terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Falta algo

Tem caminho, 
tem planos, 
tem futuros, 
tem companhias (às vezes)
tem presenças (às vezes)
tem amor (às vezes),
tem carinho (às vezes),
tem autoestima,
tem sonho,
tem afinidade,
tem insônia,
tem frio,
tem angústia,
tem frustração,
tem o que ler,
tem o que ver,
tem o que ouvir,
tem o que comer,
tem o que sentir,
tem a si,
tem outros (às vezes),
tem você (às vezes),
Mas falta algo...

"Se a vida me der amor, o resto eu corro atrás"...


Tão absurdo, tão idiota, tão inútil, tão em vão... essa sequência de palavras soou gostosa na minha boca/ouvido. Parece conseguir resumir um poucomuito o que é a vida ocidentalizada consumista alienada de hoje... 

Atirei-me na vida... Ateu-me da vida... Nos últimos tempos perdi a fé; fé quase sobrenatural que tinha / e que fé não é sobrenatural? / de que a vida simplesmente vai e me levaria e me traria o bem... eu fiquei para trás? 

Poderia dizer que minha utopia pode ser expressa em uma palavra: beleza. Que tudo seja/fosse belo, as relações, a comida, o saber, as ruas, as casas, os sonhos, o hoje, o abraço, o ontem, o beijo, o amanhã, a forma de nos comunicarmos, o sexo, a produção das condições materiais da vida, a cidade, o campo, a transcendência imaterial do ser... 

A única moral é a beleza... se não está belo, não está bom... Bom para quem vive, para cada um com seu cada qual.

Sinto hoje que o usufruto da beleza se tornou difícil para mim. Porque sinto uma fome de beleza, uma falta, e não consigo apreciar com o ser roncando de fome. Principalmente beleza de relação humana - mais sublime, mais amor. E sem isso, tudo tende para o feio. Estou sem fé na utopia. Estou sem fé em mim. 

St. Ides Heaven - Elliot Smith - beleza

Autocentrado



O problema é que eu também olho para dentro? A questão é que eu fico atento, estupidamente percebendo tudo o que se passa aqui? Autoconhecimento, autopercepção, pode ser um buraco negro, sem fundo, que suga...Porque tudo que se passa, tudo que se sente, se torna grande, grave, muito... não passa despercebido, não se esconde embaixo do tapete subconsciente (ou pior, apesar de tudo, ainda deve escapar um monte de tralha pra baixo desse tapete esburacado)... ao contrário, fica ali, vivo, pulsando, diante dos olhos, acumulando-se a menos que façamos alguma coisa... e às vezes não há nada a fazer...

Semelhantes... onde estão? Essa gente que também é absorvida pelo vácuo de si, para compartilhar esse vazio... para preencher a parede ridiculamente branca da mente tentando superar esses borrões insanos, berrantes, cáusticos que derretem o sono e água... Jogar balões de tinta imaginária ultracolorida que cegue, ou melhor, que clareie o ver, o ir, o ser...

É um paradoxo autocentrado... crer no movimento da vida... e achar tudo tão repetitivo, sem caminhos para outras silhuetas de amor e existir...

Só eu serei assim, tão necessário de afeto e cuidado, tão excessivamente louco de desejo, louco por pele, por boca, por transbordamento de corpo?

Não é falta de cultivar... só o que faço é caminhar... indo, indo, indo... a cada passo um pouco mais, um pouco...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

...ela

Ela tem pó mágico nos cabelos. 
Quando ele toca, faz-lhe voar. 
Ela tem estrela dentro dos olhos. 
Quando ele olha, faz-lhe desejar.
Ela tem sonho na ponta da língua. 
Quando ele beija, faz-lhe descobrir. 
Ela tem tinta invisível na ponta dos dedos.
Quando ele leva, vai e volta no horizonte. 
Ela tem música no mundo da pele. 
Quando ele sente, dança. 
Ela tem... 
ela é... 
ela

Calor do Amor - Mahmundi - esta música

domingo, 22 de dezembro de 2013

pouco

Tu chega, querendo colo. Tu quer conversar na calçada, sobre a vida. Como uma lagoa de carinho, mergulhas em mim, nessa transparência de gestos de cuidado. Tu vais, querendo mais do que eu, mais do que um, mais do que posso. Tanto faz, tanto foi, tanto fogo que a maré recua, abrindo espaço, o vento corre, enchendo os cabelos, impulsionando os pulmões a planar... 

