questão de matemática, nem convivências e sentimentos são mensuráveis, ficamos com a tarefa de gerir nosso vazio interior quando sentimos que nos falta tanto, que nos sobra muito, que as coisas muitas vezes não são como gostaríamos, mas como podem ser... E, sem controle de nada além, minimamente, ao menos um pouco, de nós mesmos, vamos segurando as pontas, as velas, as cordas, botando água pra fora, limpando o convés, remendando as tábuas partidas, os buracos no casco, na persistência de não vir a pique, o que quer dizer: afundar...

Pois é - Transmissor - uma música de LH

If I Fell - Beatles - outra

Imagem: Jorge Rodríguez-Gerada

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

hoje


Apaixonar-se (des)apaixonadamente
Elucidar a loucura de amar
Que este louco amor
ame a tudo, sem faltas
sem esperas, abundante

Que não se doa
por ausência nenhuma
que confie pleno na própria vida
no movimento infinito das ondas
que vão e vem... vão e vem...

Que não se baste, mas contudo
Resista, insistente
Às estações mais frias e longínquas

Enamoramento sereno
Intensidade suave
Chama alegre
Que aquece, mas não machuca

Que exploda, que transborde, inunde
E volte à maré fecunda...

Tonight - Lykke Li - para ouvir agora

terça-feira, 5 de novembro de 2013

sê - mi - stério


Um cemitério inteiro...
sou
cheios de peles velhas trocadas
cheio de ossos velhos roídos
de cacos de vidro pulverizados
de fragmentos de certezas e de mim
Um cemitério inteiro de eus 
que fui
que sou
que seria
já mortos
por mudanças repentinas
imprevistas
reviravoltas
coincidentes
A todo instante
e agora mesmo
morro
caindo
catarata
num leito indigente
um cemitério indígena
de povos no sangue tatuado
um cemitério cigano
dançando entre os mortos alegre melodia
de surrupiadas sortes de meus dias
um cemitério de flores do campo
que nascem de tudo que se foi
e nascem sempre mais, ainda que as matem
e matam - sementes sempre restarão... 

Sambinha Bom - Mallu Magalhães - música desconexa (?)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

(Só)neto


Encanta-me a tua ausência
Alegra-me o teu silêncio
Eu danço no calor do teu esquecimento
E me regozijo na tua falta de cuidado

Aninho-me na paz da tua distância
Revigora-me a doce desatenção
Me conforta tua absoluta ignorância
do que se passa no meu coração...

Faz-me bem este não querer bem disfarçado
Dá-me esperanças o vazio de desencontro
Me alimenta tanta falta de afeto

Que existe no espaço entre nós
Confio, assim, com grande entusiasmo
Que tão indolor seja nosso laço. 

Undo - Bjork - para repousar

domingo, 3 de novembro de 2013

Ela passou, eu passarinho

Deixa pra mais tarde... deixa pra depois... vamos esquecer isso, quem sabe no que vai dar... está tudo bem, cada folha sabe o fim que tem.... estamos muito felizes, tudo no seu canto, o quarto arrumado, a sala bem varrida, a casa bem pintada, a varanda vibrante com encontros legais... escaladas, sonhos diários, indo ainda mais... 

Retomando as praias espirituais, as culinárias medicinais, as caminhadas intrapessoais... E cultivando mais o mito, o mistério, a invenção das vidas que existem em mim, que tem outros nomes, outros passos e vivências que não as minhas cotidianas...

Fazendo do símbolo o próprio pão, lembrando de fazer mais canções... artesanar a vida, rotineirizando o bem-criar... o bem-morrer-nascer-todo-dia... relembrando que apreciar beleza é uma forma de alimento...

Deixa o Verão - Tibério Azul (música de Los Hermanos)

Autometalinguagem


Eu sou o que eu escrevo de mim?
Ou
Eu serei o que eu escrevo de mim?
Ou
Fui o que escrevo de mim?
Porque muitas vezes o que escrevo
está a minha frente,
para onde eu quero vir a ser ou o que serei
(mesmo sem saber)
E outras vezes, é o que eu não quero ser
Mas sou e tento tanto entender
me escrevendo como se quieto
nas palavras publicadas
eu pudesse parar
para entender

O escrever precede o me entender,
tantas vezes, como  uma psicografia
do meu inconsciente
que deixa se transparecer
para que eu resolva
meus enigmas.
Por isso escrevo,
para ser e ir sendo.

