Eram um casal. Eram um casal? Realmente é algo que me intriga desde o princípio. O que torna duas pessoas um casal? A exposição pública da condição conjugal? A formalidade de mãos dadas eventualmente? Uma fotografia posta na mesa do trabalho, cultivando elogios de romantismo? Estar sentados n´uma mesa, diante um do outro, aguardando o pedido enquanto o silêncio os une sombriamente? O hábito de mandar fabulosos buquês de flores em toda data comemorativa, colorindo, assim, o acinzentado do dia-a-dia? A conversa banal na hora do almoço, preenchida de anedotas rotineiras e vazias? Os passeios formais à compra de qualquer buginganga que numerosamente simplifique a complicação das nossas cozinhas(vidas)? A ida ao supermercado, atulhando a geladeira de doces industriais que dêem algum sabor à boca amarga? Os jantares entre amigos, em que cada um senta-se em lados opostos despreocupadamente, como se isso fosse o mais natural? A busca por mais qualificação, a fim de que trabalho e mais trabalho dêem algo com que se ocuparem o maior tempo possível? O ritual condicionado de entregar-se à ilusão do altar televisivo, momento sagrado de reunião familiar? As brigas constantes por razões incompreensíveis e totalmente insolucionáveis? A melancolia dos espaços reservados à solidão de cada um? A desesperança impregnada no pensamento, incapaz de sentir a brisa do sonho chegar-lhe à alma? Os monólogos cruzados convencionalmente nomeados de conversação? Os presentes de aniversário repetitivos, antiguados objetos que guardam a certeza do contentamento superficial? O ato nobre de dividirem a mesma cama e, eventualmente (ou não), o mesmo calor, de tempos em tempos, para não fugir à memória a afamada sensação? Ou o sacrifício dedicado à um deus que pede-lhes que esperem para conhecerem-se intimamente até que a Igreja o conceda cerimonialmente? A nostalgia dos primeiros momentos, quando cada um tinha bem clara a motivação, a emoção, o ímpeto do sentimento que os unira? A necessidade de ser bem visto socialmente através da 'nobre' instituição do casamento?... A abnegação... que guarda para amanhã... um amanhã qualquer, desconhecido, impalpável, qualquer coisa que nomeiam felicidade...
Trabalhando 8h por dia (oficialmente), não hesita em prologar um pouco o horário do expediente, marcar reuniões na hora do almoço e dar uma passadinha para ver como andam as coisas mesmo nos fins de semana, feriados e férias. Ele é deveras um funcionário exemplar. Há décadas esmera-se em tal função cuja única realização é manter seu padrão de vida. Ela afirma que a família é o seu maior tesouro. No entanto, quando não estava no trabalho, estava estudando algo a ele relacionado, ou então descansando da exaustão por ele causada, recuperando-se de enxaqueca fruto do estresse... Ou assistindo ao ritual televisivo... aderindo ao padrão de entretenimento... A atenção aos filhos é acadêmica, dedicada ao estudo, ajudar-lhes nas tarefas, auxiliar-los nos trabalhos, garantir-lhes o êxito, para saber em si o mérito de qualquer conquista filial. Ah, e se pouco podemos dizer sobre a relação do casal, é porque pouco há para se dizer... Quando ao lazer pessoal, um e outro distraem-se como podem, à sua maneira, consigo. Seja o hobby cultivado desde a juventude, sejam os livros sobre psicanálise que sabe-se lá que efeito causam ou a obra completa de João Ubaldo Ribeiro, ou ainda os intermináveis cursos de línguas que preenchem perfeitamente o horário noturno que, infelizmente, não pode ser empregado na empresa.
É curioso observar os seres acorrentados uns aos outros, questionando-se que motivo poderá ser suficientemente forte para desperdiçar toda a existência presente (cada dia que passa, esvaindo-se na fumaça do passado) em rotinas monótonas, aborrecidas e cruciantes. É, no mínimo interessante, investigar quais os fundamentos da covardia que aprisiona incontáveis almas em gaiolas autofabricadas. E não se pode inocentar nessa análise divertida aqueles que se aprisionam do lado de fora das gaiolas, engolindo a chave que abre as portas de seus inalcansáveis desejos por prazer e paixão... Nunca saciados, vagam por aí, sedendos, línguas caíndo das bocas, em busca de algo que possa-lhes diminuir o fogo que os consome... E a vida, então, torna-se um deserto, cheio de oásis imaginários, os quais perseguem, indo de um para o outro interminavelmente, a cada noite, a cada saída, a cada encontro...
Trabalhando 8h por dia (oficialmente), não hesita em prologar um pouco o horário do expediente, marcar reuniões na hora do almoço e dar uma passadinha para ver como andam as coisas mesmo nos fins de semana, feriados e férias. Ele é deveras um funcionário exemplar. Há décadas esmera-se em tal função cuja única realização é manter seu padrão de vida. Ela afirma que a família é o seu maior tesouro. No entanto, quando não estava no trabalho, estava estudando algo a ele relacionado, ou então descansando da exaustão por ele causada, recuperando-se de enxaqueca fruto do estresse... Ou assistindo ao ritual televisivo... aderindo ao padrão de entretenimento... A atenção aos filhos é acadêmica, dedicada ao estudo, ajudar-lhes nas tarefas, auxiliar-los nos trabalhos, garantir-lhes o êxito, para saber em si o mérito de qualquer conquista filial. Ah, e se pouco podemos dizer sobre a relação do casal, é porque pouco há para se dizer... Quando ao lazer pessoal, um e outro distraem-se como podem, à sua maneira, consigo. Seja o hobby cultivado desde a juventude, sejam os livros sobre psicanálise que sabe-se lá que efeito causam ou a obra completa de João Ubaldo Ribeiro, ou ainda os intermináveis cursos de línguas que preenchem perfeitamente o horário noturno que, infelizmente, não pode ser empregado na empresa.
É curioso observar os seres acorrentados uns aos outros, questionando-se que motivo poderá ser suficientemente forte para desperdiçar toda a existência presente (cada dia que passa, esvaindo-se na fumaça do passado) em rotinas monótonas, aborrecidas e cruciantes. É, no mínimo interessante, investigar quais os fundamentos da covardia que aprisiona incontáveis almas em gaiolas autofabricadas. E não se pode inocentar nessa análise divertida aqueles que se aprisionam do lado de fora das gaiolas, engolindo a chave que abre as portas de seus inalcansáveis desejos por prazer e paixão... Nunca saciados, vagam por aí, sedendos, línguas caíndo das bocas, em busca de algo que possa-lhes diminuir o fogo que os consome... E a vida, então, torna-se um deserto, cheio de oásis imaginários, os quais perseguem, indo de um para o outro interminavelmente, a cada noite, a cada saída, a cada encontro...
"A vida é muito curta para ser pequena."
Benjamin Disraeli
Benjamin Disraeli