Infinitas frases, reflexões, versos, perdem-se
dentro de mim, escritos oralmente, mentalmente, ditos em voz alta, andando na
rua, nalgum lugar escuro, perdida-mente. Não tenho forças nem tempo ou
irresponsabilidade o suficiente para escrever tudo que gostaria, que
precisaria, que eventualmente ou tempestuosamente nasceu e se fez rogar ou
gritar em mim.
Mas algumas necessidades verbais sobrepõem-se às
outras. Passam por cima das catracas, pulam as cercas, atropelam as outras,
empurrando ombros, gritam, rasgam barreiras, se chocam contra tudo que as
impede, conflitam até se fazerem inteiras, jogadas em seus destinos, escritas,
finalmente expostas e despidas, dilacerando tudo que lhes alcança.
Lembro que sonhei certa vez, sob a atmosfera desse
rangido gemido de auroras frusciantes, poder derramar-lhe amor cheiro de
capim-santo, grama-limão, e delicadamente dedilhar-lhe as notas da pele,
vibrando emoções sonoras e táteis, dedicando-lhe toda atenção que minha Vida
pudesse, imaginando-me, senão mesmo fazendo-me inteiramente em ti, ali, calor,
amor, sabor, olor.
Mas ao invés, viestes acompanhada, apartada,
aleatória, me doeu, me abandonei, quis abandonar-te, ir-me embora.
Dentre os meus inúmeros defeitos, está minha grande
dificuldade de abandonar. Abandonar tudo que quero, tudo que sonho, tudo que
sinto, tudo que sou, tudo/todas que amo, abandonar esse barco furado e a
deriva, abandonar essas ilhas cercadas de corais, impossíveis de chegar, mas
cuja paisagem e brisa e cheiro e mínimo aproximar impossibilitam, abandonar-me
a angústia para poder dormir, abandonar a derrota pra poder seguir, abandonar
os erros e o passado para poder ser aqui, mas os traumas pesam, as curas são
demasiado leves e o vento desmancha, a cabeça grita, o sono tira sarro e tudo
explode.
E novamente me sinto cometendo gestos que podem se
tornar novas dores, novos pesares, novas âncoras.
Quis ir embora. Ir embora é como uma utopia. Um
eufemismo para inúmeras possibilidades. Fuga. Reset. Qualquer outra coisa. Mas
dificilmente consigo. Até ser expulsa. Quando já é tarde.
Talvez meu principal talento seja errar. Avaliando
bem os últimos acontecimentos das décadas recentes, tenho tido resultados muito
acima da média. Ou não, seja só uma impressão equivocada, outro erro.
Desistir. Morrer. Nem morrer eu sei. Nem desistir.
Desisto, morro, mas ainda me sinto um respiro. Tento de novo, e me vejo
ruborizada por algo ainda vivo. Me asfixio, desidrato em rios corpóreos afim de
desconscientizar-me, mas ainda estou aqui.
A ponta da lança, jogando-me contra as pedras,
despedaçando-me, perdendo-me em tanto que não me cabe, desesperando.
De ponta-cabeça, perdida.
Por quase toda minha vida experienciei o
isolamento, o sentir-me sem ninguém para e com quem contar, confiar, em quem
poder apoiar, cuidar e partilhar dignamente. Há uns anos pensei ter mudado esse
caminho, estabelecido novas formas de relação, troca, apoio-mútuo. Sinto que o
movimento se reverte, que nova onda de distanciamento se assoma, expande,
empurrando tudo um pouco mais pra longe do já não tão próximo.
A montanha se aproxima, símbolo maior dessa solidão
que me define (?) O lugar das mil cavernas, das caminhos labirínticos que não
permite a ninguém desconhecida chegar, andando em voltas e forçosamente se
perdendo e nunca chegando. O lugar das concentrações de forças para retornar e
tomar o sonho de assalto. O lugar das pressões e calores estonteantes, dentro
da qual o carbono se faz cristal, brilho, arte inestimável da natureza, e o
coração se faz pedra, translúcida, valiosa, mas ainda assim vazia.
Não quero mais chegar em nada, desisti, me esforço
para continuar desistindo. Auto-estima está mais para auto-estigma.
Alma-diçoada, condenada a esse perambular tonta e tolamente. Trágica e tosca,
torta e tolhida. Morro e só me resta morrer. Ainda que fingindo.
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