sexta-feira, 25 de setembro de 2015

La Peliroja de Fuego (parte 1)




Dizem que se observares atentamente a chama, em especial de um fogo aceso em ritual, emanado por energias intensas de magia, tu poderás vislumbrar ao menos as sombras das salamandras, seres místicos que habitam a zona mais vermelha e calorosa do fogo. Dizem que se pores tua mão nas pontas azuis da chama, poderás sentir o beijo da salamandra, que não queima a pele, mas incendeia o espírito.
 

Dizem que certas mulheres, que naturalmente ou por meio de encantos avermelham seus cabelos, atraem estes seres para dentro de seus corposespíritos, transformando-se em fogueiras-humanas que incendeiam tudo que as toca. Eu conheci uma dessas salamandras com linhas e gestos e vozes e olhares humanos.



Ela tinha nos pés e nos quadris um rebolado misterioso, oriundo de suas raízes fumegantes nos desertos do Egito. Em seu ventre e em sua vagina existia como um caldeirão de carne e brasas incandescentes e líquidos borbulhantes. Sua pele alva escondia a sua lava sanguínea – mas bastava tocá-la mais intensamente para despertar-lhe a vermelhidão mais sincera da pele. Mas seus cabelos não escondiam seu incêndio ondulante, que balançava lançando fagulhas pelo vento, eventualmente tocando outros cabelos ou peles e causando inevitáveis devastações de ardências e sofreguidões.



Chegou às terras da ilha-continente da Tartaruga por meio dos navegantes mouros, que após conquistarem a ibéria lançaram-se ao mar em busca de novos povos com quem intercambiar as artes negras e obscuras do autoconhecimento e da autoexplosão. E desta origem guardou seu nome castelhano, La Peliroja de Fuego. Eu a conheci, ou melhor, ela me conheceu durante uma peregrinação a ilhas recém-nascidas de erupções vulcânicas. Os oceanos, poucos sabem, guardam imensas bocas de fogo que cospem novas filhas constantemente. Há poucos milhares de anos nasceu a ilha Cacira, palavra que significa maribondo na língua tupi, assim nomeada pelas tribos oceânicas que ali passaram e partiram em razão da escarpada montanha que se projeta no centro da ilha como um ferrão e da praia de peculiar formato arredondado, lembrando a sedutora bunda do inseto temido.



Na ilha habitava também uma variedade muito distinta de maribondo, que a semelhança das abelhas, produzia um néctar adocicado e avermelhado denomiado pelos índios de yapira, cujas propriedades gustativas e estimulantes dos sentidos e dos desejos foi muito apreciada pelos índios que por ali passaram. Antigas histórias dos povos nômades dos oceanos contam que na ilha Cacira se realizavam rituais profanos, em oferta aos espíritos vermelhos da Terra, temidos por suas perigosas manifestações vulcânicas. Conta-se de índios que tiveram seus corpos cozinhados por imprudentemente entrarem nas águas marinhas demasiado próximos dessas salamandras do mar.



Denominados Carirardos, estes rituais pediam clemência à impiedosa volúpia da grande embarcação Terra. E não raro as sacerdotisas e sacerdotes que os realizavam sucumbiam à morte pela exaustão sexual, tamanha fervorosidade eram dedicados às práticas orgíacas.



Cheguei naquela ilha na minha companheira de destemores Calé, termo árabe que significa cigana, minha estimada embarcação. Feita da madeira negra que nasce apenas nas florestas vulcânicas da patagônia, ela é pequena, veloz e amiga das tempestades. Vi minha vida ser salva por este ser-embarcação mais vezes do que posso me lembrar. Levei-a a praia e pequena como ela é, consegui trazê-la por meio de um sistema de troncos e cordas para de baixo dos coqueiros próximos. E então a Calé se transformou num acampamento árabe típico, com suas imensas velas se transformando em tendas e os tapetes que acolchoam seu interior se convertendo em camas macias sob a areia. Acesa a fogueira e posto para queimar incensos para agradecer a chegada àquela ilha, pus-me a explorar as redondezas.



Ouvi falar pela primeira vez sobre a Cacira num porto clandestino, só conhecido pelos nômades do mar, numa bacia escondida duma ilha do índico – mares perigosos habitados pelos temidos piratas somalis. Contaram-me sobre o pico da ferroada, no alto do qual existem certas rochas que parecem cristais de fogo, cujo brilho, quando a luz do sol ultrapassa seu interior, se assemelha à própria estrela-mãe. E advertiram-me: chegar ao pico é uma tarefa tão árdua e confusa que se converteu em uma enigmática e desejada peregrinação para os monges e druidas navegantes que ainda vagam pela Terra.



