terça-feira, 17 de julho de 2018

esdrúxulo

Tenho pensadosentido muito em você. Cheguei mesmo a sonhar dormindo contigo, e sonhar acordado voltou com tudo pra rotina. Ainda que meu inconsciente faça o possível para erguer uns mecanismos de defesa alimentado pelo incipiente amor próprio recém saído da lama, não tem funcionado muito. Não tem um só dia, umzinho só, único, solo e pioneiro, que conseguiu escapar de sua lembrança, de seu pensamento. Ainda que me aflorem sentimentos contraditórios, da ternura primaveril à avalanche dolorida, passando por tentativas de fuga e apagamento e tombando em retrospectivas e lamentos. Uma parte de mim espera piamente superar isso tudo, seguir em frente, em processo de autorestauração, de assumir a vida a partir daí, aberta pra tudo que vier, de aceitar em definitivo absoluto o feito findo finado. Acredita que é uma questão de tempo, dure o que durar, três anos no máximo, brinca, ou novo recorde, mas um dia, como já aconteceu antes, alcançarei o redentor estado de vazio desconectado e desapegado, no qual a imagem ou mesmo a presença tenham se reconfigurado inteiramente num quase anonimato vagamente familiar. A outra parte de mim já refletiu sobre os vários lugares possíveis e favoráveis para nossa futura casa, nesta e na outra cidade do desgranges, já matutou sobre os detalhes do anel de noivado, sobre os 5 nomes femininos e 5 masculinos para compor nossa lista de 20 nomes possíveis dos quais escolheremos o de consenso para uma criança fabulosa que virá um dia, já planejou viagens de carro percorrendo oásis paradisíacos litoral norte do país afora, até o meio da floresta amazônica, entre outros detalhes menos importantes desta vida ficcional que vem brincando por puro ócio cardíaco. Hoje a primeira grande recaída desde o carnaval. Espero que passe quase despercebida. Mas também já fiz uma promessa para angariar fundos celestiais para um esforço energúmeno que tem 3% de chance de realizar o impossível, de novo. Porque o impossível, no nosso caso, tem certa recorrência, o que abre o desagradável precedente de teimar em esperar ou mesmo querer provocá-lo novamente. Afinal, o que era menos improvável do que nos encontrarmos uma segunda vez? E ainda, nada poderia ser mais absurdamente delirante do que imaginar que poderíamos viver o que vivemos num terceiro, pasmo, reencontro. O quarto episódio, olha lá, parece o mais plausível de todos. Ainda que uns recônditos do meu ser torçam para o cancelamento da temporada, por não julgar ter forças para lidar com um possível desfecho de rejeição. De todo modo, independente, a vida mostra-se capaz de levantar-se e transformar-se, despojada das previsões e futurismos, ainda que necessária de certos planos e mapas coordenados. Assim, nesta madrugada de segunda para terça-feira, na casa da chuva, às 4h33, momento em que este plano está mais próximo dos outros planos, cá estou eu, renovando minha anciã tradição de terapeutizar-me em escritos esdrúxulos neste divã virtual semiabandonado, torcendo por um pouco mais de lucidez e disposição para ser digna de mim mesma, digna de sonhar e viver alguns, não tantos, mas não tão poucos, desses sonhos.

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