Eventualmente (últimamente com uma frequência um pouco maior) ou diria "tradicionalmente" acordo resfriado, nariz entupido, pingando, espirrando. Tusso um pouco. Os espirros quando contidos reverberam pelo corpo que deixa-se vibrar pela implosão. Quando libertos, alastram a atmosfera com gotículas inofensivas de células brancas perdidas em alguma batalha desconhecida. Às vezes não é ao nascer do dia, mas em algum momento aleatório que começa a bateria de espirros pipocando o ar, como tentando afugentar algum ataque aéreo. Hoje na hora do almoço, em perfeito estado, aproximei-me de meu avô e inesperadamente me vieram três espirros poderosos, prontamente repelidos pelo homem. Acredito que tenha sido algum atentado ou reles brincadeira de mal gosto dos interiores de meu corpo pelos repúdios e acusações de contágios proferidos contra mim. Uma vingança biológica involuntária. De todo modo, a avó, que é médica, desde pequeno me acostumou ao tratamento alopático. Ao menor sinal de tosse ou sibilo do peito, diagnosticava a mais devastadora bronquite ou o calafrio da fantasmagórica asma e prontamente despejava no copinho de 5ml o fluido viscoso, rosa, sabor framboesa estragada, capaz de curar todos os males dos brônquios e retirava de seu descanso eterno o objeto branco circular dito antialérgico de seu esquife de alumínio indicando ser ele capaz de magicamente expandir minhas vias respiratórias, anteriormente tomadas pelo muco. Aos quinze o missionário branco aparentemente considerou-me um caso perdido no pecado alérgico e deixou de agir com seus poderes santos e desde então nunca mais recorri a essa solução religiosa. Somado a isso, fui aos poucos removendo o véu da desinformação e descobrindo detalhes acerca da poderosa seita da indústria farmacêutica. Era, afinal, a maior seita, perdendo apenas para a venda de armas e o tráfico de pessoas. Seus emissários percorriam os médicos de todo o mundo distribuindo bençãos de amostras grátis para levar os fiéis doentes na fé do corpo rumo ao paraíso da saúde e eu, como neto de médica, sempre convivi com os elixires e hóstias capsulares placidamente doados aos médicos. Guiado pela minha inocente desconfiança ou talvez por pura intuição, ou quem sabe pela leitura das inquietantes bulas papais de letras miúdas, presentes em toda embalagem sagrada, contendo inumeráveis e inacreditáveis efeitos colaterais para a alma caso a fé trepidasse, como danos ao fígado, deficiência nos rins, tremores, insônia, taquicardia e tantos outros, mantidos desconhecidos do fervoroso rebanho, fui percebendo os meandros daquela instituição tão poderosa capaz de criar uma cultura medicamentosa que garante às pessoas munidas de seus instrumentos a cura para todas as dores, febres, depressões, síndromes e desarranjos intestinais. Em cada esquina há um templo desta fé, vendendo a preços variados os ingredientes contidos nas receitas médicas ou simplesmente indicados pela sabedoria popular, que tranquilamente adequou-se ao surgimento da tecnologia farmacêutica. Eu, em revolta, tornei-me ateu nesta fé química e passei a negar toda forma de tratamento alopático. Aprendendo com um filme sobre Amor além das fronteiras e aperfeiçoando-me com os ensinamentos da filosofia oriental, decidi aceitar a gripe enquanto parte do momento em que ela se mostra presente. Por que negá-la, afinal de contas? Ela é o que ela é, é preciso vivê-la e aprender suas lições gosmentas e valiosas, suas agonias e provações, para lapidar o caráter e iluminar o caminho. Reforço o espírito e o corpo com sessões de chá mate quente, fruto da efusão dos grãos torrados na água fervente e doses de filmes, livros... e chamas sensuais adentrando pela noite acompanhada, que, segundo dizem estudos na rede, expectoram muito mais que o catarro, como também qualquer preocupação, estresse e pensamento vão, limpando a mente e as veias. Quando a garganta, minha segunda maior arquiinimiga, inflama-se contra mim, despejo-lhe o dourado mel para deslizar incólume por entre seus planos maldosos e no dia seguinte encontro-me bem. No mais, esforço-me para praticar a mais pura alimentação holística, folhas verdes regadas à azeite, frutas variadas na maior quantidade, chocolate de meio amargo a amargo, para rejuvelhecer os ânimos e ternura e carinho desmedidamente, para acalentar o meu coração e o da amada. E, a despeito de eventuais alergias, acredito poder afirmar ter um corpo são e uma mente sã.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
É melhor remediar?