Falta-me de tudo um pouco, falta-me tu e todos... Falta-me eu, que me amar não importa...  falta acolher-me naquele sentimento de cumplicidade que virou lembrança... falta aquela ponte recíproca que vai e vem em vontades sinceras e vivas... 

Falta o que fazer diante do agora que não abre portas... Falta vontade de caminhar por um caminho que parece o mesmo, sem paisagens para sentir... 

Voar na água é o mais próximo de bem-querer que sinto agora... Ir para longe é o mais próximo de mim que chegas agora...

Furo 2 - Baleia - aprendendo a letra...

As inutilidades que precisamos (I)

Choro, choro como quem não tem o que fazer, como quem não pode dormir, porque os nervos de sentir doem, como quem não tem o que dizer, pois não adianta dizer nada... o choro é a mais drástica forma de silêncio, que não se esconde, que grita sutilmente - ou não... que gasta nossa energia inútil, que esvai nosso querer inútil, que revela a angústia inútil que se apega ao corpo... de que serve o choro? Não cura, não alivia, não muda... apenas deixa ir... apenas expressa até o cansaço da expressão inútil... até que se esgota e desfigura olhos que incham, que avermelham, que se abatem... até que se fecham... para um outro acordar em que deixamos as fontes de choro para trás...

Toothpaste Kisses - The Maccabees - música para desentristecer...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sendo

Taoísta: o que é, é. Nem bem, nem mal. Nem bom, nem ruim. Tudo apenas é o que é. Não importa o que é. Apenas é. Não faz a menor diferença o que é para o que é... o que é não se importa... pois ser basta... é e pronto. Ser não julga, não conjectura, não tece inúmeras abstrações sobre todas as possibilidades que não são, pois são apenas possíveis ser... Ser apenas está sendo... a cada instante. Desiste do amanhã, pois o futuro é um impossível. O possível é agora, o resto é mentira. Marcar planos no calendário não tem nada a ver com futuro, apenas com tempo, horários, datas, atos. Tudo pode ser, pode não ser, o que importa é o que for, de fato. Sem paciência, ou melhor, sem importância, ou ainda, sem razão de ser para o que deixa de ser... Vive tudo agora, o ontem, o hoje, o amanhã. Tudo é agora. Sendo, partilha seu ser, pois o ser é sempre mais ser... nunca menos... sendo, não é todo, não está completo, não se basta... e eventualmente emerge do todo, bota a cabeça pra fora do todo, esquece-se do todo... mas depois volta a mergulhar e deixar-se molhar por tudo... Mas, antes, durante e depois está sendo... e sendo, pode ser mais... com mais... acompanhado/a, sozinho/a, muitos/as, poucos/as...  

Words in Fire - Patrick Watson - para viver ao ouvir

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

(!)

Tudo é absurdo. Absurdo se tornou minha palavra preferida desde o cinema absurdo na praia absurda, as madrugadas cercado de loucos absurdos, de estrelas absurdas, de descobertas absurdas, de lagoa e gestos e fogueira absurda, sonos absurdos em lugares absurdos. Afinal, o que não é absurdo? Hoje nada me parece outra coisa. Pense bem... ou nem pense... apenas perceba - é... ab... sur... do... o presente, o passado! O futuro, puta absurda/o! Ler! Dormir, inevitavelmente absurdo... Arrumar a casa? Ridiculamente absurdo... Querer? Redondamente absurdo! Ou melhor, estupidamente... Ir? Inutilmente absurdo... ficar? Pateticamente absurdo... escrever? Ab... mudo... 