Eu, como aprendiz de bruxa-cigana-zen-lunática (sincretismo muito particular das minhas vidas passadas), zarpei imediatamente para a localidade obcecada. Em poucas horas de exploração das praias da ilha, percebi que não estava sozinho, ainda que a ilha não fosse permanentemente habitada por nenhuma tribo, pois se acordou há muito tempo que ela deveria ser guardada como lugar sagrado. Descobri sinais de fogueiras, de comida e até mesmo de fluídos sexuais nas areias sob os coqueiros. Mas pelas marcas parecia ser apenas uma pessoa. Quem seria? Como teria chegado ali?



Eu podia sentir uma energia poderosa naquela presença misteriosa. E isto se mostrou para mim como um sinal intenso do destino. Em dois dias circundei a ilha inteira e retornei à minha tenda-navio. Realizado este perímetro exploratório, podia iniciar a mais delicada entrada ao interior denso e exuberante da ilha.


domingo, 20 de setembro de 2015

Contos Caracoles



I
O estalo, o desenraizamento, o retiro, o pouso

Quarta-feira, 54, trepidando pela rua da lagoa, rua do sofá amarelo, rua da pousada dos pássaros. Estala, subitamente, em mim, uma iluminação. E novamente minha vida toma novo rumo. Naquela noite inusitada repentinamente percebi que precisava sair de onde estava e me estabelecer n´outra parte. Mudar. Mudança, palavra da Vida. Mudança, tatuagem do peito. Mudança, coreografia do agora.

Naquela noite vi, como naquelas visões de quem tem a Visão, premonição, adivinhação, ou simples e pura, mas da pura mesmo, imaginação, uma outra vida, em outro lugar – e o lugar eu já sabia qual era. Mas não podia imaginar que seria tão bom quanto está sendo – mas isso é outra história.

Foram duas semanas resolvendo perrengues antes de jogar a bomba – vou embora! Uma das melhores bombas!

Foi uma semana louca encaixotando tudo, os livros, as memórias, as frustrações, os sonhos, as vitórias e os fracassos.

Joguei tudo no ninho que estava recém-nascendo e, como gaivota criada, parti para longe (aff!), para milhares de quilômetros e milhares de experiências, vivências e paixões que iriam me transformar ainda mais para o que eu estava para viver aqui. Eu tento não ser nômade, mas o nomadismo não sai de mim.

E quase um mês depois volto, encontro, como se pela primeira vez, essas paredes, esse chão de pedras, essa varanda ainda cinza, esse espaço tanto que anseia por se preencher de mim.


II
A desforra dos Livros

Confesso, sou um acumulador de livros. Aquele tipo de pessoa que compra livros quando está triste, para ficar feliz, compra livros quando está feliz, pra comemorar, compra livros quando está tudo normal, pra dar uma animada, sair da mesmice, enfim, que tem uma relação até certo ponto doentia e compulsiva com livros, mas não tanto quanto gostaria [haha]. Aquele tipo de pessoa que conta os livros na estante e se compraz de um número possivelmente “digno” e que demonstra alguma coisa sobre o meu “caráter”. Vaidade livresca, egocentrismo de papel, provavelmente. Estou trabalhando nisso.

Ano passado eu conheci um cara que me inspirou profundamente. Ele é livreiro na cidade dos bons ares. E me contou uma obscenidade que me deixou inquieto. Ele lia um livro por semana. Mentira, eu pensei. Humanamente impossível. E não é que neste ano absurdo isso me sucedeu?! Pasme.
 

Acontece que para mim mudança quer dizer, mais do que tudo, caixas e mais caixas de livros, para desfazer a(s) estante(s) e para refazer a(s) estante(s). Cada vez que fiz isso na vida foram histórias, companhias, alegrias e muito trabalho também, porque, afinal, haja livro – parece até que procriam. E, melhor do que tudo, a atitude madura de quem reconhece quais livros já não me representam e que, consequentemente, podem e devem buscar seus novos caminhos e leitores. Uma caixa inteira de livros inqueridos e dois dias mágicos rodando sebos em busca dos novos tesouros perdidos. Foram cerca de vinte e poucos livros que se transmutaram em oito deusas de papel. Eu as amo, todas. E me fazem muito feliz.

III
Primeiras

Nenhuma casa pode ser chamada de casa sem você haver transado ela pela primeira vez. Porque é a primeira foda que dá o tom (ou não) da acústica local, vocal e visceral. Tudo ainda encaixotado, sem lençóis para cobrir a cama, no chão da sala mesmo, sobre almofadas e colchas presenteadas, ao ritmo das imprevisibilidades dos corpos, malditos, queridos.

Nenhuma casa pode ser chamada de casa sem você haver comido ela pela primeira vez. Feito a primeira feira de frutas e legumes, feito as primeiras feitiçarias gustativas. A primeira lasanha de berinjela cujo encantamento a impedia de terminar e cujo recipiente-assadeira era tão lindo que enfeitava a geladeira.