Eventualmente (últimamente com uma frequência um pouco maior) ou diria "tradicionalmente" acordo resfriado, nariz entupido, pingando, espirrando. Tusso um pouco. Os espirros quando contidos reverberam pelo corpo que deixa-se vibrar pela implosão. Quando libertos, alastram a atmosfera com gotículas inofensivas de células brancas perdidas em alguma batalha desconhecida. Às vezes não é ao nascer do dia, mas em algum momento aleatório que começa a bateria de espirros pipocando o ar, como tentando afugentar algum ataque aéreo. Hoje na hora do almoço, em perfeito estado, aproximei-me de meu avô e inesperadamente me vieram três espirros poderosos, prontamente repelidos pelo homem. Acredito que tenha sido algum atentado ou reles brincadeira de mal gosto dos interiores de meu corpo pelos repúdios e acusações de contágios proferidos contra mim. Uma vingança biológica involuntária. De todo modo, a avó, que é médica, desde pequeno me acostumou ao tratamento alopático. Ao menor sinal de tosse ou sibilo do peito, diagnosticava a mais devastadora bronquite ou o calafrio da fantasmagórica asma e prontamente despejava no copinho de 5ml o fluido viscoso, rosa, sabor framboesa estragada, capaz de curar todos os males dos brônquios e retirava de seu descanso eterno o objeto branco circular dito antialérgico de seu esquife de alumínio indicando ser ele capaz de magicamente expandir minhas vias respiratórias, anteriormente tomadas pelo muco. Aos quinze o missionário branco aparentemente considerou-me um caso perdido no pecado alérgico e deixou de agir com seus poderes santos e desde então nunca mais recorri a essa solução religiosa. Somado a isso, fui aos poucos removendo o véu da desinformação e descobrindo detalhes acerca da poderosa seita da indústria farmacêutica. Era, afinal, a maior seita, perdendo apenas para a venda de armas e o tráfico de pessoas. Seus emissários percorriam os médicos de todo o mundo distribuindo bençãos de amostras grátis para levar os fiéis doentes na fé do corpo rumo ao paraíso da saúde e eu, como neto de médica, sempre convivi com os elixires e hóstias capsulares placidamente doados aos médicos. Guiado pela minha inocente desconfiança ou talvez por pura intuição, ou quem sabe pela leitura das inquietantes bulas papais de letras miúdas, presentes em toda embalagem sagrada, contendo inumeráveis e inacreditáveis efeitos colaterais para a alma caso a fé trepidasse, como danos ao fígado, deficiência nos rins, tremores, insônia, taquicardia e tantos outros, mantidos desconhecidos do fervoroso rebanho, fui percebendo os meandros daquela instituição tão poderosa capaz de criar uma cultura medicamentosa que garante às pessoas munidas de seus instrumentos a cura para todas as dores, febres, depressões, síndromes e desarranjos intestinais. Em cada esquina há um templo desta fé, vendendo a preços variados os ingredientes contidos nas receitas médicas ou simplesmente indicados pela sabedoria popular, que tranquilamente adequou-se ao surgimento da tecnologia farmacêutica. Eu, em revolta, tornei-me ateu nesta fé química e passei a negar toda forma de tratamento alopático. Aprendendo com um filme sobre Amor além das fronteiras e aperfeiçoando-me com os ensinamentos da filosofia oriental, decidi aceitar a gripe enquanto parte do momento em que ela se mostra presente. Por que negá-la, afinal de contas? Ela é o que ela é, é preciso vivê-la e aprender suas lições gosmentas e valiosas, suas agonias e provações, para lapidar o caráter e iluminar o caminho. Reforço o espírito e o corpo com sessões de chá mate quente, fruto da efusão dos grãos torrados na água fervente e doses de filmes, livros... e chamas sensuais adentrando pela noite acompanhada, que, segundo dizem estudos na rede, expectoram muito mais que o catarro, como também qualquer preocupação, estresse e pensamento vão, limpando a mente e as veias. Quando a garganta, minha segunda maior arquiinimiga, inflama-se contra mim, despejo-lhe o dourado mel para deslizar incólume por entre seus planos maldosos e no dia seguinte encontro-me bem. No mais, esforço-me para praticar a mais pura alimentação holística, folhas verdes regadas à azeite, frutas variadas na maior quantidade, chocolate de meio amargo a amargo, para rejuvelhecer os ânimos e ternura e carinho desmedidamente, para acalentar o meu coração e o da amada. E, a despeito de eventuais alergias, acredito poder afirmar ter um corpo são e uma mente sã.
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2 comentários:
\o/
hehe
também não sou adepta dos remédios
as curas pelas sabedorias do corpo são tão melhores
e só têm bons efeitos colaterais
Até duma mera gripe ele faz poesia!
Encantador. Não gostava tanto dos seus textos assim no começo. Agora eles me cativam sempre...
No mínimo exótico esse teu jeito de viver! :)
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