Marble Sounds - The Time to Sleep - absurdo!

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Ponto

O tempo não possui forma de medida possível, previsível. Seus caminhos, seus processos se revelam apenas no exato momento em que se tornam. As estações, por exemplo, os ciclos espirais, acontecem com tamanha variedade de possibilidades que a meteorologia de cada um se torna improvável. A astrologia também tenta, mas acredito que a tarefa é maior e mais complexa do que definir posições astrais e suas influências. Ou não. Teria Marte despencando sobre a constelação de Libra, causando uma instabilidade e um desmoronamento geral neste ano que chega aos últimos e sôfregos dias? Ou Plutão ofuscou Sagitário, tirando-lhe todo o riso? Teria Netuno momentaneamente desaparecido do céu ou afastado-se tão violentamente que deixou de se sentir? O horóscopo chinês também traz contribuições irônicas para os acontecimentos que se arrastaram...

Acontece que foram oito anos/décadas de ascensão, crescimento, aprendizados que ampliaram os espaços, as formas, as direções. Foi um período inaugurado com o nascimento primeiro da semente de autonomia do sujeito. Foi um período marcado por muitas e muitas quebras, mas logo seguidas ou simultaneamente acompanhadas de construções e expansões que fizeram essas dores todas parecerem menores, parte de alegrias maiores. Foram oito anos em que as relações só se fortaleceram, se aprofundaram, aprofundaram, aprofundaram... parecia uma profundeza ininterrupta... Como se seguir reto, mesmo que ondulante, percorrendo trechos melhores, ora montanhosos, ora litorâneos, bastasse... continuar indo...  

Mas no fatídico e quase ido (e que se vá!) ano/década de 2013, número tão grave, feroz e temperamental, a jornada iniciada oito anos/décadas antes encerrou-se. Ou melhor, encerrou-se ano/década passado/a... foi o fim. Da linha, do tempo, do mundo como o conhecia, do jeito de viver. O fim de tudo que sobrou depois desses oito anos de quebras, de perdas, de reorganizações... ficou tudo para trás... Esse ano não foi bem o começo de um outro, de um novo... Esse ano foi apenas demolição, demolição... deu para começar algo, plantar algo?... sim, um pouco, minimamente, para se continuar vivendo... Mas o processo de esquecer/superar/perceber que se foi tudo que se viveu nesses oito anos/décadas foi muito mais forte, intenso, predominante... retração, contração, distração, distanciação, mortificação... O caminho parou. Parei. Por um bom tempo olhando sem saber para onde ir, sem ter para onde ir... O mundo ficou menor, a ideia ficou menor, tudo ficou menor... reconheço-me menor... tudo é menor... O que será agora?

Our Window - Noah and the Whale - se houver ouvidos...

domingo, 8 de dezembro de 2013

Luz falta

Esperar amanhecer é uma rotina de quem não conhece a manhã... de quem morre de manhã, esperando o sol virar... anoitecer é um estado de espírito que paira entre o não ser e o arrastar... nesse limbo, nessa fronteira, nesse perto do fim, a um passo do além, às quatro horas, quando as brechas de outras dimensões e outros mundos se abrem e o universo se torna um pouco menor. Esperar o sol é uma condição dos que não podem sobre o sonho, sobre o som do tempo ao fechar dos olhos, sobre a falta de luz... deixar que se ilumine outro dia, outra chance, outra mecha que envolva... 

