terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tao



Quando perdem a noção de respeito
As pessoas se voltam para a religião
Quando elas já não acreditam em si mesmas
Elas começam a depender da autoridade.

Lao-Tsé, Tao Te King


Ele busca o conhecimento de si mesmo. De que forma? Questionando-se. Sobre tudo e em todos os aspectos. Avalia as mínimas e máximas possibilidades. Tenta não fugir dos medos e trevas interiores, elucida suas dúvidas através da reflexão lógica e interpreta os acontecimentos segundo um encadeamento racional de fatos, mas sempre levando em consideração a psicologia das emoções envolvidas. No entanto, também ouve com atenção sua intuição e emoção, sabendo ser esta uma fonte de sabedoria inerente e essencial. De tal modo intenta se conhecer e, consequentemente, passa a ter uma maior compreensão sobre si mesmo, que pode também valorizar sua capacidade de realização e pensamento, não temendo nem sentindo-se inferior à ninguém. Porém, esclarecido do próprio valor e ciente da beleza da vida e do potencial humano, igualmente reconhece o valor de seus semelhantes expressa nas diferenças e peculiaridades de cada um. A esse sentimento de valorização de tudo e de todos ele chama de 'respeito'. E sabendo perceber e valorizar a beleza e riqueza tanto da natureza quanto da humanidade, como também de si mesmo, faz dessa conexão que percebe entre seu 'eu' e o 'tudo'/'todo' sua maior espiritualidade. Permite-se, assim, transcender os limites materiais, deixando sua alma mais liberta para experiências extracorporais ou extrasensoriais. Igualmente, sente no contato com o outro e na aproximação de sua alma com outra uma experiência de riqueza inestimável e, humildemente, lembrando-se de todos os caminhos que percorreu para adquirir a sempre incompleta e passível de evolução consciência de si, procura auxiliar os que o rodeiam a também questionarem-se e conhecerem-se, descobrindo os tesouros interiores, os quais, sendo tão e unicamente pessoais, são inalienáveis. Certamente que, sendo ele tão imperfeito quanto seus iguais, possui dificuldades em ajudar ou simplesmente acompanhar os que o cercam n´uma jornada através da consciência e do autoconhecimento. Mas a primeira lição ou idéia que tenta transmitir é que a única autoridade verdadeira é a de sua consciência sobre suas ações e seu desenvolvimento espiritual, que não há nenhuma autoridade exterior verdadeira e que as forças que tentam se vestir do vel dea'autoridade' são de fato 'ilusões' e/ou formas de opressão e violência. Por quê? Porque se autoconhecendo, percebemos que superior às idiossincrasias, os seres humanos e todos os seres vivos possuem uma igualdade de valor que coloca-os lado a lado, não sendo a abelha menos importante que o cão nem uma formiga menos importante que o ser humano, pois todos os seres compartilham a imperfeição e a jornada pela evolução espiritual somente possível através do aprendizado fruto da própria reflexão e da experiência com os demais, sejam homens/mulheres ou quaisquer outros seres vivos. Cada um de nós possui ensinamos inestimáveis e também necessita de todos os ensinamentos que os outros possam dar, desde que sejam lições de sinceridade, verdade e sabedoria, não dependendo isto de qualquer distinção social imaginária como as existentes nos sociedades humanas que perduram até hoje. Para que qualquer 'autoridade' externa (toda ela sendo falsa) possa de fato influir sobre a vida, as decisões e o pensamento de outrem, é necessário que este não tenha consciência de si, para então, sentir-se vazio o suficiente para permitir que uma decisão que não foi sua encaminhe suas ações. E somente quando os seres humanos, desconhecendo-se a si mesmos, seu valor e, consequentemente o valor de todos, o que pode ser denominado puramente de respeito, é que eles precisam se apegar à doutrinas e sistemas de valores (religiões) que os obrigam a tomar atitudes que não passam de mecanizações do espírito, aprisionando-o em preceitos fabricados e estáticos, enquanto a verdadeira sabedoria é dinâmica, crescente, criativa e autoconsciente.
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(Frosti - Björk - uma música)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sibéria


