domingo, 14 de setembro de 2014

Ira


Contatos, relações, ausências, instantes, proximidades, abismos... Direções, movimentos, afastamento, ilusão, brincadeira, sugestão... 

Ela¹: Tão sorridente, olhos tão certeiros e redondos, presença tão alegre e cativante que inevitável é não chegar-lhe e entregar o que ela pedir. Mas, prudência ou pura impaciência, não se engane, tudo que ela te dá se desmancha no ar. Ela é o próprio furacão, cuja passagem é avassaladora, mas segue seu caminho sem que ninguém possa impedir (e assim deve ser), tropicalíssima. 

Ela²: Ri. Ri gostosamente, riso fácil, única ou principal ruptura do jeito calmo, comedido, suave dela. Olhos de floresta, cabelos de fios de água, conversa como a madrugada, em busca da luz de cada estrela vagando erma pelo infinito. Qual a medida do toque de sua pele? Qual a possibilidade primaveril de seu desejo? Desnecessário pensar. As flores nascem e se vão, de todo forma.

Ele³: Tanto carinho por pura contradição. De sua falta dá o que não tem. Abunda o que desconhece, tão longínquo se tornou a memória dos cuidados que recebeu. Se antes, ser mal-acostumado, pedia, queria, catava gestos afetivos nos meridianos de sua pele, hoje é terra arrasada, de flores do campo filhas da ausência de cuidado, do descaso,  da liberdade pura do ser sem. Às vezes mente-pensa que dá como sugestão do que gostaria de receber. Mas, não receberá. Quem recebe dele se contenta, desfruta... e esquece... ou devolve qualquer coisa que, ante o acúmulo insensível, insignifica-se. Navega num barco chamado autonomia, em que, para onde se olha vê-se tão somente mar, sal e sol. Pele ressecada, cabelo encaracolado como os crustáceos que fazem de si mesmos casas ambulantes, couraças belas, delicadas, mas fronteiras.

Mira Ira - Karina Buhr

Imagem - Chico Ludermir

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Beduíno-montanhês



Processos de transformação, ciclos de vida e morte, caminhos diversos, de tempos, ritmos, temperaturas particulares. 

Num tempo longínquo passou muitas eras no calor agradável dos trópicos afetos. Foram lugares de muitas tempestades tropicais, sim, devastações, conflitos, escassez provocada, é certo, mas também de boas colheitas, aprendizados rachantes e poderosos, pazes e ninhos.

Mudou. Mudou-se.

Saiu do trópico (ou este saiu dele). 

Alguma coisa como as planícies patagônicas de gentes e sentimentos tomou-lhe de súbito. Lugares frios em todas as estações, inóspito, irrespirável, isolador. Desavisado, inesperado, o novo clima existencial, tão antitropical, o arrasou, despreparado que estava para as provações que se sucederam. Não sabia como se cuidar, se proteger, se alimentar, respirar, se aquecer naquele universo vazio, seco e frio, tão grande onde nada se via, tão quieto que nada se sentia.

Tão só que eremitou-se, tão nada que monasticou-se. E morreu.

Quando novamente acordou, preveniu-se: aprender a viver com o cinza gelo da montanha deserta. E intrinsecou-se, enregelando-se, enrigecendo, insensibilizando o que não tinha mesmo o que sentir.

Três ou quatro nesgas de sol, de temperatura pouco mais aprazível, rapidamente iludiu-o. E tão rapidamente desapareceram que, qualquer sol inútil quer agora desperceber... Inútil, prefere desesperançar-se de sol, tão mais premente e tangível é o nublado inquebrável dessa atmosfera austral. E segue pela paisagem sem mais nada a fazer, criando só, por distração, compartilhando agoras pelo absurdo apenas, jogando sementes por ironia e teimosia marota mastigada com tédio, deixando-se ser por indefinição... Desfazendo-se até inexistir... Inexistência pura como o infinito...

Soa - Erik Satie - Gymnopédie No.1

Ódio


Quando quero me desfazer do que me faz mal, do que me incomoda, daquilo para o qual não tenho mais paciência, seja um sentimento, uma lembrança, uma vontade ou expectativa, tenho dois caminhos. O primeiro é forçar-me a ignorar e esquecer tal elemento de agonia, provocar-lhe a inexistência. 

O segundo é odiar.

Há coisas ou emoções ou vontades ou o que quer que nos persiga, que de tal forma se entranhou em nossos porões e abismos, nossas retaguardas e indefesas, que o caminho suave do esquecimento e da ignorância não basta, não funciona. A cada nível de eliminação memorial, reaparece num lugar mais além, mais aquém, mais dentro, mais inferno.

Nesses casos, mais graves e sérios (e sério para mim é uma palavra terrível, tudo que é sério é péssimo), resta a segunda opção, mais diretiva, incisiva, imperativa. É preciso agir pela ação, não pela omissão. Atacar, ao invés de desaparecer. Destruir. Matar. Morrer.

Não deixa de ser um processo espontâneo e inevitável. Se o esquecimento não funciona, aquilo que incomodava, que agoniava, passa a irritar, impacientar de forma intensa, como uma alergia, como uma praga, um mosquito insuportável de proporções humanas que não nos deixa dormir e precisa morrer.

O que eu chamo de ódio é um processo de destruição intensa. É uma energia de morte sobre algo indesejado. É, também, um método de cuidado, afinal. De cura. Odeio, para o próprio bem.

Cansa, esgota, demanda energias penosas, o ódio em si não faz o bem, mas o prepara. Que jeito?

Findo o ódio, findo o objeto ou direção do ódio, terra limpa e arrasada, mas agora disponível para florescer, revive-se.

E, de preferência, para além dos mecanismos e caminhos de cura e tratamento, intensificar os caminhos e mecanismos de prevenção, de autocuidado a priori, prévios, permanentes. Evitar tudo que causa ódio, já esquecer tudo que merecerá ser esquecido. 

Desintoxicar a (im)paciência...
Caminhar...

Música - The Storm - Patrick Watson 
Imagem - Joe Mangrum

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Simples?

Quem acha que sabe, acha que pode afirmar... e para isso, utiliza muitas palavras...
Quem acha que não sabe, prefere perguntar... e para isso, precisa de poucas palavras...