terça-feira, 17 de maio de 2011

Auto+idade

"Disciplina é liberdade" (Legião)
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Soa paradoxal, mas, por diversas experiências, tal frase sempre permaneceu como sugestiva inquietação. A disciplina soa rígida, inflexível, autoritária... e a liberdade... o inverso. Que jogo de palavras contraditório e ao mesmo tempo chamativo é esse? Como os dois extremos poderiam estar relacionados de maneira tão íntima?
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Acontece que a autoridade desta disciplina segue outro rumo. Não se trata de autoridade de um sobre outro, o que é inadimissível, mas a autoridade de um sobre si mesmo, o que parece razoável... Há tempos atrás sugeri uma origem ficcional para a palavra autoridade. Inferi a seguinte construção: Auto + Idade. Auto, do sentido de "próprio", "si mesmo", "Eu"... Auto+idade = Idade de Si mesmo, ou seja, quando se alcança a "Autoridade", é o momento em que temos, enfim, a sabedoria e a soberania sobre si mesmo... E esse exercício constante passa pela disciplina, que seria a fluente consciência e responsabilidade sobre os próprios atos, comportamentos, hábitos, rotinas, saúde espiritual, mental e corporal.
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Há anos eu tento...

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Exemplo mais recente... O sono. Não consigo ter disciplina em minha rotina de sono. Um dia dorme-se cedo, outro excessivamente tarde, outro, muito cansado, dorme-se cedo, dois ou três dias dormindo medianamente tarde, aproveitando a noite para ler, escrever, vontades que surgem... etc. etc. Extrema insconstância que resulta em muita dificuldade em acordar dias de segunda feira e dificuldade média a alta nos dias normais. Há tempos que almejo conseguir manter uma disciplina de sono que me dê animo de modo constante durante o dia... pois o cansaço é altamente depressivo e desanimador... E não consigo.... Agora, por exemplo, é madrugada... fui dormir de 21h30 e, desgraçadamente, acordei às 23h30 e passou o sono. Já li por hora e meia e nada... e o jeito é desistir por mais um dia da tal disciplina...
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E percebo que a gestão do sono é basilar para as demais áreas de existência... as vontades, desejos, iniciativas, sonhos, todos ficam muito prejudicadas pela constante depressão de um corpo com sono... na sonolência não conseguimos pensar nem produzir... e por mais que os picos de adrenalina ajudem a superar momentaneamente essa dificuldade, de tempos em tempos (a intervalos cada vez menores) a exaustão acaba sabotando os esforços... O antigo romantismo da insônia, então, surge como uma droga de poderoso efeito depressivo na manhã seguinte...
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A disciplina, assim, torna-se um meio para o equilíbrio. É preciso, como um barqueiro, estar sempre puxando das pontas da vela, controlando os ímpetos do vento, a estabilidade do casco, a velocidade possível de modo que não afunde, a sabedoria em contornar as ondas mais fortes, maiores, mais perigosas... "Navegar é preciso, viver não é preciso"... e sem disciplina, o mar nos mata sem piedade... e com toda razão.

terça-feira, 10 de maio de 2011

"Ninguém que explique e ninguém que não entenda..."


Orfão antes da morte

Todos suicídios...

Ou auto-homicídios
Assassinado, ainda que vivo,
Exilado pelos parentes destruídos
Livre, ainda que sem abrigo
A independência pressupõe o risco
De não ter para onde ir
Em caso de incêndio...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Há dois tipos de "bandeide": o que não cola; e o que não sai...