Como se estivesse predestinado e ao mesmo tempo tivesse sido condenado, estava ele trabalhando naquela função burocrática. Havia dias que passavam despercebidos, tranquilos, ligeiros, porém outros lhe agoniavam a alma como se o passar das horas fossem arranhadas n´um quadro negro por um gato. Uma inquietação muito mais espiritual que física e que certamente passava despercebida aos olhos de todos. Mas era fato, tinha dentro de si a certeza de que ser uma engrenagem burocrática de um sistema, seja ele qual for, não era de sua índole e tinha esperanças dentro de si de que, no âmago de cada um, nas profundezas mais desconhecidas, não era a verdadeira índole de ninguém. Imaginava, então, que os séculos e as gerações haviam domesticado certos indivíduos a tal ponto que hoje eles acreditavam piamente que viveram para aquelas funções toscas e mecânicas, como se alguém pudesse realmente ser destinado pela divina Providência a ser uma máquina. Mas ele não acreditava nisso. Sabia, intimamente, intuitivamente, que o seu ideal, missão, objetivo ou simplesmente sua inclinação pessoal era direcionada aos trabalhos criativos, coletivos ou individuais (cada um importante em certos momentos - nem tão somente coletivo ou individual), intelectuais ou manuais, mas que envolvessem o pensamento e a sensibilidade, nada parecido com todos aqueles procedimentos preestabelecidos e vazios que precisava memorizar e 'assimilar' para 'ir bem' naquele trabalho que 'suportava', mas verdadeiramente odiava. Mas o que fazer se se sabia 'preso' àquela função odiosa? Afinal, reconhecia que o destino havia, de certo modo, dado-lhe uma oportunidade ímpar em ter essa sólida posição para impulsionar tantos sonhos, como o de sair daquela cidade tosca e limitada na qual não conseguia ele visualizar qualquer futuro, ao menos não a médio prazo (quem sabe se n´um futuro distante não poderia voltar para tentar plantar alguma semente de mudança nessas terras pelas quais ele não nutria nenhum apreço especial? Bem, não acreditava muito nisso). Pois bem, no final das contas, por mais que quase todos os dias desejasse do fundo da agonia sair daquela posição quase que estéril, certamente que sabia não poder fazê-lo, que precisava seguir pacientemente tal caminho. Afinal, era sua porta certa para o mundo. Então, como viver? Bem, havia formas de escapar por alguns instantes ou horas do ambiente massificador e alienante da burocracia, que era pela via da criação! Sim, como tanto queria, criar! Quantas horas não passava ele a escrever e escrever, refletir acerca de questões que lhe tomava os pensamentos, exprimir sensações e sentimentos, expor sua individualidade e sua coletividade. Também era um tempo hábil para planejar e tratar de ações e responsabilidades coletivas que ele desenvolvia fora daquele mundo preestabelecido do trabalho. Sim, sim, sim... precisava criar! E precisava também voltar ao antigo hábito de tentar influenciar os que o rodeavam, plantando questionamentos, interagindo, participando, ao invés de se fechar na roda gigante do tempo até o final do expediente. Sim, sim... abrir as janelas nas paredes brancas (e assépticas) e prendê-las de modo a permanecerem sempre abertas e assim, quem sabe, poderia não sofrer tanto com a escuridão que vez por outra caia-lhe sobre os ombros e idéias.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Expl´ódio

Ele não tem o dinheiro da selva de pedra. Como viver se tudo é tão estéril? Há fábricas de bonecos que trocam sangue por moedas. Vivendo do próprio sangue, a maioria se prostitui em currais e matadouros. O pensamento é proibido por lei publicada no jornal oficial do coração - ou seja, cada um cuida de autoproibir-se pensar. Tudo graças ao templo escolar da tolice. Se ainda assim nascem "ervas daninhas" (pensamentos), são tantos psico-tóxicos que são todos deformados, putrefatos, aleijados. A palavra de ordem é aceite. Compra-se aceitação, paga-se para esvaziar-se por inteiro nesta Igreja do (des)saber. Mas ele não tem esse dinheiro, ele tem suas veias intactas, sua cabeça cheia de pensamentos proibidos e vive, então, quebrando pedras. Quebrando as pedras de qualquer estrutura que encontre e tirando dessa tentativa de destruição o que houver de sobrevivência. Sofre cotidianamente todas as violências - Cada animal bípede que passa lhe ofende e amassa. Os monstros de fumaça lhe arrancam o ar como dragas arrasando áreas pulmonares. Seu sangue se derrama, mas ninguém lhe paga, pois isso nenhuma riqueza (carnívora) gera... Então, sua última e fatal decisão, preparar-se com todo o ódio que colhe dos jardins e cata nas latas de lixo, para tornar-se uma bomba de ácido 'misérico' de hidrogênio - a mais poderosa bomba já criada. Ele não está sozinho, sabe que como ele, há trocentos milhões de ignorados, apartados, marginalizados, seguindo o mesmo caminho, tornrem-se formas multidestrutivas. Quando chegar a hora, eles vão explodir, vão explodir tudo, arrancar das placas as cifras, rasgar das vitrines as etiquetas, despedaçar as fachadas e as muretas, incendiar os bancos-calabouços de inocências, para libertar todos da "liberdade" da mentira que todos bebem dia-a-dia como se fosse água. Por enquanto ele apenas se prepara. Arranque logo seu ódio do jardim antes que ele pegue. Recicle, transforme em algo mais humano e assim talvez evite o apocalipse tão esperado.
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(Muse - Plug in Baby - uma música)

