terça-feira, 24 de novembro de 2009

Bem aqui, perto

Sabe, menina-flor-de-saudade
Aqui, pousado no teu ombro
É mais etéreo que qualquer assombro
de um tão alto céu

Há mais desejo no teu beijo
Do que sal no mar inteiro
E os sabores da flor
Esvoaçam-me para perto

Às contradições de mim não se prendas
Meus eus esquizofrênicos de autismo
Deite-se na rede dos meus braços
Deito-me nas constelações do teu abraço
E estar assim basta para manter-me
comigo e contigo, assim, perene
tão cristalino que brilho no teu olhar
e sinto-me alegrando, das estrelas, o pulsar
(de desejos já realizados...)

Maçã-do-amor n´um circo esverdeado
tomado pela relva e pela erva doce do prado
Deleitas a vida com os cristais do encanto
Estralando na boca um prazer e tanto.


(Pavão-macaco - Wado - uma música)

Sussurrando


Em Voz Baixa

Sempre que me vou embora
é com silêncio maior
As solidões deste mundo
conheço-as todas de cor.

Desse a sorte um cavalo,
ou um barco em cima do mar!
Relincho ou marulho - alguma
coisa que me acompanhar!

Mas não. Sempre mais comigo
vou levando os passos meus,
até me perder de todo
no indeterminado Deus.

Cecília Meireles


Por hora comigo só há canção, sorriso e companhia... mas as minhas internas alegorias não se deixam esquecer a profusão do sofrer, a vermelhidão do viver... Que se aproveite e se transborde exaltante esta singular felicidade de energia intensa e plenitude surreal, expandida em planos e sonhos reais... Que se penetre nas escuridões de si com lamparinas de beijos para alumiar os confins dos desejos... realimentando-se de beijos... mais... mais... (pra que equilíbrio, afinal?!)

(Contato Imediato - Arnaldo Antunes - uma música)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

elos

Sou seu livro que ouves os pensamentos
Sou a ave que às vezes se esconde nas nuvens
Sou a mariposa fugida da luz
Ou a qualquer certeza duvidosa

Mas nos teus braços pode-se esperar
o úmido silêncio de algodão curar
o sol risonho o céu transpassar
as raízes tímidas a rocha cravar

E na tua presença eu posso sonhar
com a árvore de desejos de suave florecer
com o orvalho de calma descobrindo-se ser

A nascente vivaz em cálido cultivar
essas sementes unidas de nosso amor
Levando azul a um céu sem cor
.
.
(Beautiful - Smashing Pumpkins - uma música)

balanço


Novelo de lã emaranhado
Nos ossos, nos dentes, nos nervos
Enroscavam-se, confundidos com cabelos
Costurando em mim resquícios de medos

Tecelagem onírica de espelhos
Recortava e costurava meus receios
Obscurecendo as lâmpadas, criando freios
E retirando-me insensivelmente do meio

Indústria vil de mortalhas frias
Quebraram-se suas máquinas de agonia
Com refletidas pedras estilhacei janelas

Agora a luz invade, a poeira sobe
o ar respira, a tristeza morre
Findaram-se os dias de espera...

(Paper Boards - Venus Volts - uma música)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

este ser errante


Canção de Alta Noite

Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.

Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.

Cecília Meireles

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Cânticos


I

Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto,
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Te ponha em tudo,
Como Deus.

IV

Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Quere ser a alma infinita de tudo.
Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?

VI


Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.


E então serás eterno.


VII


Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Por não esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva á felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...

(...)