Nenhuma casa pode ser chamada de casa sem você haver plantado ela pela primeira vez. Organizado enfim o verde no olhar, nos dedos, na varanda. Não basta apenas molhar a terra, é preciso situá-la no espaço externo e interno, colocá-la no plano imaterial do sentimento e transformá-la em sua própria existência.

Nenhuma casa pode ser chamada de casa sem você haver dormido ela pela primeira vez. Deitando seus olhos nos sonhos e no sonho que se realiza(m), no novo quarto que agora aconchega seu ser, sua forma de ver e viver o mundo e sua própria vida.


IV
Am´Orgasmo

Essa Casa já é palco dos melhores dias da minha vida. Nela já habitam as maiores belezas e os encontros mais bonitos. Nela os sentimentos e os sentidos são apenas uma só palavra e vivência: am´orgasmo.

V
Aberto Debute e Celebração

A magia é a realização da vontade – e esta casa também. Sendo assim, tudo aqui está cercado de magia. A magia está cercada de mim, ou o inverso, ou tudo e mais. A casa inteira é um templo, um altar, um santuário. A casa é protegida por símbolos e quereres invencíveis e se transforma e cresce e brilha como flores espontâneas no jardim.

Para marcar e impulsionar tamanha potência e potencialidade, fez-se necessário um ritual igualmente potente e potencializante. Um ritual para agradecer à Deusa, à Vida, ao Movimento, tudo que é, foi e será. Um momento para agradecer a todas que estão comigo por todo amor que temos, me têm e lhes tenho. Uma dia e noite para celebrar a existência que escolhemos existir. Um instante, afinal, para deixar claro que na vida existiu um antes e um depois desta casa.


A música do dia - Mutilation is the most sincere form of flattery - Marilyn Manson

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

13 Contos Nus (Parte 1)

I

A Deusa não anuncia sua chegada, não envia recados ou mensagens, não perturba a limpidez das águas, mantendo-as ansiosas e contidas em suas ânsias líquidas, ondulantes, potencialmente tempestuosas.

Naquela madrugalvorada do dia de Marte o Sacerdote aguardava a estrela decadente que poderia revelar ou não a vinda Dela. Porque naquele dia estava para se iniciar o que poderia ser a mais intensa vivência mística que aquele dedicado e lunático monge profano jamais havia vivido.

Primeiro peregrinou ao longínquo campo de pouso dos seres longínquos. Sem saber quem encontraria, se encontraria. Chegou antes do tempo, demasiado ligeiro foi seu voo até lá. E esperou, perambolando d´um lado pr´outro, angustiado, sem saber se ali estaria sua luz ou sua treva.

E depois de eternidades elviríticas, já desesperado, desesperançado, aceitando os fatos duros da vida de que a Deusa não viria, eis que, para o tremor de suas pernas, para o disparar de seu peito, para o frio em sua nuca, para o calor em suas mãos... Ela surge, vem em sua direção, envolta em névoas, sombras, mariposas...

Ajoelhado na grama úmida da manhã, ele demora para assimilar a surpresa, a louca alegria de vê-la ali, diante dele. Pasmo, terno, quase explodindo, ele se levanta e ela o abraça. E o mundo acaba que assim seja e assim será.

II

Ao chegarem à Torre Sagrada do Caracol, local que receberia a Deusa em sua estada sobre a Terra, elas, Deusa e Sacerdote, logo uniram-se no primeiro ritual profano de satisfação dos prazeres do universo, ofertando pele-terra, suspiros-ar, suor-água e orgasmos-fogo para a consagração primeira.  Pois que o universo, este imenso orgão negro em expansão, em explosão, em cadências astrológicas e erógenas, precisa nutrir suas galáxias com gozos.

O primeiro encontro do rio com o oceano, da rocha derretida em erupção com a atmosfera, da vida nascida com o mundo nascente, da pele divina com a pele ao dente, esse primeiro encontro delas duas selou o mistério que percorreriam aqueles 13 dias. Um mistério de conexão-una, um mistério de emoção-pura, um mistério de tesão-loucura, um mistério de ardência-afeto, um mistério de intensos mistérios.

Um grito, vários, rastros vermelhos pelos corpos, umidades inundantes de interiores e exteriores, ritos e gestos sagrados - arrasados pela entrega aos desígnios maiores e melhores - derramaram-se no leito desta pequena morte - que abriu as portas para outra vida naqueles dias.