Ainda dói bastante. Mas eu não sei se a dor diminuiu ou eu me acostumei com ela. Para mim, posso considerar uma das maiores dores que já senti. Impossibilitado de beber, comer, dormir ou até mesmo pensar, essa maldita dor me colocou em xeque porque diabos vivemos com tamanho potencial para a dor? Que bela saco de merda de gambá, hein! Tá certo que é maravilhoso toda nossa capacidade de sentir prazer, com incontáveis caminhos e labirintos a serem percorridos rumo a novos e deleitosos êxtases, mas, de quem foi a idéia de, no extremo oposto, termos a igual ou superior capacidade, tendência ou destino de sentirmos dor, variada, diversificada, insistente e desgraçada dor!?! Rememorando minhas maiores dores, lembro vagamente das centenas de luas que passei em claro, enforcado pela maldita asma que me afogava em meu suor, gemendo, gritando e chorando por um pouco de ar para este maldito corpo que carrego. Lembro do murro que dei na parede e que quebrou minha mão. Não doeu tanto assim, na verdade, foi até prazeroso. Lembro das quatro ou cinco cauterizações (leia-se, queimar com ferro quente eletrificado a carne humana) que tive que fazer para tentar extirpar desse maldito corpo que carrego as malditas verrugas que insistiam em ter nos meus dedos o maior boom imobiliário do último século. Dessa aventura quase sai sem dedos. Lembro de uma cauterização em especial, em que a maldita médica deve ter queimado fundo demais, o maldito anestésico não durou o suficiente e durante a noite comecei a sentir uma dor cruciante, incontrolável, invencível, que impossibilitava qualquer ser vivente de conseguir dormir, ou até mesmo de existir, e da tentativa idiota de apaziguar a dor com duas dozes quase seguidas de analgésico que, por coincidência, também era antitérmico, o que fez baixar minha pressão imediatamente e me causou um incômodo e relâmpago desmaio. Ah, voltando mais no meu recatado histórico de dores dolorosamente marcantes, lembro da mesa da inquisição espanhola misturada com os calabouços da didatura brasileira, misturado com os campos de concentração nazista, que consistiu em ter que arrancar com um alicate desproporcionalmente grande cerca de quatro ou seis dentes muito bem instalados em minha boca. Não me lembro ao certo se o sujeito que foi capaz de fazer isso com uma criança de cerca de oito ou dez anos era descendente de Sérgio Fleury ou Josef Mengele. Mas ouso dizer que, com grandes chances probabilísticas cabalísticas pós-metafísicas, todo dentista foi, em outra vida, um torturador que escapou da condenação celestial de nunca mais encarnar enquanto a eternidade durar. Ah, e não posso deixar escapar as injeções penetradas na gengiva sob o pretexto paradoxal de "anestesia local". Nem todo o sorvete do mundo que tomei na época foram capazes de apagar esse pesadelo. E, resumindo a história, pois tenho a tendência de apagar a maioria das más recordações, nos últimos três dias experimentei mais um marco histórico da dor universal. A mais odiosa inflamação putrefação dilaceração da garganta que se tem notícia. Em pouco mais de 48 horas, um bando de bactérias filhas de um caralho filho da puta instalaram-se no hall da minha boca, horizonte do céu bucal, e resolveram detonar geral! A mais subversiva ação de sabotagem que o mundo unicelular/microbiótico autônomo conheceu. Como relatei anteriormente, eles cortaram todos os meus canais de entrada, escape e suprimento de fundos e reservas. Se instalaram na entrada principal do maldito corpo que carrego e puseram a placa FECHADO até segunda ordem do general da FBI (Fudidas Bactérias do Inferno). PUTAQUEABORTOU, a cada hora o natural e sublime ato de engolir se tornava uma dor lancinante, o que me impedia a cada segundo mais de beber e comer qualquer coisa, e até mesmo de pensar, pois cada pensamento era automaticamente associado à engolida (de farpas) da vez, e a simples associação - pensar-dor, existir-dor, qualquercoisa-dor, coibe qualquer ser errante de se atrever a fazê-lo. Cheguei ao cúmulo, no ápice da loucura, a desistir ou ao mesmo tentar não mais engolir. Cortar esse processo fisiológico da minha prática habitual. Para isso, era preciso dar um outro fim à saliva, ao catarro e ao muco fartamente produzidos pela FBI. E o jeito era lançá-la ao mar pela porta de entrada. No climax da agonia cheguei a levantar a hipótese de câncer de boca, dada as singulares circunstâncias em que se estava dando a dita inflamação-rebelião bacteriana. E seguidamente a esta hipótese, as mais dramáticas soluções foram conjecturadas. Não desejo relatá-las. Enfim... após uma longa manhã de suplício no hospital, foram identificados os elementos subversivos e receitada a equipe tática antibiótica capaz de expulsá-los de uma vez por todas deste território tão querido que é minha boca. E, para compensar todos os males, ganhei dois dias de atestado que regarei com quatro ou cinco filmes deliciosos, vadios, vagabundos e ensolarados (mesmo que o céu lá fora esteja chuvendo), já que não há nada melhor na vida de assalariado do que estar em casa n'uma quarta-feira à tarde.

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Para concluir, julgo excessivas todas as minhas metáforas vaidosas e egocêntricas referentes à minha dor. Tenho certeza que mesmo que eu arrancasse todos os dentes, queimasse todos os dedos e infectasse da boca até o reto, meu sofrimento não se igualaria ao do rapaz aí da imagem. E os anjos escrotos ainda vêm rir da cara de horror do cara.

domingo, 1 de maio de 2011

Você é Homem ou Mulher?

Sim. E não.



