quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sementes

Escrevi na terra fria com sementes vermelhas e brilhantes de árvore desconhecida... Disse a ela que radiante é a vida e que cada semente daquela era uma gota de mim. Que dava-me, que eu era seu alimento na fraqueza e seu fruto na fortaleza. O dia está fresco e a grama está úmida... o solo orgânico está bem alimentado... riscar a superfície porosa com a ponta do dedo é uma sensação sublime... a pele por um instante não me separa da terra... e meus nervos alcançam até a copa das árvores e até o fundo da terra em suas raízes... Encontro, então, a retidão e completude da mangueira, do ipê, de todas plantas, árvores, relvas e arbustos... A única mensagem contida no momento presente é o caminho... Não se pode parar para escutar, pois parar é ensurdecer... nem conter-se para olhar, pois estático, faz-se cego... Cada momento que passei, sem pensar neles, caminham em mim na seiva e no espírito... Não há nada que não veja, nem você nem eu... nem o ontem nem o amanhã... percebo claramente as correntezas plenas... nem sequer deito-me nela, pois como poderia me deitar se já sou parte?... Nessa ilusão corpórea, fingimos a todos que somos separados... e por um instante, me desfaço e digo: te amo. E o amor, não a palavra, mas o amor em si, significa a tudo pertencer e tudo ser... Quem ou o quê amar, senão a tudo?... e cada letra é feita de sementes vermelhas...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Chá-mate com piano

Aproxima a xícara do rosto, encosta o nariz na borda, respira o vapor quente que sem hesitar entra pelo corpo espalhando um bem-estar muito bem vindo. Respirando aquele calor, aquece também o espírito, as emoções e as lembranças. Sentado no sofá azul e acolchoado, cercado pela manta de sua infância, seu jardim de pequenas recordações, rodeado pelas melódicas notas de piano daquela película de emoções, sente em todo o corpo as energias suaves e firmes caminhando por suas veias, sua pele, suas camadas e profundezas e cômodos de sentimentos... O resfriado ajuda-lhe a acalmar-se, parar por alguns bons instantes com o chá fumegante nas mãos e a história que lhe é tão querida diante dos olhos... Mas desta vez não assistia à história, mas a tudo que a rodeava, os comentários do mágico, do preciso, do técnico e delicado olhar e sabedoria serena do diretor... conversando com ele, apontando infinitos detalhes despercebidos... logo eu, que já vira tantas vezes o filme, procurando as ínfimas riquezas, os tesouros escondidos entre as transições musicais e gestuais, as jóias de cada expressão e sutil pista de sentimento nos personagens... Ah, havia muito mais, muito mais... e deslumbrado ele nadava pelo filme como um bálsamo adicional para seu corpo e espírito unidos... unidos pela sensibilidade inebriante da luz, dos ângulos, das cores, das sombras, das palavras, das complexas e profundas relações, dos subterrâneos sentimentos humanos, verdes, amarelados, avermelhados como a passagem do verão para o outono... As folhas sensitivas flutuavam em sua descida, cobrindo a memória com as graciosas e minúsculas flores do tempo... O tempo antigo, o tempo breve e o tempo agora em um equilíbrio pacífico, plácido, como um céu da manhã que vê as neblinas dessipando-se diante dos primeiros raios da cálida estrela. Toda a beleza da vida resplandecendo...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Energias ruins da hospedaria do desagrado

Babagens grandes demais... e olhe que não tenho móveis. Cansa não poder parar, onde chegar descobrir que não é seu lugar... Não se trata de posse, mas de direito. Direito sobre o lugar onde se vive. Nunca tive, mas já é hora... É hora. Já estou cansado de ser visita, estranho, hóspede, indesejado, incômodo, cedido, inoportuno, inconveniente. Sempre de passagem, sempre de passagem... não me importaria, é verdade, em passar... mas não estou passando... eis o engasgo na garganta, não passar mas também não ficar... não sentir-se no lugar... É sempre a casa de alguém, restrito, sem a liberdade própria... invadindo algo... Cansa, cansa muito... voltar tarde da noite para qualquer lugar provisório... ir embora por não estar em casa... não ter casa... Foda-se a casa... se quer apenas direito. E as malditas cobrança... todas prisões de cobranças... implícitas, explícitas, psicológicas, emocionais, desgraças... diabos... Frustrações alheias recaídas sobre os ombros... cansa... Só venha eu ao vosso reino... ninguém ao meu... quem vem ao meu encontro? Quem? Que esforço por mim? Sou a bolinha de ping pong entre um campo e outro... Já estou tonto... zonzo... estrondo...


Não, cadeia linear não se sustenta... não há retorno, é preciso haver ciclo, é preciso haver tranquilidade... calma... estar.... bem-estar... Enfim.

Não quero mais lugar de conflito, lugar de ilusão, lugar de conforto vendido, comprado a prestação, lugar de atenção cobrada, condições para estada, espaço restrito, regras idiotas, controle violento e velado, desagrado, vicíos malditos, cebeças programadas, tradição estúpida, imposições conformadas, mentes fechadas, respostas cansadas, esforços natimortos, isolamento, desassossego, estar preso... Não me esqueço... mais do mesmo...

