sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pernoites...


Caminhavam... sem palavras... por uma rua estreita mas acordada, de prédios antigos, velhas fachadas de outrora, em cujas janelas acontecia a noite... respingos de chuva, uns goles de suco amarelo e doce, um abraço no meio da rua, paralisados, mãos agarradas e úmidas, olhos observando tudo, cada traço, cada risco no muro, no mundo...
- Quero estar contigo para me acalmar, me acolher, me recolher... não mais que isso, 
não me toque assim, não estou afim... - Quero só um ombro, um afago, um abrigo, quero seu toque amigo, mas sem malícia agora, que não estou em hora... - Deixe-me entre seus braços, me basta teu cheiro, tua temperatura, tua pele madura, mas pare logo a tentativa, que hoje estou esquiva... - Não seja teimoso, quero apenas um repouso... nada de gozo, que não me anima ainda... quem sabe outro dia, quem sabe quinta... 
Subiram escadas, percorreram praças, passaram por rostos, não deixaram rastros. Sentados na pedra, apertados, um vácuo entre os dedos.
- Não adianta, querido, que hoje não é dia de ceia... acalme isso, sim? Brinque com meus cabelos, vou deitar-me em teus joelhos... - Noite de lua é tão linda que me deixa amena... fujo do fogo, estou mais chama pequena, de lamparina e sombras... 
Andaram calçadas, pararam paredes, molharam garoas, deitaram gramados, sem passar o tempo, naquele suave sereno, um estar arrastado, uns olhos descalços, uns pés cochilos, umas horas findas, um querer querendo que não queria... um vai que ia, quase e volta... Sentiram as folhas sob as cabeças, olhando as estrelas intocáveis... longínguas, ambíguas, mínguas, estavam relvas e cílios, lábios e ninhos... Uma concha de dois, uma meia lua de pernas, uma vontade entre as pernas que não devia, era madrugada fria e os retalhos da roupa já aqueciam... As luzes da rua azularam, as pedras do chão escureceram, o longe foi embora, o perto sumiu, ficou uma desconhecido emaranhado de corpos, tempos, lembranças, colchas e silêncios... os olhos se encontraram, mas foram adiante... o novelo se desfez, mas não foi em brincadeira... fios espalharam-se, o chão ficou lilás, a abóbada celeste desmanchou em uma névoa perfumada... 
- Venha, bonito, venha... deite agora, é sua vez... aproveite a maciez, a tez, o carinho, mas não brinque comigo, que não sou brinquedo...

Eu não tenho barco - Cícero

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