Coração Vagabundo - Caetano - som

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Dezembro



Chegou atrasado nesse ponto, mas enfim chegou. Chegou à porta vazia, para poder ele mesmo ir adiante. Enfim ou mais uma vez o antes parece absurdo de tão distante, tão diferente do agora. Mais uma vez irreconhecível, não se reconhece no antes e ainda tenta se encontrar no agora. Parece até mentira, ficção, mito, fantasia. Quando o que era mais cotidiano se torna irreal. Reinventando o cotidiano num tarefa árdua de refazer o mundo de tudo, de dentro para fora, de fora para dentro, de fora e de dentro. Nesse processo tão estranho, passa por momentos de amnésia urgencial, modos de recuperação ou manutenção do ser, lutando para manter-se são diante de certos colapsos interiores e afetivos. A anestesia virou um coma. A ausência virou uma propriedade do ser. Nesse processo tão estranho, passa por momentos de basta, de chega, de não. Como se fosse preciso partir do zero, do nada, pois o negativo se torna insuportável, a história lhe parece impossível. Como se morto, como que não sente, nem dor. Como se nada sentisse, ainda que sinta, não se sabe mais o quê, ou ao menos descrever minimamente o sentir, minimamente tornar possível o sentir, diante de si, consigo. O sentir também parece impossível. Como se a dimensão do sentir nunca tivesse existido, parece que assim consegue ir adiante no que resta, nos outros planos da existência. Rabiscos de sentir parecem apenas rabiscos. Abstratos, alheios, aleatórios. Não tendem a uma linha, um laço, um caminho a seguir.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O mundo

       Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
      - O mundo é isso - revelou - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
     Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano

Samba Esquema Noise - Mundo Livre SA - uma música 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Infinita tristeza... (II)

Vou tentar, minimamente, inutilmente, mesmo errando, mesmo não sendo isso, sendo diferente, sendo mais, sendo inexprimível, vou tentar descrever o que sinto:

Um buraco imenso, imenso, imenso
em mim
que só cresce, cresce, cresce
e tudo cai, cai, cai
e eu caio, caio, caio
um vazio vazio vazio
dor dor dor
perda perda perda
e eu tento sair, mas logo me toma
de novo
e me consome, me consome, me consome
como se não sobrasse nada
nada sobrou
e pensar dói
sentir angustia
lembrar tortura
tudo é ruim
vontade de nada
nada nada nada
e por mais que eu resista
nada nada nada

Não dá para aceitar que foi assim
Não por falta de querer, mais por excesso, talvez
Tentar melhorar, transformar, abrir,
Destruiu tudo, tudo, tudo
E eu não conseguia continuar
queria ajudar
tornar nossa vida mais feliz
mais alegre
mais calorosa, mais repleta
Pra que a gente não se machucasse
pra que a gente estivesse bem e pudesse
fazer bem um ao outro
Mas tudo se quebrou
E você não falou mais comigo
E entendeu tudo errado

Eu queria estar mais perto de você
Ter explicado tudo de novo e de novo
Aquilo que eu nem mesmo entendia, mas estava tentando
Queria ter te reconfortado nos momentos ruins
como muitas vezes fiz
e que tanto bem fez, tão melhor ficamos
Mas tudo se quebrou

E agora é só perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda perda eu perda perda te perda perda perda amo perda perda perda perda tanto perda perda perda perda perda perda perda perda perda...  

The Escape - The Delano Orchestra - do mesmo cd... do mesmo espírito/corpo... 

Infinita tristeza...

Minha tristeza... quando estou triste, profundamente triste, tristeza de morte, de fim, tristeza de tudo, quando é uma tristeza que dói, que dói em tudo, em toda parte, todo canto, toda dimensão, cada centímetro, cada lembrança, cada espaço, cada elemento da vida feito nada, feito cinza, feito fim, quando parece que o mundo acaba a cada instante, que a vontade desapareceu, que tudo na verdade não é, apenas foi... 

