Ela sabia que não havia motivos
para lágrimas. Afinal, os passarinhos continuavam a visitar sua varanda. As
flores desabrochavam sempre que o sol saia e havia mais dias de sol do que de
chuva. As hortelãs eram um exemplo de perseverança. Murchavam e renasciam, com
novos brotinhos de esperança no meio dos galhinhos secos. O pé de aroeira do
outro lado da rua vez por outra lhe presenteava com pimentas rosas que tornavam
seu suco verde mais especial. E não se pode negar que suas inspirações para
cozinha haviam retornado junto com aquelas reações que amava “nossa, que comida
mágica!”. Diante do horizonte inalcançável da vida, podia escolher plantar
flores a cada passo ou sair caminhando pelas trilhas de cascalho, descalço.
Doía, às vezes, como não poderia deixar de ser. Mas uma boa parte do tempo era
aberta às bonitas possibilidades. Criar, inventar, experimentar tudo que
houvesse para experimentar. Bastava abrir bem as velas para que o vento pudesse
leva-la mais longe. E que a escuridão da noite não a encobrisse com pesos, mas
a envolvesse com calmarias. Naquela tarde seria acalentada por um abraço
quentinho, seus cabelos acarinhados pelos dedos de carinho, compartilhariam um
chocolate entre beijos derretidos, deitadas olhando para as luzes piscantes na
parede, as fotografias, as fumacinhas dançantes dos incensos e das velas,
cantarolando canções uma para a outra, inspiradas pelas personagens descobertas
nas nuvens. A vida era um dia inteiro por vez, repleta de sabores, sensações e
sonhos. Que cabe a nós criarmos.
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
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