terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Na Natureza Selvagem


Campos de macieiras... frondosas copas de mares verdes... salpicados de grãos floridos de primavera... uma primavera eterna, inebriante, exalando perfumes e prazeres... o prazer em estar vivo, viva, sentindo a fricção entre as folhas e o vento, entre o sol e a clorofila, entre a terra e a seiva... Constelações infinitas de flores... uniões, comunhões, multidões de pétalas, estilos, estigmas, anteras... pólens permeando o ar, passeando pelo ar em insetos apaixonados... e o enxame voa em frenezi, incessante, incansável, imortal, percorrendo e amando cada flor, cada centímetro de carne floral adocicada, sorvendo o néctar, desvendando a essência... infindavelmente... flores-de-sem-fim... flores de maçã... gestos de amor naturais e celestiais... noites, dias, noites, dias... sol e lua diante do espetáculo particular do encontro da flor, cada momento, êxtase... é preciso transbordar para não perecer, não se pode conter a primavera, não se pode conter a natureza da existência e da liberdade de ser... falta fôlego, as energias explodem com os impactos de corpos e emoções... passam as estações... sobe o verão... a exaustão se aproxima junto ao outono... e no inverno cessa... até a próxima primavera...

E além do nascer e do pôr-do-sol, fadas e anjos trançam a noite com o dia, tornoando-os ininterruptos, proibindo que o sangue das veias de toda a vida páre, deixe de vibrar, latejar, expandir e sangrar... seres hiperestésicos e eternos, que brilham como as combustões solares. Tranças vermelhas e azuis da cor da chama que envolvem os corpos surreais desses artesãos de luz e vida... e que revelam-se ao mundo através do brilho tênue da flor de maçã, cujas pétalas são tão brancas que iluminam a inquietude e a escuridão...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Uma semente que flutua nas ondas sem âncoras para fixar-lhe. Talvez um galho robusto esteja ainda enlaçado no seu interior, mas essa lembrança da raiz é cada vez mais frágil... fará sempre parte, mas há algum tempo já não está preso... mas...não, talvez não seja uma semente, mas o espírito de semente, de quem nasce, de quem prossegue. Erra por vários dias pelo mar (de vida), arrasta-se até uma praia original e tenra, chega até as camadas interiores, amando cada nutriente, celebrando uma eufórica comunhão, apega-se, floresce, desenvolve, evolui, alegra-se, dá frutos, transmuta-se novamente para a semente que cai na areia, descendo suavemente até as ondas para onde volta a navegar... até nova praia, novas formas e nascimentos...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Dois


Como dois estranhos,
cada um na sua estrada,
nos deparamos, numa esquina, num lugar comum.
E aí?
Quais são seus planos?
Eu até que tenho vários.
Se me acompanhar, no caminho eu possso te contar.
E mesmo assim, eu queria te perguntar,
se você tem ai contigo alguma coisa pra me dar,
se tem espaço de sobra no seu coração.
Quer levar minha bagagem ou não?

E pelo visto, vou te inserir na minha paisagem
e você vai me ensinar as suas verdades
e se pensar, a gente já queria tudo isso desde o inicio.
De dia, vou me mostrar de longe.
De noite, você verá de perto.
O certo e o incerto, a gente vai saber.
E mesmo assim,
Queria te contar que eu tenho aqui comigo
alguma coisa pra te dar.
Tem espaço de sobra no meu coração.
Eu vou levar sua bagagem e o que mais estiver à mão.

(Tiê)


A última concentração da noite posta nos ouvidos afim de marcar a memória de pedra-sabão com as notas musicais de amor que tanto o fazia lembrá-la. Um dia de crise - existencial. Uma pequena depressão em dose única, ou talvez dupla. No dia seguinte ainda resta um pouco do macarrão requintado - chique! Mas essa é uma lembrança boa que não chegou no outro dia. A primeira lua da semana meio nublada foi tediosa e burocrática, um passeio chuvoso por entre um céu entreaberto e semicerrado. As têmporas latejavam, o pescoço enrijecia-se do lado direito, uma impaciência subia-lhe pela nuca na porta da noite. Só quer agora expor livremente os desgostos - e deseja que não lhe surja nenhuma consequência posterior. Pois bem, sentiu-se vazio e desinteressado de si, opaco, estático, ártico. As memórias por um instante trancaram-se dentro do armário, impedindo qualquer lembrança reconfortante. Faltava-lhe piadas ou causos para refrescar o silêncio aparentemente árido. Não era comerciante de palavras, preferia simplesmente jogá-las sem nem mesmo preocupar-se com quem vá catá-las sujas no chão ou retirá-las dos galhos invernais sem flores. Um jogador (de palavras) e silêncio. Seu jogo predileto? Sentir-se bem através da multidão que o ignorava. Sentir-se ignorado na solidão dos outros. Escreveu um poema, mas teve medo de expô-lo - é verdade. Não queria que se pensasse muito a respeito dele, imaginando-se mil labirintos e dúvidas. Há muitos poemas nas veias para serem derramados ainda. Palavras beijadas de alegria - basta! No fim, enquanto aguardava para ir embora, tentou lembrar-se da música que tanto concentrara-se para internalizar. Não conseguia. Colocou-a no ouvido para não esquecer mais. Queria cantá-la no ouvido dela. Naquela noite havia uma euforia tão contagiante nela, mas ele sentia-se cansado e queria colo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

