sexta-feira, 18 de setembro de 2015

13 Contos Nus (Parte 1)

I

A Deusa não anuncia sua chegada, não envia recados ou mensagens, não perturba a limpidez das águas, mantendo-as ansiosas e contidas em suas ânsias líquidas, ondulantes, potencialmente tempestuosas.

Naquela madrugalvorada do dia de Marte o Sacerdote aguardava a estrela decadente que poderia revelar ou não a vinda Dela. Porque naquele dia estava para se iniciar o que poderia ser a mais intensa vivência mística que aquele dedicado e lunático monge profano jamais havia vivido.

Primeiro peregrinou ao longínquo campo de pouso dos seres longínquos. Sem saber quem encontraria, se encontraria. Chegou antes do tempo, demasiado ligeiro foi seu voo até lá. E esperou, perambolando d´um lado pr´outro, angustiado, sem saber se ali estaria sua luz ou sua treva.

E depois de eternidades elviríticas, já desesperado, desesperançado, aceitando os fatos duros da vida de que a Deusa não viria, eis que, para o tremor de suas pernas, para o disparar de seu peito, para o frio em sua nuca, para o calor em suas mãos... Ela surge, vem em sua direção, envolta em névoas, sombras, mariposas...

Ajoelhado na grama úmida da manhã, ele demora para assimilar a surpresa, a louca alegria de vê-la ali, diante dele. Pasmo, terno, quase explodindo, ele se levanta e ela o abraça. E o mundo acaba que assim seja e assim será.

II

Ao chegarem à Torre Sagrada do Caracol, local que receberia a Deusa em sua estada sobre a Terra, elas, Deusa e Sacerdote, logo uniram-se no primeiro ritual profano de satisfação dos prazeres do universo, ofertando pele-terra, suspiros-ar, suor-água e orgasmos-fogo para a consagração primeira.  Pois que o universo, este imenso orgão negro em expansão, em explosão, em cadências astrológicas e erógenas, precisa nutrir suas galáxias com gozos.

O primeiro encontro do rio com o oceano, da rocha derretida em erupção com a atmosfera, da vida nascida com o mundo nascente, da pele divina com a pele ao dente, esse primeiro encontro delas duas selou o mistério que percorreriam aqueles 13 dias. Um mistério de conexão-una, um mistério de emoção-pura, um mistério de tesão-loucura, um mistério de ardência-afeto, um mistério de intensos mistérios.

Um grito, vários, rastros vermelhos pelos corpos, umidades inundantes de interiores e exteriores, ritos e gestos sagrados - arrasados pela entrega aos desígnios maiores e melhores - derramaram-se no leito desta pequena morte - que abriu as portas para outra vida naqueles dias.

III

Alimento. Tudo que é vivo um dia é alimentado, outro dia é alimento. Tudo que é vivo é alimento. A vida alimenta a vida. E pra manterem-se vivos, Deusa e Sacerdote puseram-se a caminho do alimento, iniciando novo ritual - o preparo sagrado, impregnado de amor infinito e afeto místico, do alimento. Comida-prazer, comida-paz, comida-forças, comida-magia. E todos os dias ao preparo do alimento se dedicava a divina arte de amar por meio da culinária e da degustação da beleza em forma de alimento. Nus, certamente, pois que nus viemos, nus existimos e nus alimentamos.
Nus alimentamor.

IV

Na pele Dela há sementes. No corpo Dela há nascentes. Em Seus ombros se põe o sol. Em seu corpo nu se nutre a natureza, Deusa da fertilidade verde da vida perfumada das ervas e flores e espontâneas e árvores e hortas. Com seu cálice azul ela despeja na terra seu líquido mágico, que penetra pela respiração e poros do solo e chegam às veias-raízes e sobem ao alto das folhas e transcendem em aromas e sabores. Com seus olhos negros ela canta danças populares do Amar´anhão que embalam as hortelãs e ervas doces e manjericões e alecrins e todas as demais irmãs do jardim. Com seu hálito de flauta ela brilha a clorofila e aviva a pele suave das plantas-duentes, esses seres suaves e ternos, que transformam luz em vida.

V

A noite chega com sua sombra pálida de lua minguante. Ele acende as velas-guias que abrirão portas e janelas sutis dos pensamentos, dos afetos e dos quereres naquela noite de belezas partilhadas. Deitados no chão de pedra, sobre almofadas macias, ao som de canções que lhes fazem bem, eles contam suas histórias, seus devaneios, suas intuições, o que lhes dá na boca, o que lhes quer mais. Sob a luz bruxuleante das chamas negras, roxas, rosadas, perfumadas, eles derretem o chocolate mágico transmutando-o por meio da alquimia em um fruto negro para incendiar os amores dos dias seguintes.

VI

Os coelhos são seres afamados de pervertidos, de tarados, de ensandecidos fornicadores, endiabrados fudedores, de insaciáveis seres de prazeres sem fim. Pois sim, a Deusa demanda, em sua infinita luxuriante alegria, uma oferta infinita de orgasmos, de prazer, de gozos, de delícias, de doçuras corporais e danças de amor. Sim, Deusa e Sacerdote se fazem coelha e coelho em sacrifício vibrante, dedicando-se e esgotando-se em inundar céus e terras de am´orgasmo. Que respinga estrelas cintilantes e gotejantes no céu quando o prazer é maior que a noite.

VII

A praia das 7 areias é um lugar sagradíssimo nas histórias de vida do Sacerdote. O Mar é o Deus que copula dia e noite com a Deusa Praia. E nas coxas, panturrilhas, quadris, bumbum, costas, braços da Deusa praia o Mar deixa suas marcas, faz dessa pele mais macia, esculpida, delicada, rija, inchada, molhada, movediça, manguente, entrechocada. Eles caminham pela praia em peregrinação de conhecimento e contemplação e alegriação do belo e sublime que é o Mar na Praia, a Praia no Mar.

A Praia veste em seu pescoço um colar de rochas onde o Mar se deita, se joga, se quebra, se derrama, se explode, se atira. Eles sobem as pedras, para brincar de equilibristas bêbados tentando não pisar nas bolas negras e pontudas. E diante do espetáculo das ondas brancas-espumas-nervosas do Mar que não se cansa nunca de beijar a nuca da Praia, eles decidem se sentar e sentir no rosto-corpo toda loucura-vontade marinha de amar o litoral. Onda vai, Onda vem, explode, quer mais, brinca, finge que será poderosa, vem de mansinho - até que, sem que eles notem - BOO! E são levados risos molhados surpresos susto de tanta água que molhou tudo e os deixou mais pra lá. Excitados por tamanho orgasmo de ondas, levantam-se e seguem em busca das cachoeiras perdidas de cílios de olhos de água salina. E após aventuras, medos e caminhos tortuosos de águas, musgos e piscinas perigosas, eles chegam, descem pelas escadas-pedras e afinal recolhem-se na caverna mágica multicolorida, rindo, abraçando-se, aquecendo-se, beijando-se mil beijos de estrelas do mar. E BOO! O beijo de ondas do mar de repente despeja-se do céu, do teto, da caverna, envolvendo-os em mágicas paredes de água-espuma-arco-íris. E lá eles vislumbram a emoção do fundo do mar.

Léguas submarinas depois, famintos pelas explorações e belezuras, degustam a tapioca dançada com peixinhos, quitute típico, identitário daquela Terra.

E caminham, peregrinam, nadam, andam, cantam, dançam, amam, celebram, praiam e oceanam. E ali deixam a lembrança mais bonita do estar mais bonito entre Praia e Mar.

Evidence - Marilyn Manson - para sentir forte

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