segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Interrogações contínuas


"O amor é uma interrogação contínua" Milan Kundera | O livro do riso e do esquecimento, p. 183

I

Porque não se trata apenas de um sentimento ou estado de ânimo/espírito. Amar é buscar, aproximar-se, identificar-se, transformar-se com x outrx, duvidar-se. Não uma adoração alienada de um objeto inanimado, mas uma con-vivência, uma prática constante de conhecer x outrx, de ad-mirar-lhe, no sentido de vê-lx profundamente e assim poder perceber sua beleza e unicidadade. E no conhecimento e co-presença dx outrx, cuidar-lhe e crescer-lhe.

II

Contudo, existe um amor sem interrogações, sintopenso. Acredito distinguir duas dimensões de amor. A dimensão pessoal e a dimensão impessoal. O amor impessoal é aquele pela vida, pelo todo, e, indiretamente, por tudo e todos, pelo simples fato de serem vida e todo. Aquele que ama sente-se parte da vida e do todo. Nesse amor, amamos os outros porque amamos a nós mesmxs e amamos a nós mesmxs porque amamos a vida e o todo. Nessa dimensão, o amar é ser, algo em si mesmo, que se basta, ou melhor, que a tudo contempla, de tudo é parte/todo, é atemporal, panorâmico/amplo, dérmico. O amor pessoal, diferentemente, ama não o que nos une, mas o que nos particulariza, o que nos faz únicos, inigualáveis e não imitáveis. Por isso se aplica à pessoa em si, não à vida e ao todo. Ama-se a pessoa por ela ser quem ela está sendo, diferente de todos xs outrxs. Quando esse amor se expressa em nós, não se aplica a todxs, mas a alguns/mas que, por motivo ou ação conhecida ou misteriosa, nos atraem e com xs quais nos sentimentos conectados. Há pessoas que queremos conhecer, nos aproximar, ad-mirar, com a qual queremos compartilhar e contribuir. Estas pessoas nos despertam perguntas inesgotáveis e para suas perguntas temos infinitas respostas, pois cada pergunta desvenda, desperta, chega um pouco mais dentro dx outrx e de nós mesmxs, nossos movimentos e renovações. Por essx mesmx motivo/ação, não sentimos nenhuma ou quase nenhuma vontade ou interesse de fazer certas e tantas perguntas aos outros, com os quais não sentimos tal conexão pessoal de amor. Esses demais, amamos, sim, mas impessoalmente. Podemos vir a conhecer-lhes, a nos aproximar deles, a ad-mirá-los, mas não se trata, nesses casos, do amor pessoal. Amamos nesses demais a vida e o todo, ainda que na revelação de sua beleza individualizada. Nessa dimensão, o amar é estar. Ele é temporal, sexual (em muitos casos, pra não dizer todos), detalhista e epidérmico.

III 

Em cada um de nós se expressam e coexistem o amor pessoal e o impessoal, em correlações constantes, em medidas e intensidades diversas. Se uma pessoa vivencia predominantemente o amor pessoal, ela pode acabar confundindo x outrx com o todo, tornando-x um muro que a impede de amar a vida e o todo e até mesmo as demais pessoas de forma também pessoal, pois tão profunda é a relação pelo diferente, pelo particular, que se distancia ou perde a dimensão total, ampla, una. Se, ao contrário, vivencia predominantemente o amor impessoal, tal qual um sacerdote, tanto ama a tudo e todos que sente-se incapaz ou mesmo acha que não deve amar pessoalmente alguém, julgando que o amor pessoal limitaria ou impediria seu amor impessoal, universal, amplo. Ama a todos como o todo, logo, na dimensão pessoal, não ama ninguém. A equação dessas medidas realiza uma infinitude de resultados/experiências. Imaginosinto que um caminho em que nos permitamos vivenciar da forma mais intensa ambos os amores, pessoal e impessoal; em que estejamos atentos e abertos para perceber a beleza do todo e da vida em tudo e em cada um, mas, que, igualmente, possamos também nos permitir perceber que uma/s pessoa/s, deveras, nos atrai/atraem de forma singular e nos deixemos seguir este movimento que em nós se desperta, nos permite - essas duas vivências complementares e indivisíveis (sintopenso eu) - realizar um amor transpessoal, que alcança profundamente dentro e fora, tudo e todos, nas dimensões pessoal e impessoal, profundamente e detalhadamente, de forma ampla e também particular.

IV

Talvez uma intuição, uma sugestão, ou uma invenção minha tudo isso. Mas me parece inevitável tanto e tais amores, por isso amo mais e mais quero amor...

Fever Ray - Seven - bebendo...

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