segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Próprias Notas sobre o Estado de Relações Líquidas, Livres e Afins hoje e amanhã


Vive-se, talvez, alguns de nós, em alguns sentidos e proporções, vivências e convivências e relações cada vez mais fluídas, líquidas, imprecisas, inconstantes, às vezes chamadas "livres", "pós-modernas", às vezes acusadas "insensíveis", "precárias", "neoliberais", entre tantos adjetivos e interpretações e tentativas de leituras e posicionamentos diante das situações particulares e diversas vividas por cada sujeito que interpreta e se posiciona diante deste contexto amplo, múltiplo e complexo...

Antes de tudo, lembremos que a vivência de cada um e nossa vivência particular não é totalitalizante, ou seja, não representa o todo, não significa que tudo e todas vivem exatamente o mesmo, nem mesmo algo parecido. Muitos não se identificam com tais perspectivas de relações humanas, nunca tendo vivido algo parecido. É preciso problematizar que a noção de tempo é muito ampla e possui diversas camadas. Coexistem aqui e agora pessoas e lugares e ações e vivências que se "enquadrariam" com o período paleolítico, o período medieval, iluminista, renascentista, escravista, futurista, ou seja, diversos períodos históricos se transformaram ou perduraram de formas diferentes em diversas partes do planeta. Sendo assim, muita gente vive no tempo presente relações conservadoras, sólidas, precisas, constantes, presas, fixas ou seja lá como quisermos chamar ou definir, e, claramente, bastante diversas ou mesmo opostas ao tipo de relação aqui a ser tratada. E nunca viveram coisa diferente e talvez nunca tenham nem mesmo ouvido falar. Talvez visto na televisão, um filme ou lido algo, mas, enfim, as diversas representações sempre se distanciam das experiências concretas de qualquer ser humano, pensosintointerpreto eu. E as relações aqui tratadas provavelmente não são uma novidade deste século, já existindo em outros lugares e culturas há séculos ou milênios, sendo apenas desconhecidas do senso-comum capitalista-ocidental-contemporâneo. Certamente de maneiras diferentes das que vivemos, mas próximas em princípios e essências possíveis.

Sendo assim, começo justamente por aí. Pelo fato de que muito dessas lógicas supostamente novas de viver e se relacionar de fato coadunam/se aproximam de princípios milenares de filosofias orientais pouco conhecidas e difundidas. E neste sentido, eu, particularmente, sinto bastante satisfação em, de alguma forma, entender que a sociedade contemporânea vem, ainda que de forma alienada e massificada (em tantos e midiáticos casos), incorporando ou se transformando nessas direções. Falo do zen-budismo e do taoísmo. A primeira filosofia/espiritualidade remonta ao século VI a VII após Cristo. Já o texto mais antigo relacionado ao taoísmo situa-se por volta de 1300 antes de Cristo. (Sobre a imposição ocidental de medirmos o tempo e o passado a partir da referência cristã, deixo aqui meu protesto e desgosto). Super pós-moderno, não?

Tais filosofias/cosmologias, com as quais muito dialogo e me inspiro, entendiam e entendem que a vida é mudança, é transformação, é impermanência. Que nada dura, tudo é, de alguma forma, uma ilusão, no sentido que aquilo que estamos vendo agora no instante seguinte já é outra coisa, já mudou, e nos apegarmos a qualquer coisa/ser/situação é também uma ilusão que, consequentemente, resulta em frustração e sofrimento. E isso me lembra tanto a monogamia e as relações sociais tradicionais, fixas, rígidas, que não aceitavam (e ainda não aceitam onde elas existem) as mudanças, que se consideravam imutáveis, eternas, mas que, mais dia menos dia se desmanchavam/desmancham, fosse pela separação ou mesmo pela morte, gerando imenso sofrimento e frustração...

Mas há quem diga que apego e sofrimento são indissociáveis, que quem "ama" sente "falta", quer ter "sempre" quem se ama por perto, que se não sofre, é sinal de que não amava, que precisamos de quem amamos e de quem nos ame... etc. etc. Há quem discorde, há milênios. E afirmo que tais argumentos nada mais refletem a ideologia que ao longos dos séculos buscou associar nossos afetos e movimentos com prisões e dores, de modo a, talvez, entre tantas coisas, nos fazer aceitar melhor todo o sistema social em volta baseado nesta mesma lógica, o controle, a dominação, a conservação do estado social tal como ele é.

O amor como uma falta me parece uma excelente estratégia de enfraquecimento do indivíduo, suprindo-o de suas forças, de sua autonomia, de sua independência, de modo a torná-lo mais obediente, maleável, controlável e explorável para os fins desejados pelos interesses dominantes da sociedade que adota tal lógica, seja ela qual for.