Mulher e Menina

Enquanto as duas meninas se afastavam na máquina coletiva, ele as obervava com a maior ternura do mundo, as duas flores no seu jardim cardíaco, as duas gerações em seu destino iluminado, as duas forças transformadoras de seu conhecimento e aprendizado, as duas pérolas preciosas que possuia, afora sua própria família. Queria poli-las com a brisa morna da experiência e da companhia, as areias brilhantes da autonomia e a cera purificadora do afeto e do carinho, essas duas jóias que alumiam o dia. Sente essa ligação perene e revitalizadora entre si mesmo e as duas e percebe que a cada dia ambos os laços se fortalecem e engrandessem. Significa muito um abraço apertado e sincero de criança. Significa muito um olhar acolhedor e amoroso. Significa muito a harmonia de espíritos jamais encontrada com outra pessoa. Significa tanto, tanto, tanto... E valoriza tanto que quer ser uma parte integrante e atuante dessas duas vidas que unem-se à sua cada vez mais. Sente saudades e quer estar perto. Muito em breve encontrará seus sorrisos prediletos que enriquecem seu tesouro de felicidade. 'Mui rica' é esta vida... 'mui bela e hermosa'...

mi corazón...

Decidiu ser

A menina queria mais do que existia. - Tudo não é o bastante, quero o que não existe, algo tão novo que não foi criado (ou copiado)! - Menos, ela não aceitava; para os seus padrões, era o mínimo. Profundamente insatisfeita com a mesmice do mundo (que com os séculos parece nada ter realmente aprendido), fez-se necessário ir além do muro das lamentações televisivas. Quebrou as vitrines manchadas em sua mente, pois para ela era apenas uma montanha de incoerentes inconsequentes poluentes! Tratou de desligar a programação shoppingizada que lhe parecia uma corrente, desacorrentou-se e aos que estavam ao seu redor com uma força criadora chamada amor. Desmentiu todos os anúncios, sabia-lhes mentirosos! Xingou de 'mãe dos tolos' a Propaganda e sentiu-se ofendida com a Publicidade. - Eu sei mais do que vocês, não tentem me dizer o que fazer! - Se irritava e rasgava o panfleto da loja. Assim, tão farta desse mundo imundo, cheio de bobagens falsificadas e compradas, decidiu fazer para si o próprio mundo dos próprios brinquedos (gotas de alegria), idéias (tudo que existiria) e segredos (o mistério da beleza da vida). Queria para si um verdadeiro lar, grande, região, continente, planeta, não essa papelada burocrática nacionalista e conformista... Seria a inventora de seu lar, a mãe de si mesma, a sua própria direção e por isso, decidiu chamar-se Lara. E assim, com o barro mágico (ou massinha de modelar) com o qual Deus criou tudo, começou ela também a recriar o mundo, do fundo até o alto do céu, pondo nesta massa muitas sementes de maturidade, conhecimento próprio e fraternidade... deu uma forma livre e singular para cada ser e assim se sentiu verdadeiramente ela, parte do mundo de seu coração.

Erva-doce

Disposto a pular nos teus braços do penhasco de qualquer incerteza de futuro
As certezas da emoção são tão maiores, que parece-me impossível o não-ser
Há somente o 'ser' em nós, que temos essa tão inesgotável harmonia
Vou contigo, venha comigo... 'para o que der e vier'
Descobrir-me em ti, descobrir-te em mim... traga-me o doce
sem precisar de açúcar... faz-me plenamente feliz
com um simples jeito de meiguice... em tudo há fartura
de maravilhosas emoções e aventura
nosso abraço sabor anis
é a maior porção do amor
cor verde, nossa cor...

