quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Queime depois de ler


Manifesto de fundação da Pró-associação dos (A)tingidos pela Pós-modernidade

A pós-modernidade não é uma teoria, não é uma novidade, não é uma abstração. A pós-modernidade é apenas um resultado ou o ápice do sistema capitalista em sua forma globalizada, especulativa, financeirizada, onde tudo é imagem e mercadoria, onde tudo é desagregação falsamente agregada, fragmentação ilusoriamente conectada, corpos partidos, espíritos rachados, emoções trincadas, sonhos plastificados... Os seres humanos são máquinas-animais nesse sistema de consumo, de consumo de vidas... nos esgotamos correndo n´uma roda de ambições, vontades comerciais, esperanças moldadas, para manter em funcionamento esse corpo de relações sociais de dominação e exploração, frustração e compensação, violência e entretenimento.

Correndo, com pressa, endividados, dispersos, sozinhos, isolados, em multidão... sujeitos dóceis ou tornados inofensivos, seres incapazes de perceber-se coletivamente, de integrar-se, de harmonizar-se com uma construção coletiva, uma relação social coletiva que busque sua libertação, ao invés de sua escravidão. Esse é o resultado de cerca de 10 mil anos de sociedade de classes, de dominadores e dominados, de senhores e escravos, hoje em seu grau mais avançado, complexo, destruidor e sanguinário. Torrentes de sangue de nossas veias são bombeadas por cartões de crédito e bancos de empréstimos consignados. Quanto tempo trabalhamos para pagar nossas dívidas? Nascer é uma dívida, nesse sistema. Muito foi pago para nos fazer nascer e nos cobram desde o primeiro momento. Morrer também é uma dívida. Viver é uma dívida. Quanto de nossas vidas são dadas para comprar coisas, ou, pior, minimamente para poder continuar vivendo, trabalhando mais, para viver um pouco mais, em um ciclo cujo fim é a morte vã? O que isso diz sobre nós, senão que continuamente nos fazemos coisas (coisificados), substituindo a vida que existe em nós por coisas que nos alentarão pelo fato de não vivermos...

Diante disso, cria-se aqui, agora, a cada ato de leitura deste texto, a todo instante e intermitentemente, a Pró-associação dos (A)tingidos pela Pós-Modernidade. Nada mais é do que um espaço, um tempo, uma brecha, uma rachadura na opressão que nos cerca e que vomitamos continuamente. Esta Pró-associação não é uma organização, uma entidade, uma instituição, uma coisa. É um impulso de relações em busca de libertações mínimas e máximas dentro do sistema de relações destrutivas pós-modernas. Sendo assim, na Pró-associação os sujeitos que se sentem profundamente atingidos pela pós-modernidade encontram outros para assim apoiarem-se na emancipação comum. Pelas nossas dores e feridas nos unimos em laços de afetividade e solidariedade para superarmos as relações envenedadas pela insegurança psicológica que nos é incutida, pela vaidade individualista que nos é engolida, pela dispersão e fragmentação corpo´mental e espiritual que nos é propagada, pelo desespero pela sobrevivência que a todos empurra à escravidão "voluntária".

Transformar esta realidade e relação social caracterizada pelo ápice capitalista aqui denomidado pós-modernidade é o foco da Pró-associação, mas isto não faz dela substituto dos movimentos socias e demais espaços de transformação. Contudo, a maioria das iniciativas de transformação é realizado por sujeitos atingidos em sua íntima estrutura psíquica, espiritual, corpo-mental pela pós-modernidade, fazendo deles sujeitos fragmentados e dilacerados.

Exemplo disso é quando cada um de nós precisamos percorrer diariamente dezenas de quilômetros para chegar a qualquer lugar, desde uma reunião do movimento, ou ao local de trabalho (escolhido-compulsório) que nos dará sustento, ou ao lugar que vende lazer, saúde ou qualquer necessidade humana básica feita mercadoria. Este urbanismo ultradistanciado nos dilacera cortando nosso tempo e nosso espaço por distâncias psicológicas e concreto-armadas. Sempre de passagem, sempre indo para algum lugar que não o nosso próprio lugar para resolver ou fazer algo, ou simplesmente estar. Assim, a Pró-associação atua na reorganização urbanística dos seres, transformando os paradigmas de moradia, convivência, atuação e deslocamento em um único paradigma que afirma que precisamos existir, coexistir e transformar a realidade e as relações preferencialmente e prioritariamente no território que nossas pernas podem percorrer no espaço de minutos e sem se cansar. O que significa que a comunidade e a vivência comunitária, consideradas em sua raiz existencial, é um dos caminhos de superação da pós-modernidade. Ao invés de viverem em casas separadas, em estruturas sociais baseadas no núcleo familiar (ou na família nuclear), estrutura ancestral da sociedade de classes ou então fortemente apropriada por ela, ao invés de cada um viver em lugares distantes, sendo preciso que todos desloquem-se para pontos de intermédio para realizarem suas ações pessoais e sociais, busca-se o rompimento com este urbanismo desagregador, em busca de outro agregador, solidário, participativo, de laços afetivos transsociais, ou seja, amplos e irrestritos entre todos os viventes do lugar.
Outro exemplo dos resultados nos sujeitos da pós-modernidade é a formatação dita educacional que recebemos desde nossos primeiros contatos com o conhecimento. Recebemos tudo em pacotes, separados, disassociados, descontextualizados, o conhecimento fechado em disciplinas, em "ciências", como se o conhecimento não fosse sempre interrelacionado e complexo. O conhecimento foi partido, triturado e distroçado, sendo assim injetado (e vendido) em mentes amolecidas por uma disciplina que nega-lhes a pergunta, a curiosidade e a criatividade. Ao contrário, atuamos aqui um conhecimento integral, enriquecido com fibras, laços, multiplicidades, sabores, emoções, conexão de todas as dimensões da existência humana.

Pró-associação porque o ato de associar-se precisa ser proposto permanentemente, não imposto. É uma escolha diária e necessariamente consciente e voluntária associar-se, estar com o outro, construindo com o outro, para favorecer a si mesmo no benefício de todos. Como a pós-modernidade é o ápice de uma sociedade em que as relações sociais estão profundamente permeados por uma lógica comercial, de dominação, de competição e isolamento, precisamos (re)criar a prática associativa em nós individual e coletivamente. 

Ao ler este texto, eu, leitor-escritor que percebe e transforma o mundo, abro a possibilidade da pró-associação, estando livre para associar-me ou esquecer.

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