Como se estivesse predestinado e ao mesmo tempo tivesse sido condenado, estava ele trabalhando naquela função burocrática. Havia dias que passavam despercebidos, tranquilos, ligeiros, porém outros lhe agoniavam a alma como se o passar das horas fossem arranhadas n´um quadro negro por um gato. Uma inquietação muito mais espiritual que física e que certamente passava despercebida aos olhos de todos. Mas era fato, tinha dentro de si a certeza de que ser uma engrenagem burocrática de um sistema, seja ele qual for, não era de sua índole e tinha esperanças dentro de si de que, no âmago de cada um, nas profundezas mais desconhecidas, não era a verdadeira índole de ninguém. Imaginava, então, que os séculos e as gerações haviam domesticado certos indivíduos a tal ponto que hoje eles acreditavam piamente que viveram para aquelas funções toscas e mecânicas, como se alguém pudesse realmente ser destinado pela divina Providência a ser uma máquina. Mas ele não acreditava nisso. Sabia, intimamente, intuitivamente, que o seu ideal, missão, objetivo ou simplesmente sua inclinação pessoal era direcionada aos trabalhos criativos, coletivos ou individuais (cada um importante em certos momentos - nem tão somente coletivo ou individual), intelectuais ou manuais, mas que envolvessem o pensamento e a sensibilidade, nada parecido com todos aqueles procedimentos preestabelecidos e vazios que precisava memorizar e 'assimilar' para 'ir bem' naquele trabalho que 'suportava', mas verdadeiramente odiava. Mas o que fazer se se sabia 'preso' àquela função odiosa? Afinal, reconhecia que o destino havia, de certo modo, dado-lhe uma oportunidade ímpar em ter essa sólida posição para impulsionar tantos sonhos, como o de sair daquela cidade tosca e limitada na qual não conseguia ele visualizar qualquer futuro, ao menos não a médio prazo (quem sabe se n´um futuro distante não poderia voltar para tentar plantar alguma semente de mudança nessas terras pelas quais ele não nutria nenhum apreço especial? Bem, não acreditava muito nisso). Pois bem, no final das contas, por mais que quase todos os dias desejasse do fundo da agonia sair daquela posição quase que estéril, certamente que sabia não poder fazê-lo, que precisava seguir pacientemente tal caminho. Afinal, era sua porta certa para o mundo. Então, como viver? Bem, havia formas de escapar por alguns instantes ou horas do ambiente massificador e alienante da burocracia, que era pela via da criação! Sim, como tanto queria, criar! Quantas horas não passava ele a escrever e escrever, refletir acerca de questões que lhe tomava os pensamentos, exprimir sensações e sentimentos, expor sua individualidade e sua coletividade. Também era um tempo hábil para planejar e tratar de ações e responsabilidades coletivas que ele desenvolvia fora daquele mundo preestabelecido do trabalho. Sim, sim, sim... precisava criar! E precisava também voltar ao antigo hábito de tentar influenciar os que o rodeavam, plantando questionamentos, interagindo, participando, ao invés de se fechar na roda gigante do tempo até o final do expediente. Sim, sim... abrir as janelas nas paredes brancas (e assépticas) e prendê-las de modo a permanecerem sempre abertas e assim, quem sabe, poderia não sofrer tanto com a escuridão que vez por outra caia-lhe sobre os ombros e idéias.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
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