Cecília Meireles

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Conto da Alvorada


A abóbada do mundo brilhava, esta cúpula atmosférica de azul translúcido e vivo, fazendo penetrar na pupila uma sensação de paralisia do tempo somente quebrada pelos ocasionais movimentos daquelas árvores corcundas e cheias da fruta praiana. O balançar da rede embalava os pensamentos do rapaz, que ora se deixava absorver pela contemplação e pela dúvida que o inquietava, ora preferia mergulhar naqueles cabelos cheirosos que recentemente se puseram ao alcance de seu toque e seu olfato. Pairava sua mente e sua alma entre uma alegria inesperada e uma confusão amena. Ambas as sensações turbilhando como minúsculos aviões acrobáticos, fazendo parafusos e piruetas em sua imaginação. Sentia-se bem, mas às vezes também parecia fora de si, como em choque. Paralisado e ativo simultaneamente, delegou ao seu instinto o controle de seu corpo, enquanto sua razão foi caminhar sozinha pelas colinas das nuvens. Tentava assimilar o presente (literal e figurado) de sua vida, a presença daquela menina, a profusão de endorfinas, químicos de prazer. A espontaneidade da situação é que lhe era mais surpreendente, ver-se de repente nos braços que dois dias antes começara a desejar, mas onde jamais vislumbrou poder se debruçar e, para estar onde estava, bastou ser no tempo o que era ele em si mesmo, despreocupando-se de galanteios e artifícios, libertando-se da angústia de cada instante sobre o que e como fazer - deixasse ser. Nada além da pureza dos momentos - deixar-se sentar ao lado dela, "ocasionalmente" bastante perto, "casualmente" divertir-se com brincadeiras um com o outro, não impedir a fuga do próprio olhar até o destino castanho daqueles olhos também fugidios, não resistir ao encanto que estava sentindo, ainda que sua convicção instintiva o impedisse de qualquer expectativa. E a medida que a correnteza descia o declive suave de suas vidas, ele, folha diminuta de alguma erva silvestre, de fragância emotiva e passional, e ela, margarida flutuante vestida de pólen açucarado, formosura alva de sorriso e pétalas labiais, romanceavam, aproximando-se magicamente na cristalina névoa dos minutos. De repente, enquanto o morno alvorecer timidamente abria os braços por entre as nuvens, se viram sós... no mar... convidados a percorrerem-se pela primeira vez em palavras de areia fofa e ondas marinhas... não tinham nenhum apego às horas e os pés tilintavam como sinos de vento, enquanto as mãos passeavam transmutadas em espumas de sal e as bocas imitavam os passarinhos que cantam alegremente nos primeiros instantes da manhã em incansável colóquio de contentamento. Foi como se um vento forte abrisse abruptamente a porta, libertando dos cômodos cardíacos a morna energia que fermentava e preparava afeições e afinidades mútuas. E o calor liberado uniu-se em um pássaro de fios trançados que voava entre duas colunas de pedra branca, encerrando perfeitamente aqueles dois corpos abraçados e unidos. Porém, as intuições que os moviam precisavam de uma última certeza, um selo, uma chave ou uma pena aérea que assinalasse 'formalmente' a alegria... e, permeado de puro sentir, foi que ele beijou a ponta dos dedos indicador e médio da mão esquerda e lançou-os ao ar, deixando-os pousar com delicadeza nos lábios dela que sorriram um sorriso ondulado e límpido da água que vibra ao menor toque. O gesto dele deixou claro para ela, a beleza daqueles lábios felizes o deu certeza e daquele momento em diante estiveram juntos como se nunca estivessem separados antes daquele momento.

(Lilly, My One and Only - Smashing Pumpkins - uma música)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

trilhos de transe


Em pé, encostado na coluna de tijolos vermelhos que ostentava a placa da plataforma número nove, o rapaz observada hipnotizado a passagem dos trens, ligeiros, ininterruptos. Estava tão fora de si que o tempo parecia acelerado e cada pensamento seu abocanhava dezenas de minutos, como minhocas ávidas por húmus craniano, fresco e nutritivo. O monótono chegar, parar, partir dos vagões acontecia diante de seus olhos como um filme que está sendo adiantado, as linhas se tornando borrões, os rostos desfigurados, o espaço preenchido pelo risco das luzes arrastadas, como se o tempo que a luz demorasse para refletir nos objetos e chegar aos seus olhos fossem minutos inteiros. Tudo parecia uma fotografia tremida (em movimento). Estado de transe, curto-circuito, fogos de artifícil mentais. Sua mente entregara-se, não aguentava a exaustão diária de afazeres antropofágicos, compromissos alucinógenos, pendências cadavéricas. A sua mente, ou sua alma, ou a interseção denominada Eu sentia-se asfixiada, querendo sair da gaiola circunstancial, da jaula proposital em que se colocara e de onde drenava o ar, forma de esmorecer o cérebro e perder a consciência. Todo o amor que ele tinha (instinto de preservação - do que for) parecia agora alheio a qualquer sentido, o amor pela família esfacelava-se na simples cogitação de desaparecer e não dar notícia. Para mais ninguém o seu sumiço teria demasiada importância. O emprego certamente o consideraria um vagabundo e logo contrataria outro para substitui-lo naquele serviço maquinal, não se dando ao trabalho de telefonar em busca de informações. Os conhecidos não perceberiam a ausência daquele que normalmente era distante. Normalidade. Queria pegar qualquer trem, e mais outro, e mais outro. Apagar! Fechar os olhos por semanas, esquecer seu nome, seu passado, acordar como uma criança, vestido com um pijama semitransparente, dada a finura do tecido, e impecavelmente branco, maculado apenas no canto esquerdo, sobre o coração, pelo símbolo do hospital psiquiátrico ou retiro campestre para casos irrecuperáveis. Completamente louco e feliz, finalmente. O mundo explodiu - exploda! - e quem sabe depois pudesse aprender a explodi-lo mais um pouco, dedicar o oxigênio e gases poluentes que adentravam em seus pulmões, as reações matabólicas complexas liberando gás carbônico e compostos nitrogenados, as formigas elétricas que andavam pelo seu formigueiro nervoso levando informações e impulsos, dedicar tudo a um propósito razoável, destruir o que quer que o homem tenha construído. Uma escola? Que as crianças aprendam sobre as verdades da vida com a natureza à sombra de uma árvore centenária, e se estiver chovendo, o melhor aprendizado será abrir os braços e correr pela chuva ou deitar-se n´uma rede em baixo do mais rústico teto de palha que se imaginar (feito com o mínimo, pequenos presentes naturais) e refletir sobre o ciclo fantástico do elemento água, sua onipresença em todos os seres, na superfície de sua pele e no centro de seu coração, pensar sobre a influência das pressões atmosféricas para levar os ventos e a umidade, influenciando no clima, venerar sobre o equilíbrio natural - isso será aprendizado. Fábricas? Que sejam abolidos os enlatados e as máquinas de fazer fumaça, que os computadores se rendam frente às florestas tropicais, redes de informação infinitamente mais complexas e belas, ou aprendam com as formigas a serem perenes e sustentáveis, que a eletricidade volte para os céus de tempestade ionizadas e eletromagnéticas e, finalmente, que cada templo de religiões materialistas e construções políticas, câmaras, congressos e parlamentos sumam de uma vez por todas! Sejam consumidos pela ânsia de desconstruir todos os aparelhos de controle e alienação. Assim, as pessoas poderão encontrar Deus nelas e em todos, perdendo qualquer capacidade em fazer distinções segregadoras, terão a chance de aprender a se comunicar verdadeiramente, não expondo orgulhosamente seus pontos de vista cegos e surdos, mas desfrutando e expandindo as artes de ouvir e dialogar pacientemente, ternamente, amorosamente, podendo então lançarem laços de união inquebráveis uns aos outros. Destruições criadoras, criações e revoluções... Aquele jovem louco queria ser o anjo do apocalipse a varrer da pele adorável de sua mãe Gaia as impurezas, manchas, sujeiras humanas, orquestrando desastres e catástrofes que encerrarão o sofrimento com um golpe final. Queria ser um anjo, sim, e voar para longe de toda luz e matéria, lançar-se n´um buraco negro e desmaterializar cada sentimento coerente, livrando-se da razão que o consumia por dentro como larvas de moscas devorando sua carne e sua alma. Destruir-se para nascer, fugir para encontrar, parar para começar... ele e o nada, ninguém e tudo. Reviver os sete dias fantásticos da crianção do universo, desprender-se de si e voltar dissolvido essencialmente no alimento das plantas e da vida... Entrou em colapso, abandonado por suas pernas que o lançaram no chão da estação ferroviária municipal, desmaiado. Acudido por um segurança que o deitou no banco de madeira próximo à coluna, acordou quase uma hora depois, suado e com frio. Sua mente ainda queimava quando um único impulso o invadiu, levantar-se...caminhar sete passos, esbarrando em uma senhora de chale rosa, um homem de terno cinza, uma criança de macacão jeans... e então jogar-se na linha do trem.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O que é, o que é