O amor como algo que se precisa, é urgente e, ainda mais, está ausente a menos que o consigamos de alguma forma externa a nós mesmos > que excelente forma de produzir artificialmente dependências, carências e "sofrências", de induzir as pessoas a se sujeitarem a diversas violências e limitações/imposições, porque, "pelo menos", a "relação" "supre" essas demandas (do mercado?).

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Então, o que significam estas relações atuais? A quais relações estou eu me referindo? 

Retomando as primeiras frases do texto, esclarecendo-as e aprofundado-as, neste momento faço uma leitura de mundo de que hoje existe uma certa tendência em alguns espaços, grupos e lugares sociais, geográficos, políticos, culturais (etc), e mais, existe mesmo um crescimento da frequência de práticas de relações sociais e afetivas pautadas por alguns princípios, ou, pelo menos, maior divulgação dessas práticas e princípios, sendo eles

Imprecisão, fluidez, inconstância, mudanças repentinas, incertezas, informalidade, multiplicidade, liberalidade/libertação (de práticas, comportamentos, estéticas, moralismos, etc), entre outras características.

Mas também

Descompromisso, insensbilidade, egocentrismo/umbiguismo, troquismo, idealismo hedonista, imaturidade, dissimulação...

A mudança permanente ou a imutável impermanência e a luta contra a mudança/impermanência do mundo

Disseram que Bauman definiu a "modernidade líquida" como um período em que "as transformações são cada vez mais velozes, as verdades nunca absolutas e uma sociedade em constante movimento, sempre mutável, se reinventando". Praticamente a compreensão zenbudista-taoísta de como o mundo e a própria vida é/está sendo, de fato, quer queiramos ou não. A diferença da contemporaneidade para os tempos de Lao Tsé está justamente na "velocidade".

Tudo está e sempre esteve em mudança constante e inelutável. Contudo, a pequenez da condição humana nos impossibilita de perceber as incríveis mudanças pelas quais passa uma montanha ao longo de milhares e/ou bilhares de anos. Por essa razão, a montanha nos parece estática, fixa, sólida, imutável. Para nosso referencial temporal, ou seja, o clico de tempo de nossas mínimas vidas, nenhuma "mudança" conseguimos perceber na montanha (os menos atentos, pelo menos. Os mais atentos, certamente podem perceber mudanças em tudo a todo instante: agora!). Nem mudanças muito mais intensas e pronunciadas da natureza, como o crescimento das plantas, as pessoas convencionais costumam perceber.

Neste contexto, muitas pessoas, por diversas razões (incluindo-se a vontade/caminho de dominação que certas pessoas passaram a se encaminhar), desenvolveram modelos de pensamento, lógicas de pensar, sistemas de ideias, ou simplesmente, ideologias, que tinham como base/princípio a conservação, permanência, a manutenção de situações, o melhor exemplo delas sendo a manutenção do poder de mando e de violência de alguns pessoas sobre outras em diversas sociedades e culturas. Outro exemplo é a promessa de "imortalidade" de algumas religiosidades, mas uma "imortalidade" estática, na figura de um paraíso, um lugar em que tudo já está alcançado e nada mais há a fazer a não ser desfrutar (o quê?), ou seja, um lugar sem mudanças, dito "perfeito". Outras ideologias vinculadas ou próximas das duas anteriormente citadas prometia (e, pasmo constata-se que ainda prometem) amor eterno aos parceiros de relações afetivas, obrigando-os a não mudarem seus sentimentos e vontades um em relação ao outro, independente de que a pessoa com quem se estabeleceu o tal pacto tenha mudado, se tornado desagradável, violenta, desinteressante, não mais atraente (em diversos aspectos) para uma ou ambas as partes.

Tais ideologias demandam uma imensa energia de resistência às mudanças, de controle das situações e ações, de cristalização/solidificação de suas estruturas de poder e de intensa repressão de tudo que possa ameaçar ou causar mudanças/transformações. Repressão de quem desafie o poder dominante, repressão/condenação de quem desafie a ordem religiosa, repressão de quem ouse "terminar" seu "amor eterno" e, pior, venha a "amar eternamente" outra pessoa.

Contudo, na modernidade líquida ou ainda na "pós-modernidade", tais estruturas ideológicas viram ruir e cair muito de suas forças, poderes e condições práticas, materiais e simbólicas, de evitar/impedir/reprimir mudanças. Outras formas de gestão política se tornaram mais intensas, outras espiritualidades ganharam espaço, influência e diversidade, outras formas de relação fugiram do controle da instituição religiosa ocidental dominante (a Igreja Católica, inicialmente, e posteriormente o conjunto das Igrejas cristãs ou o cristianismo).