Permite-me sonhar?


Deste-me idéias nas quais passei a noite imaginando, divagando sobre como pode ser, como será. Funda-se uma idéia na minha cabeça e prontamente passo a acreditar. Para mim torna-se certo que acontecerá, basta querer. Será então uma pequena mini-casa só de dois. Será assim, alta, com vista enorme do céu. Não imagino ainda a forma externa, talvez o profissional adequado poderá pensar nisso, mas dentro decoro com formas imaginárias cada um dos quantos cantos tiver. A entrada será para frente ou ao lado... uma bela porta de madeira clara, com um amuleto somente nosso pendurado. Poderá haver um tapete reciclado com boas-vindas para os convidados. O espaçoso cômodo terá um pé direito de praticamente dois andares, pois conterá um adorável mezanino do meio para o fim da área. Lá no alto, para onde uma esguia e pequena escada levará, ficará o colchão inflável enorme forrado com um edredon fartamente macio. É possível que o tal colchão fique sobre uma plataforma de concreto cuja finalidade será guardar livros, sapatos, a videoteca, o que for. Ao fundo, de alguma forma improvisada, estará o armário cuja missão é ser grande o suficiente para conter duas vidas de roupas, isso sem ocupar muito espaço. Em toda a extensão das paredes do mezanino haverão estantes, superlotadas de livros e mais livros, sobre tudo que se puder imaginar. Livros estes que preencherão tantas horas abraçadas da noite, deitados n´uma rede lendo o carinho da pele e da página. À mão estará o frigobar, abarrotado dos dois elementos essenciais da humanidade, água (bem gelada) e chocolate (amargo - de Ouro Preto - sonho). Eventualmente haverá também maçãs e uma jarra de suco de tangerina com mamão sem açúcar, incrivelmente doce e refrescante. Sobre este móvel branco coberto de um paninho de renda, um jarro de margaridas e flores do campo, um caderninho e alguns lápis. Os muitos anéis, brincos, colares e acessórios serão aí colocados quando preciso... ou esquecidos (não esquecendo do óculos indestrutível mas com vida própria). O lustre será algum tipo de origami? Espero que algum dos amigos talentosos se digne a dar este presente... Creio já não haver mais espaço em cima. Agora embaixo... bem, no canto de lá, e abaixo do mezanino, do lado voltado para a outra casa (da qual se quer ter autonomia), ficará o banheiro. Uma tubulação levará a água para o lado de fora, para ser reaproveitada no jardim de belas flores e balancinho, sebes e plantas trepadeiras. O banheiro precisará ser mínimo, 'portátil'. Em frente ao banheiro poderá existir uma mini-cozinha, uma pia, fogão de duas bocas, mini-geladeira, duas panelas e seis pratos, além dos talheres e uma frigideira. Haverá de caber um micro-ondas também! Uma cortininha isolará a cozinha-banheiro da sala de estar... uma cortina linda, seja de tecido, seja do que for. Colorida, é certo. A sala de estar precisa ter uma coisa, uma área grande de parede branca, porque nesta aconchegante casa não haverá televisão, mas um projetor e um dvd, como um cinema fabuloso. No chão muitas almofadas e talvez um sofá-cama para visitas. Alguns ganchos para redes, vários andares de redes, até o teto (medo)... Mais estantes e mais livros! Um som maravilhoso! Ah, sim, a casa terá uma acústica que fará a música percorrer cada cantinho facilmente. E as paredes, de que cor? Exceto pela parte branca do cinema, não sei... vermelho escuro contrastando com branco? Um marrom-clarinho calmo e agradável? Verde grama, azul turquesa, laranja vivo, lilás? Não se sabe, será uma decisão difícil... Tudo será difícil de decidir... espero que meu amor tenha mais decisão do que eu... E, bem, muito artesanato por toda parte! A decoração será assim, caseira, artesã, bela e simples! E o toque final? Uma energia de felicidade farta e luminosa!

Foi o que sonhei de noite.