O que é?
É saudade
é falta, vontade de estar perto
desejo de fazer carinho,
enlaçar um abraço longo,
é soberano sobre os pensamentos
e seu cavaleiro é a insônia
do sono, tem repulsa
e da vida é irmão

É dar atenção
mais do que receber,
o verdadeiro é sublime
além de si mesmo
quer escrever-lhe algo belo
e imaginá-la sorrindo
ao percorrer as flores
com os olhos de sonho

É sentir a ternura
percorrer a alma
com passos ligeiros e calmos
pássaros alçando vôo
na cratera cardíaca,
alcatéias celebrando
a existência da noite
(a vida)

É mistério de fogo
no ritual do romance
labaredas frondosas
de florestas vivazes
e seus frutos de carne
deságuam nos mares
de corpos encontrados
frente ao céu quebrado
deixando escapar
o suspiro infinito...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"que me leve longe..."


"É fácil viver o esperado e o convencional. É quando se vive o inesperado que se começa a ter uma vida divertida"

p. 111, Manual do Messias, Richard Bach

Nada premeditado. Idéia fixa, surpresa inacreditável, sentimentos emergidos como águas termais...

Gêiser

"Não, páre de pensar"... como se todos os pensamentos fossem ela e dela... sentia-me assim tão artificial perto de ti quando minha mente inteira só tinha uma imagem... (mas nenhuma idéia de como aproximar-se)... sentia-me proposital, olhar explícito e demorado que emaranhava-se no seu semblante como uma criança olhando para a doçura. E neste estado magnético me dizia que apenas engano eu inspirava, incapaz que era de acreditar em 'co-incidências', atrações gravitacionais... sentimentais...

Páre, não nade nessa correnteza, que não sairás do lugar... antes, deixe-se levar... leve como uma semente atirada nas águas esperando alcançar o amor da areia para brotar... viva simplesmente, estar (nas mãos do destino)... nas suas mãos... natural - palavra mágica... é-para-ser

É


Simples(mente) - pensando
...................pensamento
..................mentalizando........não,
....................sentindo...

Você... e a sós
às margens do rio de sal
aos pés do sol
sobre tudo e qualquer coisa
tranquilamente (sem hesitação)
Ao seu lado
............"deite comigo"
mãos nos cabelos
...................mais perto
sorriso tão lindo
...................um beijo indireto
o sangue fluindo
...................para mais perto

(incrédulo) - Como?
...............Como?
...............Como?

Do céu do anjo
Agora comigo
sentindo
.....infinito

riso
perplexo
..........como a saudade
apoderou-se
..............do pensamento
e só o que existe é saudade
...sem tua voz
......nós
......nós
......nós
......nós
......nós
......nós.