(a primeira) noite


Abre os teus armários, eu estou a te esperar
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar
E fazer do teu sorriso um abrigo

Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela, a primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota

Canto que é de canto que eu vou chegar
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

(Casa Pré-Fabricada - Los Hermanos)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Enigmático


Não me subentenda... Meus pensamentos nem sempre são legíveis. Paira preocupação às vezes no ar dos sérios. Gosto tão mais dos sorrisos sinceros... estar perto... mais perto. Em cada momento assim, quase que me fazes lembrar do que já não lembro. E quando eu lembro, posso hoje ter a serenidade dos que contemplam a paisagem, sem tantos julgamentos, mais contentamento. Evito sempre os arrependimentos. Satisfaço-me com o esclarecimento do que foi aprendido, essa consciência que tranquiliza - mesmo que eu não queira estar tranquilo. Mas a beleza consiste em ter ainda tanta intranquilidade residindo em lugares mais instáveis do cotidiano, as barricadas das esperanças, os piquetes de corações arrebatados por sonhos. Sim. Diariamente acendo treze fogueiras na mente e na alma, para iluminar os caminhos e aquecer os marchimelous (aportuguesando). É preciso fogo a crepitar nas entranhas, expulsando-me da ilusão de comodidade. E o amor para liquefazer os cansaços em alegria, solidificar os sonhos no dia a dia e sublimar qualquer tristeza. Assim que funciona, perfeitamente. Deitada no meu ombro ou vice-versa. Ombros para levar as bagagens inesquecíveis e percorrer os novos caminhos nas mochilas. Ombros que carregam as asas de ternura e paz, somente possíveis na companhia dela. Ah, não me subentenda, permita-me uma complexidade que eu mesmo não compreenda, uma confusão de excessos e retrocessos ou dispersos... e saiba que é raro que aconteça... Lendo algumas de suas palavras, sinto às vezes a sensação de que tanto que eu diga é interpretado de maneira temerosa... não tema, o destemor é uma grande força amorosa... e eu confio tanto nesses sentimentos que nos circundam e nos aprofundam e tanto nos inundam. Eu tento não me preocupar... por mais que sinta arrepiar no espaço alguma ânsia ou dúvida. Eu prefiro reciclar certezas à viver sem elas, recriar o amor à despedaçá-lo, reinventar a coragem à morrer de medo. São preferências ou tendências? Opcional ou inevitável? Espero que um pouco de cada...

Sem medo


Outra menina com quem falo,
Se por ventura ler o que se segue
Ouça que eu lembrei outro dia desses
tudo de bom que aqui eu vejo
e sinto o verdadeiro prazer do que percebe
o quão importante foram cada uma
as que me fizeram primaveras
e também as estações severas
de desconstrução de incertezas
desmoronamento de purezas
para germinar novas e derradeiras
verdades

E esta menina que me lê (pensamentos)
Não tema ler qualquer coisa
que minha sinceridade aguda
é uma estação desnuda
dos esconderijos que eu tenho
Aproveite, assim, esse tortuoso atalho
de pedaços de pão que pelo chão espalho
na forte decisão de o mais próximo
estar contigo o tempo inteiro.

muito ou pouco

Há mil letras de sangue e pó para despejar
sangue nutrido de adrenalina verde
po´esias de esmeraldas e cerejas
esqueletos de madresilva
e sorvete

Falta apenas este noturno momento
De sangria literária
Há mais vida em viver a flor
do que em estar aqui a compor

Não desmereça o momento de agora
pela parca produção de prosa
e poética tão escassamente posta

É que nos braços dela vivo as horas
Alvorecendo nesta praia amorosa
e me esqueço de aqui dar uma resposta.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Boa noite


A borboleta cultivada na janela do peito alumiou
os inusitados inesperados de noite inteira
tudo é tão serenamente adorável e belo
a neve queimando beijos calorosos
e a interseção dividida em momentos
abriu futuros de outros tantos desejos.

Há plumas e açúcares no parapeito
e as janelas quebraram os espelhos
Se calo às vezes, é sem pensamento
Sou de sentir apenas - em dados momentos
Que tanta dúvida possa diluir-se
nessa água na boca e no corpo
Podemos simplesmente abandonar este porto
deixar correr o vento em todas as celas
abertas e sem cadeados
das lembranças fulgazes do passado
Corra na areia do enlevo terno
que a correnteza é o que há de mais eterno
e o agora nos é tão alegre
como a heroína dos animais elétricos
saltitando nos dedos dos pés

Só existe a certeza de nós mesmos
É verdade, mas lembre que há pontes infinitesimais
entre cada nervo, entre cada pêlo
do meu e do teu mundo-novelo
de gatos e maçãs e caninos brancos
ouça, feche os olhos, a intensidade do canto
Presentes tamanho e inevitável encanto?
E se o sol continua a nascer
sob nossas unhas, em todo o nosso viver
nenhuma andorinha-sentimento irá s´esquecer
o caminho até esta alvorada
eu e você...

(Farewell and Goodnight - Smashing Pumpkins - uma música)