Ah, esqueci de descrever as janelas... serão de madeira... haverá uma em arco no alto! Talvez, se possível, gostaria de colocar um teto verde e uma varanda para o céu de alguma forma, mas ainda não sei... Janelas amplas! Luz! Céu estrelado! Claraboia? Abóbada? Luz... Pensei também em algum sistema que canalizasse a água da chuva para uma fonte que caisse pela lateral da casa... por pedrinhas bonitas na parede... Belíssimo! Junto à parede do lado de fora, preciso dizer, muitas plantas, flores e temperos, viu?!

bem-vindo!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

5 dias de verão


muito tempo não vinha ao céu noturno fazer chover as letras de minha insônia. E hoje nem mesmo sinto qualquer empecilho ao sono... apenas uma recente falta de costume em recolher-me cedo e deitar na cama solitária e fria. Habituei-me a afogar o sono nos prantos do desejo, deixando-o levemente deslizar pelas frestas da rede ou arestas da cama, refugiando-se, assim, longamente, em qualquer lugar esquecido até o passar da madrugada, à espera da luz matutina e da ordem imperiosa da exaustão. E ante tal autoridade, tentava, ainda, levantar o braço da vontade em demonstração de indisciplina e audácia, tremulamente apertando-me à carne e ao suor da minha vida. Sim, velozes e extasiantes dias desregulados de noções e dimensão temporal, percorri os primeiros olhos da manhã na ânsia de uma revolução dos meus limites, via a maturidade das primeiras horas do dia impingindo-me um sólido cláustro de sonolência e sonho e finalmente as altas estações da tarde encontrarem-me para qualquer tarefa que exigisse da mente mais de um metro do chão, física e mentalmente falando. O aspecto mais marcante desse poema experienciado foi a pura e inesgotável vontade de estar o mais perto possível, esmiuçando todo e qualquer detalhe que estivesse à mãos, olhos, ouvidos e tatos... também o palador viu-se convidado à aventura de sentidos que jamais se poderá esquecer, apesar do nascido ímpeto de superar cada vez mais as glórias e recordações, com maiores exaltações e sensibilidades... vejo que todo o tempo foi curto e incapaz de colher a vasta turbulência de espíritos e desígnios e realmente só será possível alcançar o ápice n´uma qualquer manifestação do nirvana, a iluminação, a combustão total de tudo que houver em ambos os seres...
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Quero para mim (e ouso julgar possuir) a verdadeira loucura dos apaixonados tão bravamente exercida que cada dia é a mais venturosa descoberta...
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...Quero para mim mais dias de ti....

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A(mo)r


Percebo que a maior confiança é se deixar levar de olhos fechados e mãos dadas contigo... Não olhar para lugar nenhum, sentir as fibras conectando-se entre nossos dedos, o calor que percorre a carne vívida louco para aquecer a pele unida, deleitando-se na cálida emoção do encontro. O equilíbro entre a carne e o espírito... duas correntes entrelaçadas no nosso caminho... os caminhos das mãos não nos enganam, as dualidades se completam e o desejo maior é não se separarem jamais... O ar que habita o espaço entre nós se autodenomina saudade. A energia que salta do meu corpo para o teu e vice-versa gosta de ser chamado magnetismo... Os meus olhos com os seus ritualizam o sonho e a sede que eu sinto (e tu também sentes) só se saceia com explosões milhares e diminutas em cada poro das nossas peles roçando em faíscas... Ar e Terra aquecidos até a perfeição do cristal... a transparência límpida das almas unas... que encantam os olhos alheios com uma verdade indecifrável para qualquer um além de nós mesmos... A última verdade da vida... e a primeira antes de tudo...

ler a grama

Quando fico quieto a te olhar, com olhos de lago n´uma tarde sem brisa, com expressão de encanto mudo do mármore renascentista, com os sentidos sequiosos absorvendo todos os estímulos, admirado com todos os traços, os mínimos movimentos, expressões, manifestações de graça e doçura, formas e matizes do olhar, jeitos e charmes labiais de primavera, pureza e delicadeza da tez e do respirar... fico ali, derramado como folhas de outono, enquanto se arrumas para sair, para vir comigo, para estar assim, tão linda... absorto, bebendo desmedidamente o sentimento que me causas... sou um lago engrandecido pela água doce e terna do rio, rodeado e permeado do perfume do teu corpo, teus profundos segredos, tua sublime vivacidade... toda a natureza declarada nos nossos corações.

