quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Conto da Alvorada


A abóbada do mundo brilhava, esta cúpula atmosférica de azul translúcido e vivo, fazendo penetrar na pupila uma sensação de paralisia do tempo somente quebrada pelos ocasionais movimentos daquelas árvores corcundas e cheias da fruta praiana. O balançar da rede embalava os pensamentos do rapaz, que ora se deixava absorver pela contemplação e pela dúvida que o inquietava, ora preferia mergulhar naqueles cabelos cheirosos que recentemente se puseram ao alcance de seu toque e seu olfato. Pairava sua mente e sua alma entre uma alegria inesperada e uma confusão amena. Ambas as sensações turbilhando como minúsculos aviões acrobáticos, fazendo parafusos e piruetas em sua imaginação. Sentia-se bem, mas às vezes também parecia fora de si, como em choque. Paralisado e ativo simultaneamente, delegou ao seu instinto o controle de seu corpo, enquanto sua razão foi caminhar sozinha pelas colinas das nuvens. Tentava assimilar o presente (literal e figurado) de sua vida, a presença daquela menina, a profusão de endorfinas, químicos de prazer. A espontaneidade da situação é que lhe era mais surpreendente, ver-se de repente nos braços que dois dias antes começara a desejar, mas onde jamais vislumbrou poder se debruçar e, para estar onde estava, bastou ser no tempo o que era ele em si mesmo, despreocupando-se de galanteios e artifícios, libertando-se da angústia de cada instante sobre o que e como fazer - deixasse ser. Nada além da pureza dos momentos - deixar-se sentar ao lado dela, "ocasionalmente" bastante perto, "casualmente" divertir-se com brincadeiras um com o outro, não impedir a fuga do próprio olhar até o destino castanho daqueles olhos também fugidios, não resistir ao encanto que estava sentindo, ainda que sua convicção instintiva o impedisse de qualquer expectativa. E a medida que a correnteza descia o declive suave de suas vidas, ele, folha diminuta de alguma erva silvestre, de fragância emotiva e passional, e ela, margarida flutuante vestida de pólen açucarado, formosura alva de sorriso e pétalas labiais, romanceavam, aproximando-se magicamente na cristalina névoa dos minutos. De repente, enquanto o morno alvorecer timidamente abria os braços por entre as nuvens, se viram sós... no mar... convidados a percorrerem-se pela primeira vez em palavras de areia fofa e ondas marinhas... não tinham nenhum apego às horas e os pés tilintavam como sinos de vento, enquanto as mãos passeavam transmutadas em espumas de sal e as bocas imitavam os passarinhos que cantam alegremente nos primeiros instantes da manhã em incansável colóquio de contentamento. Foi como se um vento forte abrisse abruptamente a porta, libertando dos cômodos cardíacos a morna energia que fermentava e preparava afeições e afinidades mútuas. E o calor liberado uniu-se em um pássaro de fios trançados que voava entre duas colunas de pedra branca, encerrando perfeitamente aqueles dois corpos abraçados e unidos. Porém, as intuições que os moviam precisavam de uma última certeza, um selo, uma chave ou uma pena aérea que assinalasse 'formalmente' a alegria... e, permeado de puro sentir, foi que ele beijou a ponta dos dedos indicador e médio da mão esquerda e lançou-os ao ar, deixando-os pousar com delicadeza nos lábios dela que sorriram um sorriso ondulado e límpido da água que vibra ao menor toque. O gesto dele deixou claro para ela, a beleza daqueles lábios felizes o deu certeza e daquele momento em diante estiveram juntos como se nunca estivessem separados antes daquele momento.

(Lilly, My One and Only - Smashing Pumpkins - uma música)

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