Neste estado, ou nessa ausência de estado, de tudo, nesse vácuo, nesse vazio, tudo dói, tudo está quebrado... sinto uma ausência até de movimento, como se tudo parasse, perdesse o sentido, a direção, o motivo de ir... nada faz diferença nenhuma... Contudo, neste estado, eu não consigo entrar em letargia... Porque a dor dói tanto que grita, que agonia, que nos causa espasmos de desespero, de espanto, de derrota... e esses espasmos nos impedem de simplesmente ficar lá, quieto, estático, inerte... Longo período pode-se passar assim, tentando acalmar, de fato, tentando tranquilizar, esquecer, curar, anestesiar, ao menos... Mas a dor então fala tão alto que nos impele, nos empurra... não dá para dormir, não dá para deitar, não dá para parar... dormir dói, deitar dói, parar dói... e por mais que o movimento não cure, doa do mesmo jeito, é o jeito... é o jeito movimentar-se... ir... não importa pra onde, afinal, nada importa... mas precisa-se ir, mesmo que doa também... mesmo que doa do mesmo jeito ou mais... como que perseguidos pela dor, pela tristeza, pelo abismo, como tentando fugir, ainda que ela esteja dentro, sob a pele, sob a alma, sob cada parte do corpo, tenta-se fugir... vai-se para algum lugar... outro, qualquer... outro... É o nada refazendo-se nada, transformando-se nada, buscando outro nada, nada atrás de nada... E do movimento, eventualmente resgatamos algo, sobrevivemos algo, descobrimos algo... do movimento, eventualmente a morte vira outra coisa... ainda que ainda morte...

Will Anyone Else Leave Me? - The Delano Orchestra (o nome da música significa: Mais alguém irá me deixar? - É o nome deste cd tão belo, que se parece muito com o que eu estou sentindo...)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

o que salva

O mar
é meu
divã
esporte
confessionário
fim
início
processo
companheiro
remédio
abismo
infinito

é minha
religião
caixinha de segredos
perdição
descoberta
compreensão
purgação
vontade de morrer... 

Show da banda Atmadás - Parque das Dunas / Som Sem Plugs

Pra pura que partiu...

Sempre que você me procurou, eu fui até você
Sempre que você me quis, eu cuidei de você
Eu nunca te disse não
Eu nunca quis te machucar
Mas poder estar cada vez mais,
Amar ainda mais,
Descobrir sempre mais,
Crescer contigo e em ti

E eu estou aqui,
Para você e para mim
Inteiro, menos não dá
Porque não sei lhe dar menos...

And now, she´s gone - The Delano Orchestra - essa música

terça-feira, 19 de novembro de 2013

corpo


O ofício poético do corpo é provocar textos na pele intraduzíveis em palavras, transcender o espírito para desvendar a derradeira carne de sentidos incontáveis, para além do tato, do paladar, da intuição... A poética do corpo alcança níveis e profundezas escondidas pela moral e pelo racional e que, libertas, nos queimam até dizer mais! Ai! Ah Deus... 

04/10/11

Ontem tu me escreveu, mas o tempo era curto e tive medo de que te irritasses, ficasses bravas comigo por perdas que o corpo provocaria no horário, na história, no próximo episódio... Mas, enquanto tu me escrevias com seu corpo em meu corpo, enquanto isso, fez-se um lapso de universo que parecia meu... que parecia em mim, eu... parecias comigo, estavas ali... e inicialmente eu não sabia até onde podia ir, o que podia te escrever, sempre temeroso de que fizesse o que "obviamente" não deveria fazer... E desfazer tuas palavras em mim como um mar em fúria quebrando a areia... ousei apenas seguir teus caminhos e entregar-me em ti, pois entrego-me sempre, sem pensar nem medir consequências (mas cauteloso desta vez), me perdendo sempre nos teus seios como infinitos campos floridos que me banham de perfume e paz eufórica... Não dava tempo, eu sei... por mim, demoraria-me até o bater da porta, até o correr de muitas horas, porque tuas palavras me bastavam para toda poesia do mundo... mas eu sabia que o contrário não era assim, me vesti e fomos embora...