Às vezes estranhas minha expressão... minha forma de me perder em ti...
me deito no chão, apoiando meu rosto no teu ombro e te abraço a felicidade.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Me-nina´r


Explosão de energia, vamos brincar?
Ressaca de insônia, quase a desabar.
Voltar a dormir me dá tanto sono
Quero apenas te olhar de vermelho
Nas ondulações suaves do teu colo
Diante de girafas e peixes nas nuvens
Sem relógios para nos afastar
praia e mar
dentes de fruta

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

equil´ébrio


Reflexivo...

O desejo de unicidade turva a clareza de nossa visão/percepção de que somos tanto um reflexo, um produto, uma construção de outros além de nós mesmos... isso porque nos fazemos a partir de referenciais... O que resultaria de um ser criado no Nada? Nem substrato, combustível, matéria-prima, húmus social, não surgiria nada, permanecendo o potencial de humanidade preso na semente do ser, sem expandir-se.

O ponto onde os seres divergem é que alguns simplesmente vão passando de reflexos para reflexos, a medida que se deparam com novos referenciais, adequam-se, adaptam-se, e vão seguindo as marés, indo e vindo para onde se levarem, enquanto outros passam a fazer resistências e seleções quanto os novos reflexos e referenciais que tomarão... com um maior controle sobre seus caminhos... (a partir de um certo ponto de autoconsciência adquirida, certamente)...

Estamos cercados de referenciais...
Por todos os lados...
Muitos são meras variações de um referencial maior e hegemônico... outros divergem levemente e outros mais drásticamente... Mas como discernir? Principalmente quando se está na fase da vida de frágeis conceitos, de inocência perante a realidade, de abertura fácil para ao que se está exposto, a infância. As crianças por todos os lados se vêem rodeadas de referenciais fabricados e muitíssimo bem preparados para seduzi-las... ou seja... são massa de modelar tão maleável... pobres crianças, fadadas ao transvio, a menos que acasos, astros ou destinos as coloquem em caminhos que as ponha no controle...

Quais os referenciais que nos seduzem? O que queremos ser? Por que queremos ser o quê e qualquer coisa? O que te seduz? É preciso entender o que realmente se quer fazer de si... (e aqui)

Há algum propósito? Precisa ter propósito? Objetivos? Ou o fim em si mesmo basta? Queimar-se ou consumir-se? Deixar-se ou encontrar-se? Igualmente válidos?

Encontro meus referenciais...

mas eu
sou do contra.

balança ou pêndulo?

Como a baixa e a alta pressão movimentam o ar e geram os ventos, essa dicotomia ocilante revolve os ânimos e espíritos contidos no peito, içando as velas de algodão, veias, desejos e emoções... angústias relampejando e se resolvendo n´um piscar de olhos como uma nuvem cinza bipolar que tão logo chega, logo se esvai... acontece que ele está permeado d´um espírito um tanto autodestrutivo e um tanto sedendo por desconhecido... enquanto âncoras intelectuais o fazem refletir e pensar melhor sobre os amanhãs... parte de si não quer nem depois nem amanhã, quer queimar todo o querosene intestinal, a gordura viceral, o carvão venoso, tudo que em si for inflamável para obter o maior brilho que for capaz, em alguns segundos, meses ou anos e fim. Terá valido a pena pôr-se nessa empreitada alucinante e causticante, descobrindo o que há de melhor e pior em si... melhor do que lentamente deixar-se apagar em chama baixa, opaca, fosca, tosca... intensidade imprevisível... o melhor e o pior, a dádiva e o desastre... opostos atraentes... ou conflitantes... mordem-se e invejam-se ao menor sinal de fraqueza ou inquietação do hospedeiro destes sentimentos ou pensamentos...

Uma vontade de depojar-se de tudo quanto houver a se perder e pôr-se inteiramente livre... n´uma caminhada também tão somente pessoal, pingando isoladamente por incontáveis vidas, uma recordação feliz na memória de muitos, mas concretamente, muito mais um vapor efêmero do que uma força de transformação... a faísca que ilumina a fotografia mas que logo após apaga-se na escuridão... deixar-se cair na escuridão...

Sim, o dia inteiro quero vagar e criar e amar e ser... por que estar preso n´um casulo de paredes burocráticas? Por quanto tempo? A que preço? Libertar-se...

