segunda-feira, 28 de julho de 2014
Cuido eu...
Que cada umx faça exatamente o que quiser, como quiser, da maneira que achar melhor
E como isto me afeta, se para o bem ou para o mal, cuido eu...
Assumo a responsabilidade pelos meus sentimentos, meus sofrimentos, meus contentamentos...
Não posso atribuir esta responsabilidade a umx outrx...
Afinal, como pode x outrx ter total compreensão do que me causa?
Só eu posso ter ou buscar essa compreensão...
O que fizer mal, que se corte a raiz do mal...
Seja afastando, seja ressignificando, seja me transformando ou transformando meu redor.
O que fizer bem, que se cultive o bem...
Sou inteiramente dado ao cuidado, ao carinho e ao afeto.
Tal não significa que não seja fundamental a busca da compreensão dx outrx
Saber o que elx está sentindo, vivendo, querendo, é parte do meu estar em relação...
E x outrx poderia buscar essa compreensão comigo a sua maneira...
Mas não está ao meu alcance garantir a realização deste gesto e sua compreensão para comigo,
Logo, não posso contar com isso...
Conto, assim, com a potencial e mais provável incompreensão, com um fazer exatamente como quiser, da maneira que achar melhor...
Ainda que esta maneira possa e venha a me fazer mal...
E então, caberá a mim prevenir ou remediar...
Autofazer-me e autogerir-me de forma a não me permitir sofrer pelos fazeres dx outrx
E autocuidar-me quando, inevitavelmente, isto se suceder.
Fox in the snow - Belle and Sebastian
Melan...chovia...
A chuva apenas turva o olhar ao longe.
Não distinguimos o que está a nossa frente.
Nem o que está a nossa volta.
Tropeçamos.
Às vezes caímos, e uma dor nos acerta.
A chuva apenas esfria temporariamente.
A roupa molhada causa um desconforto,
quando o que queríamos era estar quentes
e aconchegados.
A chuva lava, mas também suja.
Dá um certo ar de descaso aos quintais
e ao espírito.
A chuva estimula a tristeza,
ou a simples perda do movimento.
Nos provoca uma ânsia de esconder-se
e de lugares escuros.
Mas a chuva, assim como veio, se vai...
Alimenta as raízes que ignoramos,
fortalecendo os subterrâneos,
E abre-se novamente o céu
e o horizonte de infinita vista.
Take Care - Beach House
domingo, 27 de julho de 2014
Acorda
Acorda ao meio dia ao lado dela.
Acordam juntos, como que sincronizados. Deitados de lado, um de frente pro
outro, a perna dela sobre a cintura dele, a dele entre as pernas dela, ele
começa a admirá-la, enquanto ela ainda está de olhos fechados, preguiçosamente
belos. A beleza dela é um espanto. Um espanto que expande-se a cada dia. Que
toma conta do corpo dele como um céu que aos poucos vai-se nublando, aquelas
nuvens de tempestade enormes avançando por toda a vastidão de azul, até trovoar
por dentro, de emoção, de encanto, de estupefação. Ou o inverso, como se o azul
fosse uma grande energia que afugenta toda o cinza, todo o frio, e aos poucos
reanimasse o mundo com raios de sol dourados e a profundeza infinita do horizonte
agora limpo de nuvens. Os lábios dele revelam um sorriso secreto, de quem se
lembra que meses antes nem mesmo a achava bonita... Ou achava, mas, não uma
beleza que o impactasse como agora o fazia. Como pode? Como uma mesma pessoa
pode se transformar de forma tão intensa diante dos olhos que olham para fora e
para dentro? Mais uma vez confirma-se, aí, como o que ele entende por beleza,
mais do que a imagem cuja luz percebem seus olhos, é a relação que se
estabelece entre o sentir, o ser, o estar, a energia que se enlaça entre os
dois. Não que ela não fosse tão bonita quanto é agora, diante dele. Mas,
provavelmente, ele não percebesse, não se desse conta, não estivesse tão atento
quanto está agora, absorvidamente atento para quem ela é, o que ela sente, o que
ela provoca e balança nele. Enquanto ela está de olhos fechados, como que
degustando ser observada por ele, ou observando-o de forma mais sutil e
subterrânea, ele a contempla, cada traço de seu rosto, de sua boca, de seu
nariz, suas sobrancelhas, os detalhes de sua pele, seus cabelos castanhos ora
escuros, ora claros, conforme a luz, conforme a maneira como se derramam em seu
rosto. Sua mão agora pousa sobre o rosto dela, acariciando-a. Faz-lhe carinho
na bochecha, no queixo, no pescoço, na orelha, nos cabelos, e assim continua,
por um longo tempo. Uma vida sem carinho não merece ser vivida, pensa ele. O
carinho é para ele como uma função biológica, uma necessidade. Quando está com
alguém que lhe cativa, que lhe é importante, parece-lhe simplesmente absurdo
não estar em contato com a pele querida, não aproveitar os momentos todos que
existem para cultivar as gostosas sensações e prazeres que cada parte da pele,
do corpo podem sentir, prazeres suaves, calmos, delicados, ou excitantes,
despertantes, provocantes. Se aproxima um pouco mais dela, colando seu corpo
ao dela. Sua mão envolve a cintura dela, apertando-a contra seu corpo.