Está cada vez mais "óbvio" que tudo muda. Não é que as coisas "começaram" a mudar agora ou agora as coisas estão "mudando mais". Apenas que os impactos e efeitos das mudanças se tornam mais visíveis em curtos períodos de tempo. É tão visível que até mesmo a imensa desatenção e percepção limitada do ser humano ocidental comum não pode evitar percebê-la. E, percebendo-a, muitos resultados estão acontecendo. Um deles é o desespero das ideologias, estruturas e instituições que se originaram da ideia contrária, da manutenção e do impedimento da mudança. Elas se veem tremendamente ameaçadas, em crises institucionais, de legitimidade, de perpetuação.

Continuam propagando o discurso, cada vez mais desesperados, de que não podemos viver sem o Estado, a Igreja, a Família Monogâmica (e afins). Nos ameaçam com o inferno político, espiritual e afetivo (só para citar três exemplos) caso as coisas continuem mudando e eles perdendo mais e mais poder e espaço.

Do macro ao micro, nosso cotidiano e utopias do dia-a-dia

Mas, diminuindo o âmbito de interpretação, saindo do macro para o micro do cotidiano das relações interpessoais afetivas das pessoas...

Há uma grande conturbação e conflitos em vários âmbitos quando se dialoga sobre relações livres...

Inclusive entre pessoas que aparentemente fazem crítica à monogamia e gostariam de algo além...

Existem uma série de questões conturbadas que destaco:

1) Totalizar as relações livres como "a solução" dos problemas e violências nas relações afetivas pautadas pelas lógicas dominantes (patriarcal, sexista, racista, heteronormativa, comercial, coisificante, alienante, fragilizante, opressora, entre outros atributos e práticas), desconsiderando ou não percebendo que pensar e praticar "relações livres" significa uma imensa diversidade de práticas que, de alguma forma, vão de contra ao sistema dominante monogâmico (que eu prefiro chamar de monogamismo), sem, contudo, estar "livre" de todas as contradições e desafios de toda tentativa de superar realidades que nos condicionaram e conformaram durante toda a vida.

2) Pensar, praticar ou simplesmente idealizar relações livres como processos externos à pessoa, ou seja, que não dependa, inclusive, do amadurecimento, fortalecimento, autotransformação e libertação da própria pessoa que busca tais relações livres (libertadoras, ouso dizer);

3) Continuar esperando atributos próprios das relações dominantes, fixas, contrárias ao movimento incessante da vida e dos acontecimentos, como por exemplo a satisfação de expectativas, a previsibilidade da outra (pessoa), satisfação externa das carências e inseguranças a partir de uma relação que seja uma resposta mágica ou, no mínimo, cômoda, para as debilidades que a pessoa precisa enfrentar sozinha ou, no mínimo, com maior iniciativa própria do que de terceiras. 

Sobre isso, confabulo que 1) não existem panaceias, ou seja, remédios milagrosos para todos os males e que a transformação da realidade tem infinitas dimensões, camadas, barricadas, perspectivas, possibilidades, diversidades e complexidades a serem levadas em conta e sobre as quais atuar. As relações livres se fazem alguns desses espaços de luta e transformação, sintopenso eu, em busca de relações não pautadas por lógicas e mecanismos de dominação, opressão e conservadorismo. 

2) Pensar uma relação livre começa, talvez, antes de tudo, com nós mesmos. Nossa relação conosco é livre ou nos vemos presos por medos, inseguranças, covardias, comodismos, preguiças, desonestidade com nossos sentimentos, vontades e sonhos, entre tantos outros elementos que nos aprisionam a posturas que acabam confirmando e colaborando com o monogamismo e o capitalismo? Estamos, antes de tudo ou, no mínimo, paralelamente, nos fortalecendo e nos amadurecendo para viver em um mundo em incessante movimento, transformação e liberdade? 

3) Sabemos e queremos lidar com isso? Será que são práticas do outro em relações ditas ou pretendidas livres que nos tem feito mal e, consequentemente, nos leva a criticar ou questionar tais práticas e relações ou será que, de fato, a liberdade é algo com a qual ainda não aprendemos a lidar e precisamos caminhar mais nessa direção? 