(Watching the hydroplanes - Tunnelvision - uma música)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Olho d´água

Se eu me encontrasse, aquele que fui antes de agora, pouco antes ou há muito tempo, o que faria? Diante daquele "eu" menos do que eu, aquele originário dos meus resultados, o princípio do além, o ignorante dos depois, o que faria?
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Gargalhadas... Gargalhar seria a única opção...

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Gargalhada imensa do que conhecia o que estava por vir, as provações e as ilusões, as venturas e ebridades, as luzes e as sombras a frente.

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Nada havia a dizer, sob o risco de matar-me. Matar-me, o eu fruto do que estava por vir. Nada havia a pensar, posto o saber ser desnecessário, substituido pela vivência que em mim já havia se depositado feito areias no litoral. Nada havia a pesar ou lamentar, antes gargalhar, por sentir em mim as alegrias vividas e os riscos assumidos sem medo, todas as emoções descobertas e horizontes expandidos, a vida exercida, as buscas e as perdas findadas no eu de agora.

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No entanto, saberia inteiramente que pouco ou nada tinha em comum com ele, além do caminho a ser trilhado. Ele não era eu, tantas mudanças ainda por vir, e que poderia sentir-me até pasmo diante dele. Nenhum laço entre o presente e o passado além da linha entre um meio e outro. Pois nem mesmo eu era um fim.
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E todo o redor dele também me seria estranho, este sentimento de estranheza diante do que não é mais seu, do que não mais lhe é acolhedor ou cativante. Sentiria a angústia que nele havia por perseguir o momento presente, tentar-se agarrar a ele enquanto este esvaia-se em suas mãos quão mais forte segurava. A busca pela intensidade, a sede de si, a sede pelo outro e por tudo. Enfim, perceberia-me despossuído de tudo, alheio aqueles sentimentos passados, perdidos, como a perda das folhas de outono, das escamas enrigecidas, da água da chuva desfalecendo a nuvem.

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Tantas transformações metabólicas-metamórficas... cíclicas, ondulatórias...
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Se eu me encontrasse, perceberia que não existe o passado, não existe eu atrás, aquele do antes é o não-eu e o agora é a única realidade. O aparente reflexo é janela. Há apenas o olhar para frente, pois olhar é ver. E quem não vê, confunde-se com o que foi, repete-se como falsificação de si e simula os erros n´um disco quebrado que gira em torno do passado que não passa...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

"O caminho se faz ao caminhar"


Esperanças são para os que esperam...
Para os que vivem, viver basta...
O presente é celebrado agora

Parar é interromper o fluxo natural
Não existe bem ou mal
Apenas o que é real
E nos chama inteiramente
Para unirmo-nos novamente
Ao Todo, ao Um, ao Ser...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Desperdiça-chuva

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Se amo, o que amo?

Será o amor uma seleção do que é bom,

Se este fenece diante da dificuldade?
Que é o amor, se não o for inteiramente,

Em todos os cantos, em todas as partículas?

É amor se não o é no Todo?

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O que é amor?

É parcial?

É condicional?

É posse?
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Se digo amar a natureza,

Diante do sol e da brisa,

Da sombra e da graça...

Por que fujo da chuva
Por que impeço-a de abraçar-me?

E o frio do inverno,

Evito com a coberta

A fim de esquecer-me

Que ele é?

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A árvore não foge à chuva ou ao sol

Permanece pois não se pode fugir à realidade

E sua retidão é dinâmica, dançando em seus galhos

À vontade do vento

E deixando-se partir

Ao desejo do temporal

Que mantém e renova

Revigora e fortalece

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Querer o agradável e negar o desagradável

É partir a Vida indivizível

É enganar-se, ilusão vã
da fraqueza que não aceita

O Ser enquanto ele é

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Igual é vangloriar-se das fortalezas

Esquecendo-se ou escondendo as fraquezas

Impedindo-se assim da humildade

Imperiosa daquele que É

Pois o orgulho e a prepotência

São simples ilusões que afastam

O Ser

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E se aceito o Ser como É
O que perco e o que ganho?

O que aprendo e o que sofro?

O que avanço ou retrocedo?
O quê?

