Ainda dói bastante. Mas eu não sei se a dor diminuiu ou eu me acostumei com ela. Para mim, posso considerar uma das maiores dores que já senti. Impossibilitado de beber, comer, dormir ou até mesmo pensar, essa maldita dor me colocou em xeque porque diabos vivemos com tamanho potencial para a dor? Que bela saco de merda de gambá, hein! Tá certo que é maravilhoso toda nossa capacidade de sentir prazer, com incontáveis caminhos e labirintos a serem percorridos rumo a novos e deleitosos êxtases, mas, de quem foi a idéia de, no extremo oposto, termos a igual ou superior capacidade, tendência ou destino de sentirmos dor, variada, diversificada, insistente e desgraçada dor!?! Rememorando minhas maiores dores, lembro vagamente das centenas de luas que passei em claro, enforcado pela maldita asma que me afogava em meu suor, gemendo, gritando e chorando por um pouco de ar para este maldito corpo que carrego. Lembro do murro que dei na parede e que quebrou minha mão. Não doeu tanto assim, na verdade, foi até prazeroso. Lembro das quatro ou cinco cauterizações (leia-se, queimar com ferro quente eletrificado a carne humana) que tive que fazer para tentar extirpar desse maldito corpo que carrego as malditas verrugas que insistiam em ter nos meus dedos o maior boom imobiliário do último século. Dessa aventura quase sai sem dedos. Lembro de uma cauterização em especial, em que a maldita médica deve ter queimado fundo demais, o maldito anestésico não durou o suficiente e durante a noite comecei a sentir uma dor cruciante, incontrolável, invencível, que impossibilitava qualquer ser vivente de conseguir dormir, ou até mesmo de existir, e da tentativa idiota de apaziguar a dor com duas dozes quase seguidas de analgésico que, por coincidência, também era antitérmico, o que fez baixar minha pressão imediatamente e me causou um incômodo e relâmpago desmaio. Ah, voltando mais no meu recatado histórico de dores dolorosamente marcantes, lembro da mesa da inquisição espanhola misturada com os calabouços da didatura brasileira, misturado com os campos de concentração nazista, que consistiu em ter que arrancar com um alicate desproporcionalmente grande cerca de quatro ou seis dentes muito bem instalados em minha boca. Não me lembro ao certo se o sujeito que foi capaz de fazer isso com uma criança de cerca de oito ou dez anos era descendente de Sérgio Fleury ou Josef Mengele. Mas ouso dizer que, com grandes chances probabilísticas cabalísticas pós-metafísicas, todo dentista foi, em outra vida, um torturador que escapou da condenação celestial de nunca mais encarnar enquanto a eternidade durar. Ah, e não posso deixar escapar as injeções penetradas na gengiva sob o pretexto paradoxal de "anestesia local". Nem todo o sorvete do mundo que tomei na época foram capazes de apagar esse pesadelo. E, resumindo a história, pois tenho a tendência de apagar a maioria das más recordações, nos últimos três dias experimentei mais um marco histórico da dor universal. A mais odiosa inflamação putrefação dilaceração da garganta que se tem notícia. Em pouco mais de 48 horas, um bando de bactérias filhas de um caralho filho da puta instalaram-se no hall da minha boca, horizonte do céu bucal, e resolveram detonar geral! A mais subversiva ação de sabotagem que o mundo unicelular/microbiótico autônomo conheceu. Como relatei anteriormente, eles cortaram todos os meus canais de entrada, escape e suprimento de fundos e reservas. Se instalaram na entrada principal do maldito corpo que carrego e puseram a placa FECHADO até segunda ordem do general da FBI (Fudidas Bactérias do Inferno). PUTAQUEABORTOU, a cada hora o natural e sublime ato de engolir se tornava uma dor lancinante, o que me impedia a cada segundo mais de beber e comer qualquer coisa, e até mesmo de pensar, pois cada pensamento era automaticamente associado à engolida (de farpas) da vez, e a simples associação - pensar-dor, existir-dor, qualquercoisa-dor, coibe qualquer ser errante de se atrever a fazê-lo. Cheguei ao cúmulo, no ápice da loucura, a desistir ou ao mesmo tentar não mais engolir. Cortar esse processo fisiológico da minha prática habitual. Para isso, era preciso dar um outro fim à saliva, ao catarro e ao muco fartamente produzidos pela FBI. E o jeito era lançá-la ao mar pela porta de entrada. No climax da agonia cheguei a levantar a hipótese de câncer de boca, dada as singulares circunstâncias em que se estava dando a dita inflamação-rebelião bacteriana. E seguidamente a esta hipótese, as mais dramáticas soluções foram conjecturadas. Não desejo relatá-las. Enfim... após uma longa manhã de suplício no hospital, foram identificados os elementos subversivos e receitada a equipe tática antibiótica capaz de expulsá-los de uma vez por todas deste território tão querido que é minha boca. E, para compensar todos os males, ganhei dois dias de atestado que regarei com quatro ou cinco filmes deliciosos, vadios, vagabundos e ensolarados (mesmo que o céu lá fora esteja chuvendo), já que não há nada melhor na vida de assalariado do que estar em casa n'uma quarta-feira à tarde.
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Para concluir, julgo excessivas todas as minhas metáforas vaidosas e egocêntricas referentes à minha dor. Tenho certeza que mesmo que eu arrancasse todos os dentes, queimasse todos os dedos e infectasse da boca até o reto, meu sofrimento não se igualaria ao do rapaz aí da imagem. E os anjos escrotos ainda vêm rir da cara de horror do cara.
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