Contigo hemos de quebrar e ruir o que não convir e descobrir o que há e embelezar o porvir e transfigurar e catalizar a luz que transborda, derramar, expandir... juntos... nós...

a que me dá forças e paz

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Mata e cura... (e assim sucessivamente...)


Se começar a dormir mais, cedo, acordar logo, nadar por uma hora submerso n´um azul sem pensamentos, se eu fizer tudo isso, junto ao maravilhoso (esta palavra é verdadeira) fato da vida ser assim tão bela e sublime, como poderei refletir e pensar? No balançar do ônibus demorado e refrescante? Mas olhar pela janela é quase tão hipnótico quanto televisão. Nos teus braços? Como, se a alma repousa nessa plenitude de sentidos e sentimentos? Antes de dormir? Mas eu sempre me deito tão bem comigo e com o dia que posso repousar tranquilamente. Então, sem noites insones, sem horas de penumbra, sem infernos pessoais (estou no nosso paraíso), como aflorar as profundezas de meus inconscientes e descobrir alguma poesia escondida?

É difícil...

Mas eu sempre busco as respostas...

e sempre as encontro...

800


Daquele cone preto fosco, espécie de tuba musical, fluia uma liquidez sonora tão melódica que podia-se tocar as vibrações que passeavam pelo ambiente. O objeto antigo, adquirido n´um antiguário por um valor razoavelmente abusivo mas que, como era tão bonito, não podia ser esquecido e largado naquele amontoado de coisas bonitas, agora ilustrava e iluminava serenamente a atmosférica penumbra daquele cafezinho recém inaugurado. Tão recente que quase ninguém conhecia, tão discreto que não se fazia propaganda, tão delicado que o garoto, único cliente àquela hora longínqua da noite, temia que quebrasse a qualquer momento. A fachada do lugar era escondida por duas imensas árvores de caules robustos e anciãos que ladeavam a entrada, como um pórtico místico de folhas verde-escuro. Assim que se adentrava, havia algumas mesinhas encostadas às paredes, onde sofás confortabilíssimos convidavam à nunca mais sair. Mais adiante, do lado direito, o bar onde se preparavam suculentos pratos e bebidas quentes e frias, de coqueteis à cafés, sanduiches e tortas, chegando ao limite impensável de biscoitos caseiros do tipo 'avó'rnal', servidos em porções fartas. E no fundo do recinto, outras mesinhas e sofás, porém de iluminação mais tênue, opaca, entristecida... lá ficava a imemorial vitrola, sob um criado de madeira escurecida dotado de um espaço reservado para dezenas de LPs sentimentais e noturnos. As paredes de madeira e os lustres ornamentados de dobraduras de papel multicolorido, além de diversos e curiosos móbiles pendurados cadentemente do teto relativamente baixo, completavam o cenário tão encantador que o rapaz frequentava religiosamente todos os dias. Nos fins de suas noites caladas, inevitavelmente lá estava ele, taciturno, pensativo, saboreando algum manjar de cor viva, doce e gelada. Naquele espírito etéreo e compenetrado, aproveitava para ler incontáveis romances, teorias, escrever cartas sem destinatário, depurar paradoxos da filosofia ou da psiquê, analisar cuidadosamente os centímetros neurológicos do pensamento. Durante boa parte da noite ele era o único no lugar. Raramente um ou outro transeunte decidia se aventurar ali dentro, mordiscar um quiche ou provar um sanduiche natural. Mas uma noite inesperada (como todas as noites - o menino não ficava esperando nada), inescrupulosa (por que algo imaterial como a noite teria escrúpulos?), invejável (para todos aqueles que gostariam de viver situação semelhante) e quase ficcional (pois a memória do garoto viajaria infinitas horas novamente aquelas mesmas três horas que ali se passariam) mudaria a vida do jovem de cabelos muito pretos e camista de algodão cru. Uma menina (por que são sempre as mulheres as responsáveis pelas grandes mudanças de toda e qualquer vida?) atravessa a porta às duas da manhã, vestindo uma saia negra até o joelho, blusa de lã listrada de cores frias e um casaquinho azul escuro. Olha demoradamente todo o lugar, como quem examina um caso policial intricado, observa todos os cantos (as evidências), demora-se um pouco mais na