É fato, inegável e incontestável, que não é o discurso que faz a realidade nem a publicidade que materializa o mundo, ou seja, há quem apenas "diga" que "quer", "pratica" relações livres ou termos afins como forma apenas de mascarar suas práticas monogâmicas, machistas, opressoras (entre outros atributos) e, desta forma, tentar passar desapercebido em ambientes e relações que se tentam e praticam livres. Estas pessoas que apenas usam máscaras coloridas para esconder-se não passarão e contra eles lutamos como mais uma apresentação desonesta e perversa do monogamismo.

Mas para quem, de fato vem buscando superar as práticas opressoras do monogamismo em direção a construção e estabelecimento de relações tanto micro (entre pessoas) quanto macro (na sociedade como um todo) mais libertadoras, emancipadoras, saudáveis e dignas, temos muito o que fazer, em constante autocrítica e com coragem suficiente para botar a cara pra bater, arriscando-se e assumindo esses riscos. 

Sintopensopratico eu que, buscar viver relações livres demanda de nós um autoconhecimento permanente, em busca de entender mais nossas fragilidades e inseguranças, nunca naturalizando-as, mas contextualizando-as historicamente em nossas vidas e na sociedade em que vivemos, em verdadeiras arqueologias de nossos medos e rachaduras, de modo a transformá-las, nos refazendo constantemente de modo a potencializar nossos caminhos e potencialidades. 

Na descoberta de nossas potencialidades e movimentos próprios, percebemos que, independente de qualquer pessoa, temos vontades, sonhos, interesses, desejos, ímpetos por direções que nos faz estar em movimento assim como a vida está em movimento, livre ou independentemente de qualquer amarra ilusória que uma sociedade baseada no conservadorismo e manutenção de ordens dominantes tente fazer. Sendo assim, duplamente nos fortalecemos, sempre cuidando de nossas fragilidades e cultivando nossas fortalezas.

Fortalecidos, evitar os vícios dominantes de uma "realidade" rígida e controlada (controladora), como as expectativas e respectivas frustrações. A liberdade é, por si só. Não somos livres "quando o outro" faz algo, nos responde de certa maneira desejada ou satisfaz nossas demandas e carências. Somos livres, principalmente, penso eu, quando o outro não faz nada disso e mesmo assim, seguimos nossos caminhos, pois temos autonomia, cuidamos de nós mesmos e não "precisamos" de ninguém, ao contrário, "queremos" estar com as pessoas (sem vínculos de dependência e dominação).

E, outra característica fundamental, estarmos atentos: ao mundo, à vida, às pessoas. Ler com atenção tudo que é dito e seguir o movimento das coisas como elas são. Se alguém não quer nos ver, não será nossa frustração, persistência ou cobrança, como ensina o monogamismo, que manterá esta pessoa "sob nosso controle" e a obrigará a "nos amar" conforme queremos, ou seja lá o que quisermos. É preciso perceber os movimentos, nossos e das outras, evitando sempre a estagnação pela não aceitação do que se transformou de forma diferente da que "queríamos". 

Ir e deixar ir, amar e deixar amar, não esperar pela outra pessoa, querendo que ela seja ou faça da forma que gostaríamos, mas ser, movimentar-se, seguir nossos caminhos... Quem estiver por perto, porque quer estar por perto ou cujo movimento faz ela perto e porque eu quero estar perto, ótimo... quem for embora, porque quis ir embora ou seu movimento a levou para longe, ótimo... O que importa é vivermos a liberdade com autonomia e gratuidade, cuidando sempre de quem queremos cuidar e entendendo que o cuidado exige responsabilidade, sinceridade e respeito, o que significa tratar a outra da melhor maneira possível, sem com isso nos aprisionarmos às expectativas ou exigências da outra pessoa.

Muitas críticas existem ao estado líquido e a liquidez em diversos âmbitos, este/a estado/qualidade belo/a da água, por exemplo. O taoísmo há muito usava o exemplo da água como o mais sublime dos exemplos: a água nunca "pára" seu movimento, sempre buscando seguir seu caminho. Se encontra um obstáculo, o contorna, se não pode contornar, se acumula até poder passar por cima dele, se não consegue se acumular, evapora e esvai-se, seguindo seus fluxos incessantes. O rio sempre em busca do "caminho mais fácil" (ou sem obstáculos ou sem resistências contra seu movimento natural), prefere às vezes fazer voltas maiores, seguindo o fluxo da gravidade e evitando elevações e o que quer que seja evitável, para chegar ao infinito? à liberdade? ao mar (infinito e livre?)...

A infinita e sublime incompletude

Essas notas são um constante processo de práxis, reflexão e prática de outras formas de nos relacionarmos em liberdade e libertando-nos e colaborando com a liberdade da outra, sempre. Vamos dialogar mais a respeito de nossas práticas e reflexões/conceitos/ideias?

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