Quarta, 15:13
Chega em casa, sol ainda brilhando energético no céu. Vê aquele recanto da área fronteira da casa, em cujo solo um sonho de horta e convivência ele tem. E decide-se: agora. Naquela tarde carrega troncos do pé de jambo caído pela ventania deixados na calçada do vizinho solícito. Capina a terra removendo pela enésima e, certamente, não a última vez, os matos que não tardam a resistir, a crescer, a piquetar, a mostrarem que serão os últimos seres da Terra. Livre o lugar desses seres indesejados, porém exemplares em luta, põe-se a posicionar os galhos multiformes e muitisemânticos de modo a organizar de forma agradável e sonhável aquele espaço: lugar de plantar, lugar de sentar e conviver, lugar de florescer, lugar de nutrir, lugar de sombrear e por aí vai. Findas duas horas de suor respingando nos óculos, pele levemente torrada pelo sol persistente, considera concluída a primeira parte da obra: o cenário está montado, faltam xs atrizes e atores: frutas, verduras, folhas, trepadeiras, flores, bancos e poemas. Ducha-se. Aquela água que cai do filtro azul transparente lava-lhe as forças e os ânimos. Recuperado e revigorado, necessita alimento. Sobe a ladeira suave de sua rua até a floresta, caminho identitário de sua comunidade, corredor vivo e chamegante de gentes qualquer hora do dia e da noite. Enquanto anda, avista objetos. Objetos estes que não são mais o que o sistema lhes designou. Agora são o que à imaginação aprazir. Baldes tornados composteiras, privadas tornadas instalações de pop-sonho-vaso-arte. Comprados pães para a ceia, parte em busca de mudas felizes para inaugurar seu jardim público-secreto. Vizinhos ausentes ou sem mudas, caminha de volta para casa. E no meio do caminho acontece a mágica mais linda que existe nesse mundo, a arte do encontro. Pois num´é que encontra uma vizinha inesperada, uma querida de longa data, de cabelos de África e talentos vários de paladar, entre tantas alegrias de se compartilhar. Ela carrega compras de comer para casa. Ele decide acompanhá-la. Afinal, sente-se todo inusitado, todo aberto ao momento-vivido, ao imprevisto acertado. Acompanha-lhe e põem-se a conversar - parte deliciosa da arte do encontro. "Deixa eu te contar, queria muito fazer algo na Casa Caracoles [espaço cultural onde, além de tudo, mora o moço]! Vamos conversar? "Que delícia! Vamos sim! Vamo jantar lá em casa? Comprei pão! "Ah, quero sim! Tava tentando evitar pão, mas na verdade tou é com desejo! [risos] Deixa eu ver o que mais posso levar! E assim foi, fizeram, foram. Da imaginação nasceu uma bela e única refeição, nunca antes vista ou experimentada. Multicolorida e supergustativa, cuja receita nasceu e se comeu ali, ninguém tem lembrança além dos gostos. E além de repartir-se o pão, a fruta, a cor da verdura, do suco, do veio da vida, repartiu-se e semeou-se e multiplicou-se ideias sonhadas nesse ambiente fecundo. Nasceu um banquete, flagrou-se um gnomo, riu-se do impossível que a toda hora transgredimos com nossa alegria-de-ser-mais...
Imagem: Alexander Jansson
Melodia: First Look Inside - Mark Holdaway
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
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