Chegar em mim - Céu - aquela música

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Reescrevendo


Com a lâmpada da mesinha de trabalho acesa, com uma folha inteiramente branca diante de si, põe-se a escrever - a mensagem de celular é o equivalente das cartas neste início de contemporaneidade. Já foi o e-mail, mas hoje, pelo menos para mim, a subjetividade e o simbolismo afetivo de receber e enviar cartas está contido/a no micro-momento de digitar freneticamente palavras queridas e aguardar pelo alerta sonoro característico deste correio. Pegar o celular e lá estar o envelope que informa nova mensagem instantaneamente desperta uma emoção e expectativa quanto ao conteúdo e remetente, esperando ser aquela pessoa querida com palavras que nos faça bem, que nos preencha de notícias, que nos aproxime um pouco mais dela. Palavras que nos envolvem. Trágico quando em vez da carta querida, é apenas algo comercial, conta, informação inútil. Assim, a mensagem do celular ganha uma ritualística, discorria o moço em mais um noite adentro ativa, insone, em que os pensamentos brincam de esconde-esconde, pega-pega nos labirintos elétricos do corpo e acham tesouros de ideias. Escrever cartas, continua, debruçado agora sobre o chão de madeira da casa ancestral, é um ritual que percorre e percorreu diversos momentos de sua vida, desde as primeiras cartas de amizades distantes, conhecidas por acaso e de forma tão ligeira, longas e muitas páginas escritas em aulas de física, intervalos sob mangueiras, tardes azuis de adolescência, passando pelas tempestuosas e conflitantes cartas para a mãe-monarca, exigindo mais direitos a partir de argumentos bem pensados na estrutura da carta, até, enfim, as infindáveis e extasiantes cartas de amor, como aquelas escritas numa lanchonete qualquer na porta do colégio esperando por ela. Levanta-se e vai buscar um copo d´água, inquieto que é. Muitos períodos de carta nenhuma ele passou, um tempo em que escrever no papel uma mensagem para alguém se tornou supérfluo, porque a relação era tão forte que tudo se dizia olhos nos olhos ou, no mínimo, ao telefone, voz ante voz. E agora, talvez, tenha voltado a era em que o tempo permite às palavras descansarem e perdurarem no papel de carta, palavras que poderão ser lidas e relidas muitas e muitas vezes...

Please, Please, Please, Let Me Get What I Want - The Smiths

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Perda

Será sempre uma perda
Uma perda
Porque o que já foi tanto
não suporta menos
Agora tudo que se viva
não passa
de um triste recado
lembrete
recordação
da perda
uma parcela ínfima
um resto cinza
de beleza
de amor
que se perdeu
sobras
sub´alegres e tristes...

Embaçado


Reinvenção 

A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

 

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

 

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

 

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

 

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Cecília Meireles

South 2nd - Cocorosie - sem ouvir

Olvidar


Balança-se. Num parque vazio. Folhas caídas no chão, amarelas. Pássaros poucos, sem cantar. Vida, nenhuma ao redor. Sem amor, sem amor, balbucia ao se balançar. Como uma anti-forma de se impulsionar. Descobre que tudo que faz serve como anestesia, para que não sinta a dor que sente. Ela está lá, mas ele não sente, passa bem. Percebe que tudo que faz serve para que não pense, que não sinta, que não lembre. Esquecer, forçosamente, esconder tudo na mente, colocar em baixo do tapete, enterrar em buracos e perdê-los, deixar tudo pra lá. Balançando-se, olha pro céu e o vê passando, indo e vindo, como hipnotizando-o, enlouquecendo-o... perde os sentidos, perde a vontade de estar, perde, porque não quer encontrar nada... Levanta-se e vai na sorveteria ali perto, lembrar como é a sensação fria na boca, qualquer sabor de fruta serve, qualquer casquinha quebradiça serve. Depois desce ali na beira do rio e deixa a água banhar os pés, para lembrar como é a sensação fria nos dedos. E fecha os olhos para a brisa vandalizar-lhe a alma, para se lembrar como é a sensação fria nos cabelos... E lembra que o jeito foi esquecer tudo, essa sensação fria aqui dentro...  


Fondu au Noir - Coeur de Pirate - para sentir um friozinho bom...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Segura




A ausente

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...