29/10/13 - 01:05

Opala - Shibuya - envolvendo

Era verdade


Sente uma faísca percorrer-lhe o rosto cada vez que seus lábios tocam os dela. As línguas e os dentes disputam vontades, como se fosse uma corrida pelo ouro, pela mina, para o oeste. Aquela mulher o enlouquece, com ela acomete-o uma desrazão possuída, a fúria dos sentidos em ebulição, como se o sangue estivesse fervendo e a única forma de não morrer fosse derretê-la com ele. Pela garganta dele fugia a ânsia, o gemido de orgasmo. Sentia que apaixonava-se a cada boca untando seios, língua lambuzando clítores, lábios, pelos, cada penetração desfrutando texturas, umidades, temperaturas. A paixão para ele representava este impulso, essa tempestade, esse desastre natural... como a fome, a luta pela sobrevivência, o desespero da morte, qualquer coisa incontrolável, qualquer estado de corpo/espírito avassalador, que era tudo e era nada, tão derradeiro, último... A cada reencontro ele tinha mais sede, mais ânsia, mais desejo, mais amor... estar com ela representava um estar no mundo, um estar com o mundo, com a vida, toda a vida fluindo pelas peles, subindo pelas paredes, alçando voos... Ali, naqueles braços, tudo fazia sentido, ou pelo menos, perdia a importância se fazia ou não, estar bastava para satisfazer o ser... Só que era pago. A encontrou numa praça pouco movimentada, sentada n´um banco de pedra sob uma árvore de copa e folhas largas, mini-saia preta, meia arrastão, blusinha tomara-que-caia (e ia cair) vermelha, unhas pintadas de preto, muitas pulseiras metálicas, bota, piercing no nariz, lápis de olho bem marcado, cabelos cacheados e longos. Estava andando por ali, voltando para casa a pé de um trampo cansativo, sentindo-se só, e em abstinência há já um tempo danado. Tava feito um bicho no cio. E avista aquela mulher, sentada com a perna cruzada balançando, com um papel na mão e anotando algo. Parou, meio desorientado. Ficou ali uns segundos demorados. Depois sentiu-se confuso. Bateu aquela dúvida - quem é? o que está fazendo ali e a essa hora? Ficou na dúvida se podia se aproximar. O que diria? Mas não conseguiu evitar. Foi, devagarinho, mãos nos bolsos, pés hesitantes. Chegando, a cada passo um pouco mais. Ela não levantou os olhos de seu bloquinho de capa verde e folhas cor laranja escuro e papel rústico ou reciclado. Sentou-se ao lado dela, um pouco distante. Assim, ao lado, ela mostrava-se estonteante, desnorteante. A boca dela, estranhamente sem batom, era tão brilhante e naturalmente vermelha, túmida, quase uma pitanga molhada de chuva. O que estás escrevendo, perguntou. Uns versos que me ocorreram há pouco, quando vi um gato descer ali no córrego seco do esgoto, respondeu, ainda com os olhos baixos. Só um instante que falo contigo. Pronto. Olá, tudo bem? Vamos fazer um programa? A ficha não caiu, foi jogada na cara dele. Não quiria subentender que ela fosse prostituta apenas pelas roupas que usava. Afinal, isso não é prova nem nada. Ele sorriu desajeitado, sem saber o que dizer. Então, aceitou, ou melhor, confirmou, sem saber muito bem o que estava fazendo. Levantaram-se. Eu moro logo ali, disse ele. Subiram as escadas e todo o caminho em silêncio. Ele estava confuso, nunca transara com uma prostituta antes, sorte que tinha um dinheiro extra em casa. E bastante camisinha. Ela ainda estava pensando no gato. Entraram. Era um apê tudo-em-um-lugar-só. Um espaço grande, onde ficava uma cama no canto direito, uma estante dividindo o espaço, umas almofadas fazendo-se de sofá, a cozinha do lado esquerdo, a porta do banheiro após a bancada da pia, uma janela grande ao fundo, com cortinas espessas. Ela colocou sua bolsa na mesinha ao lado da porta e olhou para ele. Ele olhou para ela. Ficaram assim, quase sem piscar por um tempo que pareceu uma travessia. Então beijou-a com fulgor, enquanto seus corpos cambalearam em direção às almofadas sobre o tapete macio. Tiraram as roupas como se fosse