Que outra resposta pode ser dada? Sou homem? Sou mulher? Seria pedir demais que alguém ficasse reduzido à conceitos tão superficiais, insuficientes para abranger a complexidade da existência. Somos mais, somos tudo. Somos homens, mulheres, crianças, velhos, hermafroditas, loucos, psicóticos, solitários, extrovertidos, revolucionários, conservadores, retardados, progressivos, pós-contemporâneos, caralho de asa! E mais muito mais... E não somos nada disso, pois "isso" são apenas palavras, e não somos palavras. Se fóssemos, não teríamos carne e osso e emoções, mas páginas, píxels ou qualquer suporte simplista para perdurar idéias (cd, dvd, blue-ray, hd, papiro, diabo-a-quatro)....

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Somos tudo. Sou e você é. E tal conclusão pode levar à uma certa sensação de "nada"... Porque, se não podemos nos enclausurar n'uma certa quantidade limitada de conceitos, esteriótipos e formatações sociais que nos permita produzir algo chamado "identidade", acho que a maioria iria pirar, gargalhar ou simplesmente desconsiderar. A construção da identidade, da individualidade e da separação psico-social da unidade coletiva é um fenômeno essencial para a sociedade de classes, pois, se estamos uns pisando nos outros, eu não posso ser o mesmo que aquele em que piso, ou aquele que me pisa não pode ser eu mesmo, e vice-versa e assim sucessivamente. É uma questão de "lógica". E, sendo assim, nos denominamos homem OU mulher, profissão TAL, caráter ESSE, pensamentos AQUELES, sonhos ÚNICOS. E mais um monte de blahblah pré-moldado em alguma fábrica de conceitos prontos para viagem. Quentinhos, aconchegantes, saborosos, já no ponto para levarmos para casa, comermos, sermos abduzidos por eles e nos tornamos alguém inteiramente original, livre e com personalidade! Veja só, que magia! E, se, por alguma coincidência temos as mesmas preferências de uma infinitude de milhões de outras pessoas, isso não prova que sou igual a elas, mas que elas estão no caminho certo, pois pensam como eu. Porque o EU veio primeiro, segundo dizem... cada um a sua maneira. Mas, voltando ao assunto principal... não é difícil perceber que, desconsiderando esse invólucro tão fenomenal que chamamos corpo, esse objeto dotado de infinitas possiblidades de sentir prazer inimaginável e dor inigualável, desconsiderando isso, temos tantas características masculinas, femininas, infantis e senis, 'adultas' e 'jovens' quanto poderíamos desejar. Voltando ao primeiro assunto, para garantirmos a integridade de nossa "identidade", somos forçados a reprimir uma enormidade de faculdades criativas, relacionais, humanas, subjetivas, emocionais, transformadoras, belas, simplesmente para nos mantermos calmos e seguros diante de quem nós "somos". E todas essas características não são isoladas, atuando em diversos momentos individualmente em momentos específicos de nossas vidas, mas são um todo, complexo, fantástico, transcendental. É triste reduzirmos tudo a rótulos, a palavras, a tentativas frustradas de explicação. Já infinitas vezes foi provado que as palavras são totalmente insuficientes para expressar o que quer que seja. Se não fosse pela complementação de nossa imaginação, da projeção de nossa própria experiência social e reflexões pessoais, as palavras não nos diriam nada, porque, em essência, elas não são nada. Sendo assim, feminino, masculino, jovem, velho, são termos meramente ilustrativos para realidades muito mais amplas, profundas e deliciosas... Descartemos isso tudo, e voltemos à pergunta: Você é Homem ou Mulher? E a resposta é Porra Nenhuma. Que diabos! Quanta perda de tempo em tentar definir em conceitos o pôr-do-sol, a via-láctea, o prazer de tocar alguém querido, sentir um sabor sentimental. Que perda de tempo em tentar definir "quem somos", "o que somos". No dia em que finalmente conseguíssemos, estaríamos MORTOS, pois teriam esquertejado nossa possibilidade de negar tudo o que encontramos, resolver fazer tudo diferente, mudar, transformar, mandar tudo ao inferno, e assim seguir a vida...



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Putz, de onde viemos? Da porra que encontrou com um óvulo! Que dificuldade tem nisso? Para onde vamos? Novamente para a porra e o óvulo que, felizes para sempre, constituirão nossos infinitos corpos futuros, passados e presentes, em infinitas dimensões de espaço-tempo simultâneas e consecutivas... Fine! End! Fim! Início, meio, flashback e tudo junto misturado... E, se queres um conselho, exploda. E entre suas partes gosmentas, tripas, ossos, fragmentos cerebrais, espalhadas pelas paredes, talvez você encontre os trechos da sua personalidade tão egocentricamente lapidada ao longos dos anos...