terça-feira, 18 de maio de 2010

mar...ginápolis

Nadar um pouco até a porto-estação mais próxima. A água anda um pouco mais quente do que era antigamente, mas continua confortável, se pegarmos aquelas correntes friinhas que vem das profundezas e evitarmos os horários em que o sol borbulha de tão quente. Na estação basta esperar que a embarcação metálica chegará, cedo ou tarde. Consciente dessa imprevisibilidade, resta à alma sã ocupar-se de qualquer outra coisa, ouvir uma canção do mar soprando no ouvido salgado ou então pensar nos altos e baixos das marés. Ancora ligeiramente no porto para a subida dos passageiros e segue em seu caminho, vagando pelas inúmeras e pré-determinadas ilhas, para onde cada um seguia. Esse conjunto incontável de ilhas, rodeadas por essas águas turvas e cinzentas constantemente percorridas por incontáveis navios, chegando ao cúmulo de causar embarcamentos (barcos enfileirados esperando a possibilidade de passarem, dado o enorme tráfego), formava um gigantesco e superpopuloso arquipélago, cada um em suas ilhas, aparentemente conectados pelas águas, mas tão isolados em suas areias particulares que não se podia chamar a formação geológica e social de comunidade. Uma ilha para trabalhar, outra para se entreter, outra para comprar (muitas vezes entreterimento e compra são uma só coisa) e assim sucessivamente, fragmentando a vida em incontáveis partes inassociáveis, reproduzindo ou induzindo um estado semelhante nos indivíduos, fragmentação e fragilidade espiritual. Esses salobros indivíduos, de espírito pouco fértil, reproduzem mais do que criam, absortos em suas rotinas deterministas e espetaculares espetáculos, que enchem-lhes os olhos de imagens e idéias prontas e industrializadas, adequadas para suas percepções já tão bem moldadas pelas instituições das ilhas. Entre as ilhas, os individuos pouco se comunicam, havendo apenas uma bem articulada comunicação corporat´ilha, necessária para as eficazes transações comerciais entre os indivíduos jurídicos, entidades não-corpóreas, mas que possuem tanto ou mais direitos que as pessoas comuns. Cada um vive em sua própria ilha, ou pelo menos este é o sonho, a ilha-própria. Partilhar a moradia com outras famílias, de maneira comunal é estigmatizado como o cúmulo da miséria, incompatível com o padrão material almejado por todos. Também para se locomoverem todos as pessoas comuns, popularmente chamados de 'peixinhos', querem uma embarcação própria, para não serem forçados a nenhum tipo de convívio além do necessário uns com os outros. O nome dessas embarcações tão almejadas é aquário. Alguns peixes revoltados que se recusam a ter ou desejar tal sonho de consumo pejorativamente as chamam de latas de sardinha, acusando estas máquinas de lançarem terríveis substâncias nas águas, degragando todo o ambiente, mas os respeitáveis peixinhos não dão atenção a eles nem as suas queixas. O que todos sonham é serem tubarões, aqueles que são donos das grandes corporat´ilhas e que, consequentemente, controlam tudo o mais, posto que tudo e todos nesse arquipélago se relacionam por meio de relações comerciais de compra e venda, sendo os vendedores os tubarões e os compradores os peixinhos. (exceto quando os peixinhos vendem sua força de trabalho para os tubarões). Todos se dizem felizes, mas a violência aquática afoga cada vez mais peixinhos e, na verdade, todos estão com água poluida até o pescoço.

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