terça-feira, 28 de março de 2017

Temamor


Nos temos amor
numa particular forma
que envolve cultivar
saudade com um pouco de óleo
sobre chama azul e esperar
estourar uma vontade de conversar
e conviver temperados
com curry ou orégano ou até mesmo
tomilho ou mostarda os minutos
partilhados em horas de filmes marinhos
lagoas dançadas poesias em peles
sonos caminhados esperas abraçadas
shows sobre a grama motos gargalhadas
e carteiros e cartas

Tenho-lhe amor
numa particular medida
que implica absorver-lhe os dedos dos pés
e os pelos da nuca numa forma de arte só 
minha de contemplação da beleza das formas
diminutas das alegrias que me causam tua 
presença ainda que medida no ponto
suficiente para a receita dos afetos e gostos
não transbordar a forma que lhe cabe
e queimar no fundo escuro de cinzas
do coração usado achado na feira de usados
da avenida 8 desta cidade que habita em meus
matos molhados pelas épocas de chuva

00h49
28/03/17
Insônias campilhadas

Poeiras


O empoeirado abajur vermelho
das noites vermelhas de 
inferninhos e suor e gozo
já não serve mais para nada

A caixinha vermelha carcomida com desbotados cinzas 
vazia de camisinhas com teias de cabelos caídos
e recortes de frases a ocupar-lhe o espaço vazio
já não serve mais para nada

O sentimento de aperto no peito e taquicardia
e ansiedade e desejo e ânimo
de escutar todas as ladainhas
do dia dela e cozinhar-lhe doçuras e
fazer-lhe dormir com carícias entre as 
sobrancelhas
já não serve mais para nada

As histórias vividas para ter o que contar
a ela nos intervalos dos gestos da cachoeira
gelada no raiar do dia e da caverna onde
cabe um prédio de sete andares e dos nasceres do sol
madrugados da insônia causada pelas loucuras
do peito
já não servem mais para nada

Até mesmo toda a decoração das paredes
escolhida para expor como enfeites fragmentos
e retalhos puídos dos detalhes da minha idiossincrasia
cozida em banho maria com raspas de chocolate de cobertura
amarga com traços de leite e manteiga de cacau
já não serve mais para nada

Porque ela já não liga não responde 
visualiza demonstra interesse busca por conta própria
convida para uma peça de atriz ou companhia que marcou-lhe
a vida não sente nada ante qualquer referência ao vivido que lhe
passa a vista nem mesmo demonstra ter vivido aquelas infinitudes
com este que já não serve mais para nada

00h25
28/03/17
Inspirado nos poemas de Matilde Campilho lidos com um falsete sotaque mais lindo que ela tem

Com-pós-estar

A dor é tomada por fungos 
E infinitos outros microorganismos
Que dissolvem cada partícula sofrida
Em menores partes de matéria viva
Que aos poucos se desmancha em terra
E transforma os fins em começos
Faz dos restos o melhor berço
Para sementes brotarem um novo

O pesar e sofrer regeneram
Um ciclo natural de mudanças
O perdão reúne nutrientes
Que entre a tristeza dançam

Ao deitar nesse chão há abraços
Que despertam o nascer d´outros laços
As flores sempre dão nesse campo
Pois há vontade demais de fazer
Das sementes belezas de encontro
E do passado outras formas de ser

21 de fevereiro, 23h22

Faz Iscas