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Amar é

Ser

Amor

É

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O Ser não espera


Espero pelo amanhã, por uma vida melhor, uma oportunidade,
Uma mão amiga, espero pelo próximo ano, pelo próximo encontro,
Pela hora marcada, pelo presente dado, pelo amor da minha vida

Espero que seja bom, que me satisfaça, que eu seja feliz

Que não adoeça, que não me magoe, que nada aconteça

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Espero para ser, espero para ver o que é

Antes de ser, quero uma descrição detalhada

Antes de querer, as garantias acordadas,
Antes de ir, as seguranças contratadas

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Espero...
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E enquanto espero,
não sou, não soube, não quis,
não fui, não tentei,
não vivi...
.
...
Estive morto...
Por que a espera é uma morte

A Vida não espera, pois ela é viva

A Vida é, não será

A Vida nos é, não está fora de nós

E nós somos a Vida, não estamos separados

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Por que aguardar?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

8


Ela\e chegou então, mas como se já ali estivesse desde sempre e sua ausência permanente fosse a constância da sua presença. Porque para ele o estar e o não-estar eram absurdos da linguagem que separam o aqui e o agora. No entanto, ele\a veio. Veio para nós, que não podiamos vê-la\o. Ela\e ali se sentia tão conhecida\o pois era de tudo nascido\a. Sua roupa, ou aquilo que cobria-lhe o que não podiamos ver, ou que protegia o que não podia ser machuado, ou qualquer coisa que desejamos designar por veste, era de cor indefinível, pois tinha em si todas as cores manifestadas plenamente, e não implícitamente, como a luz. Era então o furta-cor, o que rouba da cor a sua individualidade, por ser em si todas elas. Seus gestos eram igualmente e diferentemente indefiníveis. Nem leves nem pesados, nem fortes nem fracos, nem ágeis nem lentos, eram tudo ao mesmo. Quando aproximou-se do que estava perto, quando senti-o\a perto, perguntei-lhe:
- Como é teu nome?
Ela\o respondeu:
- Como quiser chamar. Que nome darás?
- Eu? Não posso te dar um nome, pois já deves ter um. Diga-me.
- Se alguém um dia deu um nome, fez assim como tu, pensou e jogou, sem Uma razão. Que diferença? Que importância? Que impossibilidade? Tente.
- Que nome se deste?
- Que nomes existem para dar? O que definiria? Quantas letras são necessárias para abarcar o todo e o tudo? E a você, quantas? Qual teu nome? Quem o deu e com que poder?
- Tantas perguntas tens. Quantas respostas, afinal
?
- Quantas precisas? Pode-se dar.
- Dá-me três.
- Podes chamar quatro-gotas-de-seiva, caixa-de-esterco-do-mato, espaço-de-nada-contido, plácida-tempesdade-de-adagas-macias, árvore, pedra, peixe, azul, verde, amarelo, de tudo podes chamar.
- Não compreendo, o que queres dizer com isso?
- O que queres perguntar, afinal? O que queres compreender?
- Quem és?
- Não o estás vendo? O que há diante de ti é o que é. Não o sentes? Não o é?
- Mas eu não sei, quero saber.
- Que sabedoria há em um nome outorgado? Em saberes o nome, o sabes?
- Não, quero dizer, não sei. Sei? O que sei?
- Não posso lhe responder. Não diferimos, não somos partes distintas. Se não sabes, não sei. Quando souberes, saberei.
- Como?
- Como não?

- Não queres conversar?
- Algum momento não estivemos conversando? Não há conversação entre tudo a todo momento? Ou há um silêncio eterno intransponível? Ou algo no intermédio, ou no meio, ou n´uma ponta ou na outra do infinito? O quê?
Não pude mais perguntar-lhe nada. Há agora todas as perguntas dentro de mim e todas brotam e se chocam umas contra as outras, desfazendo-as e refazendo-as n´um fluxo contínuo. Algo como a corrente do rio que nunca cessa de passar, da cachoeira que sobe ao cair, fria ou quente, forte ou fraca, ambos, ambas. Minha confusão fez-se um prisma indiviso. E nós então estivemos juntos para sempre e nunca mais.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

"Expulso por bom motivo" (de casa)

Se ela quer o pedestal,
O estreito e rarefeito cume do poder
Não é por mal...
ninguém há de negar.

Não é por má-in-tenção
Ela pode ser toda coração
O suposto amor inigualável
O suposto bem maior que todos...

Mas a grande questão
é a pequena-grande confusão
feita entre os fins e os meios
trocar destinos por anseios

Fazer da casa prisão
Fazer de si solidão
Fazer do outro compensação
Não funcionará, não...

Assim, a altura da ternura e da experiência
Torna-se em imposição da dependência
Identidade má-definida em terceiros
Pensa-se que é leite ao invés de seio

E exige do que bebe o controle da sede
Do que dorme, o controle da cama
Do que vive, o que ela quer ver

Não, infelizmente não...
Quer poder? Tenha-o só
O poder só tem um poder, isolar, dividir, quebrar... (violentar)
Infelizmente... é o que queres?... Terás...
Não vou impedir sua última vontade
E se algum dia você mudar
Jamais irei negar
O simples, puro, afeto do igual
Do semelhante, que está ao lado
E não a baixo...

Infelizmente, então
Sofro o exílio
Antecipado
Imprevisto
Forçado
Fruto da violência da relação
Do seu querido poder

E não vou mais voltar
Mas iremos nos encontrar
Se quiser estar ao lado...
Estarei logo ao lado...
Lado a lado...

Adeus, poder...
Ah, Deus Poder
Há de poder
se libertar...
e encontrar
a si... como igual.

Se...