terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Hortelãs




Ela sabia que não havia motivos para lágrimas. Afinal, os passarinhos continuavam a visitar sua varanda. As flores desabrochavam sempre que o sol saia e havia mais dias de sol do que de chuva. As hortelãs eram um exemplo de perseverança. Murchavam e renasciam, com novos brotinhos de esperança no meio dos galhinhos secos. O pé de aroeira do outro lado da rua vez por outra lhe presenteava com pimentas rosas que tornavam seu suco verde mais especial. E não se pode negar que suas inspirações para cozinha haviam retornado junto com aquelas reações que amava “nossa, que comida mágica!”. Diante do horizonte inalcançável da vida, podia escolher plantar flores a cada passo ou sair caminhando pelas trilhas de cascalho, descalço. Doía, às vezes, como não poderia deixar de ser. Mas uma boa parte do tempo era aberta às bonitas possibilidades. Criar, inventar, experimentar tudo que houvesse para experimentar. Bastava abrir bem as velas para que o vento pudesse leva-la mais longe. E que a escuridão da noite não a encobrisse com pesos, mas a envolvesse com calmarias. Naquela tarde seria acalentada por um abraço quentinho, seus cabelos acarinhados pelos dedos de carinho, compartilhariam um chocolate entre beijos derretidos, deitadas olhando para as luzes piscantes na parede, as fotografias, as fumacinhas dançantes dos incensos e das velas, cantarolando canções uma para a outra, inspiradas pelas personagens descobertas nas nuvens. A vida era um dia inteiro por vez, repleta de sabores, sensações e sonhos. Que cabe a nós criarmos.