terça-feira, 30 de novembro de 2010

I


Ante a perspectiva do fim, eu sorvo

Cada partícula sem amanhã
Com intensidade plena
Conhecendo apenas o agora
Eu sirvo tranquilamente ao seu prazer
Seu crescer, seu pacificar
Diante do abismo da tristeza
Eu entrego o bater do coração
Nas tuas mãos sagradas
Perante a dádiva de ser parte
De tudo (e de ti)
Eu apenas sigo o caminho
Da sua respiração
Extático pela tua graça
Me derramo na tua pele
Na tua expressão viva
Em cerimônia, ritual, celebração
Da existência - do ser


Ausencia Praia - Antônio Pinto - trilha sonora À Deriva - uma música

Mera testemunha


Pernas cruzadas...
Um fio de água flui pela fonte de bambu...
Límpida e fresca
A mente repousa no vazio
Da árvore pendem as flores
Recém nascidas...
Não se lembram de suas irmãs desfalecidas
Da estação passada
Levanta-se e anda
Umedece as mãos e o rosto
Dedica bons pensamentos
À grama e ao arvoredo
De um instrumento de corda
Intui uma nova canção
Canta as palavras que florescem
E recita versos sem pressa
Nutrindo-se da polpa da vida
Pés conectados à terra
Planta sementes de alegria
Despe-se dos tecidos e mergulha
Flutuando sem peso e sem controle
As gotas lhe evaporam o calor
E animam os músculos ao cuidado
integral de tudo
Do corpo, do ambiente, do espírito
Das pessoas
Ouve súplicas e consola
Enquanto seu interior consola-se
Naturalmente partilha
Sua energia vital
Pois que não é sua
Nem pode ser retida

Sua dor e insegurança
Desespero e carência
Sua solidão e fragilidade
Medo e desamparo
São aceitos como elementos
Da gratuidade
Do fluxo irregular e diverso
Não teme o nascimento,
O envelhecimento,
A doença ou a morte
Se regozija com a verdade
A simples verdade do que é...

Tr´alma

Já me embriaguei de remorso
e criei calabouços e labirintos no subterrâneo
da pele e do nervo
Derramei chumbo nas veias
e deixei esfriar e endurecer...
Já me circundei de espelhos retorcidos
para ver a dor que causei
como minha própria dor
Deixei se apoderar da vista
uma camada de lodo
e diluir-se o tato sob a poeira
Condenei-me, então, a uma prisão de carne
onde tranquei meus medos
e a insegurança
cultivada a custa de (auto)desconfianças
E perdas

Por essas grades
entre meus dedos
desmancharam-se as asas
do enlevo
Para só então, irremediavelmente perdido
encontrar um caminho
Que as transpassou

Foi um pássaro branco, olhos castanhos
O guia nesse desmanchar
do passado
Levando-me pelos galhos, pelas nuvens,
pelo ar

E agora
Abóboras despedaçadas
Decoram minha alma
E goteiras infinitas
fazem chover aqui dentro
O chão torna-se demasiado
escorregadio
para dar passos invisíveis
E mil afluentes unem-se
a esse rio apertado
que se arrasta, cinza
sem nunca chegar
ao abraço do mar...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Om.


Uma,
Duas,
Três...
Os relógios pararam
O tempo segue com o correr da lua
Brincando no tobocã do céu
Entre praias de estrelas
E o vácuo infinito

A sua silhueta determina o horizonte
O desejo se torna um rio
Corredeiras e calmarias se confluem
Descendo suavemente
Seu caminho natural
ao todo oceano

Movimento mútuo incessante
dois lados inseparáveis
eu e você já não existe
nunca existiu de fato
Superando as neblinas do mundo
Surpreendemos a unidade

A dor e o amor não diferem
Não existe um sem o outro
A ausência e a presença são iguais
o ser é em todo lugar
Não se engane pelos sentidos
Antes transcenda suas formas vagas
Veja mais que os olhos
Sinta mais que a pele
Ouça mais
Prove mais
Perfume...

A química do espírito
Descobre que todas as substâncias
Estão conectadas
E o vazio é a essência do universo

Uma
Duas
Três
Sem fim o tempo
Nos consagra
No êxtase (do) real