III

Alimento. Tudo que é vivo um dia é alimentado, outro dia é alimento. Tudo que é vivo é alimento. A vida alimenta a vida. E pra manterem-se vivos, Deusa e Sacerdote puseram-se a caminho do alimento, iniciando novo ritual - o preparo sagrado, impregnado de amor infinito e afeto místico, do alimento. Comida-prazer, comida-paz, comida-forças, comida-magia. E todos os dias ao preparo do alimento se dedicava a divina arte de amar por meio da culinária e da degustação da beleza em forma de alimento. Nus, certamente, pois que nus viemos, nus existimos e nus alimentamos.
Nus alimentamor.

IV

Na pele Dela há sementes. No corpo Dela há nascentes. Em Seus ombros se põe o sol. Em seu corpo nu se nutre a natureza, Deusa da fertilidade verde da vida perfumada das ervas e flores e espontâneas e árvores e hortas. Com seu cálice azul ela despeja na terra seu líquido mágico, que penetra pela respiração e poros do solo e chegam às veias-raízes e sobem ao alto das folhas e transcendem em aromas e sabores. Com seus olhos negros ela canta danças populares do Amar´anhão que embalam as hortelãs e ervas doces e manjericões e alecrins e todas as demais irmãs do jardim. Com seu hálito de flauta ela brilha a clorofila e aviva a pele suave das plantas-duentes, esses seres suaves e ternos, que transformam luz em vida.

V

A noite chega com sua sombra pálida de lua minguante. Ele acende as velas-guias que abrirão portas e janelas sutis dos pensamentos, dos afetos e dos quereres naquela noite de belezas partilhadas. Deitados no chão de pedra, sobre almofadas macias, ao som de canções que lhes fazem bem, eles contam suas histórias, seus devaneios, suas intuições, o que lhes dá na boca, o que lhes quer mais. Sob a luz bruxuleante das chamas negras, roxas, rosadas, perfumadas, eles derretem o chocolate mágico transmutando-o por meio da alquimia em um fruto negro para incendiar os amores dos dias seguintes.

VI

Os coelhos são seres afamados de pervertidos, de tarados, de ensandecidos fornicadores, endiabrados fudedores, de insaciáveis seres de prazeres sem fim. Pois sim, a Deusa demanda, em sua infinita luxuriante alegria, uma oferta infinita de orgasmos, de prazer, de gozos, de delícias, de doçuras corporais e danças de amor. Sim, Deusa e Sacerdote se fazem coelha e coelho em sacrifício vibrante, dedicando-se e esgotando-se em inundar céus e terras de am´orgasmo. Que respinga estrelas cintilantes e gotejantes no céu quando o prazer é maior que a noite.

VII

A praia das 7 areias é um lugar sagradíssimo nas histórias de vida do Sacerdote. O Mar é o Deus que copula dia e noite com a Deusa Praia. E nas coxas, panturrilhas, quadris, bumbum, costas, braços da Deusa praia o Mar deixa suas marcas, faz dessa pele mais macia, esculpida, delicada, rija, inchada, molhada, movediça, manguente, entrechocada. Eles caminham pela praia em peregrinação de conhecimento e contemplação e alegriação do belo e sublime que é o Mar na Praia, a Praia no Mar.

A Praia veste em seu pescoço um colar de rochas onde o Mar se deita, se joga, se quebra, se derrama, se explode, se atira. Eles sobem as pedras, para brincar de equilibristas bêbados tentando não pisar nas bolas negras e pontudas. E diante do espetáculo das ondas brancas-espumas-nervosas do Mar que não se cansa nunca de beijar a nuca da Praia, eles decidem se sentar e sentir no rosto-corpo toda loucura-vontade marinha de amar o litoral. Onda vai, Onda vem, explode, quer mais, brinca, finge que será poderosa, vem de mansinho - até que, sem que eles notem - BOO! E são levados risos molhados surpresos susto de tanta água que molhou tudo e os deixou mais pra lá. Excitados por tamanho orgasmo de ondas, levantam-se e seguem em busca das cachoeiras perdidas de cílios de olhos de água salina. E após aventuras, medos e caminhos tortuosos de águas, musgos e piscinas perigosas, eles chegam, descem pelas escadas-pedras e afinal recolhem-se na caverna mágica multicolorida, rindo, abraçando-se, aquecendo-se, beijando-se mil beijos de estrelas do mar. E BOO! O beijo de ondas do mar de repente despeja-se do céu, do teto, da caverna, envolvendo-os em mágicas paredes de água-espuma-arco-íris. E lá eles vislumbram a emoção do fundo do mar.

Léguas submarinas depois, famintos pelas explorações e belezuras, degustam a tapioca dançada com peixinhos, quitute típico, identitário daquela Terra.

E caminham, peregrinam, nadam, andam, cantam, dançam, amam, celebram, praiam e oceanam. E ali deixam a lembrança mais bonita do estar mais bonito entre Praia e Mar.

Evidence - Marilyn Manson - para sentir forte