mesinha onde se encontra o rapaz (o suspeito), mas logo passa os olhos até o lugar onde decidiu sentar-se. Acomodada, apoia o cardápio diante dos olhos e reflete tão profundamente quanto um filósofo diante de um tratado. O menino quedou-se enfeitiçado pelo mistério que debruçara-se a sua frente. Envergonhado pela própria indiscrição, desviava o olhar aflito sempre que ela tirava os olhos da folha de papel colorido. Mas tão logo podia, voltava a vidrar as pupilas nas mãos brancas que seguravam o igualmente pálido papel. Passaram algumas revoadas de minutos, ela fez seu pedido, ele ignorou totalmente o que estava bebendo. Até que ela, que já tinha reparado há bastante tempo naquele menino olhando-a fixamente, decidiu olhar-lhe nos olhos, pegá-lo de surpresa. Um arrepiar eletrizou a espinha do menino quando viu-se, qual animalzinho encurralado, diante dos olhos dela. Como lançando um dardo envenenado de emoção, ela piscou para ele, atingindo-o em cheio no peito. E então, assombrado, vê ela pegar um pedaço de papel de sua bolsa e rabiscar algo, depois dobrá-lo n´um pequeno aviãozinho e jogá-lo até ele. "Olá" - leu, com as mãos trêmulas. A princípio, ficou terrivelmente indeciso se se enterrava na crosta terrestre ou buscava refugiar-se na estratosfera. Tão surpreso por aquele contato repentino, que sua coragem para qualquer coisa se escondeu atrás da orelha. Mas, no segundo seguinte, pegou seu lápis preto e afiado e rabiscou também um "Olá", acompanhado d´um beijo desenhado... e fez a mesma brincadeira aeronáutica. "O que foi que você pediu? Parece bom.", foi o que ela respondeu. "Suco especial, morango batido com sorvete de morango", seguido de um desenho de sorriso extasiado que só ele sabe desenhar. Um sorriso dela e um pedido ao garçom. "Hmmm! Maravilhoso! Obrigado! Posso me sentar com você?" - Ele olhou timidamente do papel para ela, enquanto ela sorvia o suco com delícia. Fez que sim com a cabeça e ela então balançou sua saia enquanto mudava-se de uma mesinha para a outra. Um silêncio de estranhamento dominou os primeiros segundos, até ser quebrado pela corajosa e destemida menina - Qual é o seu nome? - Rodrigo - Bonito - E o teu? - Manuela. - Pura e santa como o nome? - A pergunta saiu sem querer e ficou envergonhado, ela também ficou enrubescida. - Não sabia que significava isso. Nunca tinha ido atrás. Como você sabe? - Ah, estranho, dias desses estava olhando significados e vi... e me aparece uma Manuela. - riu, nervoso. - Gostei tanto daqui - Ela comentou, mudando de assunto, para apaziguar os cristais de tensão que se criaram no ar. Ainda sob o efeito paralisante da timidez, ele limitou-se à um gesto com cabeça, concordando - Mas esse lugar me parece especial, do tipo magnético, que atrai as pessoas certas nos momentos certos. - disse ela - Pois se assim for, eu sou um minério de ferro e este lugar uma magnetita. Passo todas as minhas noites aqui. - Disse ele baixinho - E o que te traz aqui todas as noites? - A menina indagou - Ele olhou para ela um segundo, baixou o olhar, os dedos enrolando-se - Venho aqui por não ter nenhum outro lugar para onde ir. Nada nessa cidade me atrai, nem os teatros repletos de alegorias e mentirinhas nem os cinemas de realidades virtuais, não sei, talvez me falte uma companhia, só. Venho para cá, então. Aqui é minha casa onde não durmo. Não gosto de dormir, de qualquer forma. Venho para cá e fico até... vou ficando... uma hora eu me arrasto para a minha casa de dormir, recomponho-me, cumpro qualquer obrigação que me dá sustento e depois volto - Respondeu. Ela o olhou nos olhos, segurou sua mão por um instante e depois segurou o copo de suco e levou-o à boca. Ficaram em silêncio longamente, até ela quebrar a película espessa de ar com suas palavras - Eu encontrei esse lugar no momento que mais precisava... - os lábios se paralisaram... uma proximidade intangível surgiu entre cada uma das bolhas de açúcar e afeto...

oi


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Às rotinas que precisam de reinvenções

despertadores antecipados pelas manhãs

submergir nas horas de suprassono

e derreter-se desprendidamente

nos braços da minha alvorada