água escorrendo pelo corpo e ele então parou um instante, admirando-a deitada entre as cores das almofadas. Os pelos íntimos dela desenhavam um pequeno retângulo, delicado. Seus pés eram também delicados, e isso o alucinou. Começou por eles, beijando-os, enaltecendo-os com seus beijos, um súdito diante da majestade. E a cada centímetro que subia, o mundo dava voltas e caiam as estrelas. Ela gemia com uma musicalidade, uma sonoridade, era um prazer tão autêntico, tão delicioso, que excitava-o mais ainda, se é que era possível. Beijando-a toda e mais um pouco, agarrando-lhe o corpo, fez com que girasse, colocando-a sobre ele. Ela então posicionou-se, posicionou-o, para que a penetrasse, e foi guiando-lhe os sentidos com seus quadris, com sua cintura, sua ginga, sua graça. Sorria com alegria. Rebolava sem música além da respiração vibrante. E assim foi, até amanhecer, três gozadas e um sem-número de orgasmos múltiplos (segundo ela). O primeiro e único cliente da noite e ela nem cobrou o adicional por ter dormido e acordado lá. Até tomaram café da manhã, preto, levemente adocicado, com bolachas de coco e queijo de coalho derretido. Marcaram para a quinta-feira seguinte. Ela sabia onde morava agora. E assim foram, durante todas as quintas de setembro, outubro e novembro. Entre um colapso de exaustão e nova vontade louca, conversavam, sob o efeito extático do recém-prazer, compartilhando sensações, sonhos, ideias, imagens, lembranças. Ela mostrou-lhe os versos, deu-lhe alguns, que ganharam lugar nas paredes, dentro do livro que estava lendo, no lugar em que guardava suas cartas de amor. Ela até escrevera-lhe poemas. Dizia que pensava muito nele e esperava ansiosa pela quinta. Era quase um dia de folga, ou melhor, de transbordante trabalho excessivo. Mas nele agulhava uma dúvida. Seria verdade? Sentiria ela algo por ele? Estaria, ao menos, sentindo de fato o prazer, a emoção, a fusão orgásmica que ele sentia tão desesperadamente? Seria assim com os outros? Estaria fingindo? Seria ainda capaz de sentir algo, nessa rotina de sexo profissional, por obrigação, para ganhar a vida? Às vezes esses pensamentos lhe ocorriam durante o ato, ouvindo aqueles gemidos tão inspiradores, tão doidos. Seria possível encenar isso? Estaria acostumada a tanto? Sentia-se ora enganado, ora desiludido, ou frustrado. Mas logo esquecia, afogando-se naqueles seios suaves, frágeis, que lhe demandavam um carinho e adoração infinita. E ele, que editava e produzia livros artesanais, organizou um livro com os poemas dela, e fizeram um lançamento num cantinho especial e querido pelos artistas e adoradores de arte da cidade e ela fez um barulho razoável com aquelas palavras subterrâneas, escritas pelas madrugadas cansadas e suadas. Ela ficou-lhe imensamente agradecida pelo reconhecimento, pela valorização dela de algo que não seu corpo e pelo retorno dos livros vendidos. A partir daquele dia não aceitou mais que ele pagasse. E passaram a ver-se mais dias na semana. Até todos os dias da semana. Ele escrevia no corpo dela e fotografava. E fez uma exposição dessas poesias dérmicas. Ela escreveu-lhe uma parede inteira, nua. E depois de tudo isso, ele enfim acreditou que era verdade... o prazer/querer dela.

I Follow River - Lykke Li - dançante

Inspirado por: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

sábado, 2 de novembro de 2013

Jaz-z



Meditação é um tipo de morte.
É o deixar-se de si
É esquecer-se de si
Matar-se
Para viver o instante

Para além do antes e depois
Há momentos em que o antes e depois são formas de meditação
na partilha, no junto, no perto
Mas às vezes quando o só
O antes e depois
São apenas calabouços
Que calam
Que entalam
Que engasgam
E inundam
sem florescer...
Nessas horas
A meditação é matar o antes e o depois
Porque só resta o agora...


Cold Light - Yeah Yeah Yeahs - som

Mantra (II)


Não pensar/sentir em nada, 
não lembrar de nada,
Estar concentrado
neste momento