Acaricia-lhe as costas, sentindo a gostosa linha da espinha, e aquelas covinhas
na base da lombar que tanto o excita. E assim que ela abre os olhos, como que
atirando-lhe uma flecha de calor com aquele olhar castanho, ele a beija. E os
olhos tornam-se a fechar-se, e eles conversam longamente neste silêncio apenas
perturbado pelo som dos lábios que às vezes estalam. ´Bom dia, bonita. ´Bom
dia, amor. ´Tão tão bom acordar do seu lado. E te ver assim, de cabelos
esvoaçantes e descabelados, linda de morrer. Dá vontade de ficar pra sempre
muito nesta cama, nesta luz doida que atravessa a janela, nesse tempo que
parece que nunca mais passará, sempre nesta manhã ou tarde ou noite que nem sei
mais qual é... (ela sorri com jeito bobo) ´Eu tive um sonho essa noite. Sonhava
que estávamos num avião, daqueles a hélice, com uma cabine externa, sabe, em
que nossas cabeças ficam do lado de fora, com aqueles óculos de aviador,
olhando o céu inteiro. Você estava abraçada em mim, e nós brincávamos de entrar
e sair das nuvens, de dar voltas malucas, ficar de cabeça pra baixo, e ir aonde
quer que a gente quisesse ir. Aí a gente pousava perto de uma praia e transava
em baixo da asa, na areia, sobre uma colcha bem macia. Dizendo isso, ele fez
ela ficar sobre ele, e voltaram a se beijar. Cada beijo aumentava as vontades,
que acordavam felizes. E suavemente seus corpos se encontram. E despertam. E brincam
e animam e desfrutam, lentamente, em um ritmo próximo da manhã.. Gozam, suam,
exaurem-se novamente, deitam-se, segurando-se as mãos, respiração acelerada,
sob o vento refrescante do ventilador ao lado, descansando os corpos,
celebrando um pouco mais o estar junto, fazendo o dia um pouco mais amor.
Pequenas Margaridas - Nana
Pequenas Margaridas - Nana
quarta-feira, 23 de julho de 2014
precipício...
Chegar perto é uma ousadia. Ousar encostar, um impropério para todos os seres sérios, sóbrios... pobres. Sentir pele por pele, pelo por pelo, tato por tato, que desacato. Insensato. Nisso desato. Neste ato, sinto tanto que abro, deixo, quero, retribuo, incentivo, motivo, viro riso, floresço, cresço...
A beleza-atração, a lindeza-gravidade, a estética-humana, muito mais que um véu de imagem, se faz nos gestos da relação, das coragens, das viagens para dentro um do outro, nas conversas dos silêncios profundos que ecoam onde nos é mais sensível...
O mistério único que se partilha no código secreto do laço criado no próprio mistério que avançou os limites do previsto fecunda tão fundo que depois é difícil arrancar, não dá, essa nebulosa de afetos cheios de nós...
O inusitado é o mais precipítico caminho em que dois podem se encontrar... um encontro no inusitado é mais fatal que um nascer-do-sol, que uma estrela-cadente, que um beijo vindo do escuro. O inusitado tem a cor da tarde imprecisa, e é mais sôfrego que a flor recém-nascida...
Karen O - Arcade Fire - Trilha sonora de Her
rasgar - ir além do previsível...
Dicionário (Im)próprio de Palavras Mudadas:
Rarefeito - sensação muito singular, significativa e insubstituível...
Exasperante - uma proximidade tão grande, tão forte, que explode...
Desexistir - morrer para nascer...
Amar - imenso gigantesco corpo feminino de infinito marinho salgado curador forte incansável de tantas cores quanto existem entre o azul, o verde, o negro-lua e o branco-espuma...
Inusitado - caminho precipítico donde se cai pra dentro um do outro...
Cair - sair do lugar em que estávamos agora, mover-se, mudar-se...
Compartir - deixar ir, ir embora, junto...
rarefeitos...
Porque cada pessoa é única e insubstituível
é que nasce, talvez até inevitavelmente, algum apego...
Um apego de querer mais, de querer perto
aquele bem-estar, alegria e sensação reconfortante
que só nos teus braços posso encontrar;
em nenhum outro lugar...
Porque cada pessoa é única e insubstituível
é que não estar perto de quem amamos,
por mais que sintamos e saibamos que em tudo há amor,
nos faz sentir tanta falta... porque não nos basta o amor que há em tudo...
se queremos este amor único e insubstituível que cultivamos,
cuidamos e cuida (ou cuidou) de nós...
Porque cada pessoa é única e insubstituível
é que há tanto amor em tudo, distintos, significativos, não-aleatórios,
cada amor que é próprio, é querido por infinitas razões de desrazão,
por infinitos não sei porquê,
e que nos faz, ou me faz, querer amar ainda mais
e te fazer tanto mais bem
quanto eu te sinto única e insubstituível...
Photograph - Arcade Fire - Trilha sonora do filme Her
terça-feira, 22 de julho de 2014
Toque
Existem muitos receios ao toque...
Por que a pele também tem muros?
Por que deitar no colo demanda protocolos?
Ou segurar na mão de alguém desconforta?
Um mundo de separados
Em que a violência impregnou a intenção dos gestos
e nos tornou inseguros e cautelosos
ante o movimento de proximidade dx outrx
Em busca de um estado de coisas,
Ou no caminho de promovê-lo,
em que a pele seja um caminho silvestre
de flores de tantos perfumes
e trilhas para percorrermos
com empatia a sensação dx outrx
promovendo prazeres suaves e/ou intensos
a cada encontro de dedos
em comunicação sincera e respeito
sabendo quando e onde fazê-lo
Caminhando em forma de abundância
de carinho cachoeirando dos limites
de nosso corpo que demanda outro corpo
de nosso ser que se materializa no toque
Música - Aurora - Björk
Imagem de Rogério Fernandes
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