sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sobre Astrologias Subjetivas e Afetivas




Cada pessoa é um universo. Uma infinitude de espaço vazio, potencial, salpicado de bilhões de galáxias de interesses e vontades coloridas, incontáveis buracos negros de dúvidas, medos e traumas misteriosos, um sem fim de estrelas ofuscantes de sonhos, desejos, impulsos, e tantos e tantos planetas de ideias, características, traços de personalidades e personagens, histórias, memórias e ficções.

E todas nós, universos, vagamos por este multiuniverso que nos contém e/ou nos possibilita conviver. Convivência esta igualmente astrofísica, astroquímica, astrodinâmica, astromística, mediada pelas forças gravitacionais, pelas matérias escuras, pelos raios cósmicos, pelas radiações estelares e pelos fenômenos inexplicáveis, quânticos e metafísicos.

Neste multiuniverso, em seu espaço de distâncias infinitas e expansivas, estamos em constante movimento, vagando pela imensidão a perder de vista, sem horizontes, hora circundando outros universos, ora isolados de tudo. Em dados momentos, nos aproximamos então daquele universo de cabelos zodiacais, de olhos lunares, de curvas meteóricas, de espírito astronômico que nos atrai com sua beleza gravitacional. E nos vemos dançando esta dança orbital de seres perdidos na vastidão, em busca de encontros que os amplie e os acalantem, como o calor de uma estrela próxima que propicia a vida.

Nos sentimos motivados a entrar em atrito sensual com a meiga e fervente atmosfera dela, queremos desvendar os mistérios de seus continentes e seus oceanos, explorar todos as suas histórias-satélites, entender a influência das experiências-constelações que ela viveu.

E assim, nos conhecemos mais, florescemos mais, nos expandimos, a partir da partilha, do cuidado, da colisão dos átomos produzindo novos elementos de arte e alegria.

Mas às vezes esse mesmo universo que tanto nos atraiu com sua gravidade charmosa e iniciativa cósmica, também, por motivos não explicados ou explicáveis, afasta-se, ou pior, some no espaço-tempo, perdida na matéria-escura desconhecida do infinito.

E fica em nós ainda por muito tempo aquela estranha sensação de atração pelo que já não está lá, aquele peso gravitacional que nos puxa para um chão que desapareceu.
Demora ainda um pouco a nos habituarmos com a gravidade-zero, ou o vazio cósmico do (des)equilíbrio dinâmico do nosso próprio universo em movimento.

Ao som de Breezeblocks, de Alt - J

Dormir aqui


Aproximei-me dela "posso dormir aqui com você? E ela me olhou, com uma das sobrancelas arqueadas e mordendo levemente o lábio e rebateu "como assim? E eu me declarei "dormir assim, juntinho, te fazendo carinho e te dando prazer... Os olhos dela brilharam e com o canto da boca ela riu e disse "uma proposta assim e vinda de ti é difícil de recusar, e ela disse isso enquanto sua mão levantava o lençol, abrindo as portas da boa ventura. Convidou-me com seu corpo nu a presença do meu corpo nu. Então, deixando cair no chão as poucas roupas que me prendiam, deitei-me somando meu calor ao dela. Ao aproximar-se das peles, os pelos se eriçaram e eu a abracei, naturalmente minha boca chegando em sua nuca e minha respiração ressoando em seu ouvido. Acarinhei o pescoço dela, inspirando o perfume dos seus cabelos cacheados cheios. Minhas mãos, uma envolveu seu ombro e a outra começou a dançar pelo corpo dela, dedilhando a pele macia, buscando as notas que mais acariciavam seus sentidos. E longamente fiz carinho na barriga, na cintura, nos ombros, nas coxas e no sexo. O quadril dela apertou um pouco o meu, chamando-me e a segui, buscando-a e ouvindo-a. Quando me senti dentro dela, degustei o suave movimento levando-me e deixando-me, mas nunca completamente. E eu também ia e vinha, em sintonia, tão lentamente quanto a maré, que a enchia e inundava, a deixando molhada e molhando-me deliciosamente. Beijei o canto de sua boca, minha mão segurando seu rosto e tocando-lhe suavemente. E assim ficamos por bons cuidados até que repletos, nos deixamos levar para a inconsciência do sono e do sonho.

Escrito em Belém/PA, 28/09/15, deitado na orla de Icoaraci.

O Encontro é a Arte da Vida



Um metamonge taobudista poderia dizer que existem três qualidades simples que podemos exercitar para a vida.

A qualidade do Vazio, a Paciência e a Atenção Sensitiva.

A qualidade do Vazio não se trata de nos esvaziarmos, mas de ampliarmos nosso potencial de Vazio e nossa convivência com o Nada. "Perder o Nada é um empobrecimento, brincou um dia Manoel. O nada nos permite mais, nos liberta, porque tudo cabe no nada.

Quem já está cheio demais, de certezas, de ideias, de planos, como pode fruir o fluxo da vida?

A paciência é a ciência da paz. Sentir a vida, permitir a vida, seguir a vida e respeitar a vida. 

A pressa causa ansiedade, que leva ao desespero, que provoca medo e frustração. Aquele que segue calmo e confiante o fluxo-tempo da vida, em paz e ciente de que todos os rios se derramam no mar e todas as vidas são única e toda Vida, vive pleno sua vida sua e sua vida Tudo.

E na brincadeira dessa duplicumplicidade de ser só e ser tudo simultontamente, abrir bem os olhos, narinas, ouvidos, boca, pele, intuição, sonhos, braços, pernas, desejos, tesões, caminhos, possíveis e impossíveis... 

Sentir bem tudo, por todos os sentidos, todas as linguagens, todos os sexos, todas as amorosidades...

Bem atento e sensível a tudo, aos movimentos da maré e correntezas, às frentes frias e ares ascendentes, às chuvas e sóis, para evitar as pedras e aproveitar os impulsos...

E nessas três qualidades simples, vamos encontrando a vida a cada dia, dentro, na profundeza da gente, e fora, em cada beleza viva, gentes, plantas, cabelos, aves, danças, bichos, águas, corpos, flores e sorrisos...

Escrito em Belém/PA, 27/09/15. Iniciado durante o 5º Elemento, evento de Hip Hop feminista, ao som do Dance Hall de Wande Coal - Baby Hello e concluído no Coisa de Negro, bar em Icoaraci, perifa de Belém, às 23:52.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Strip-metafísico




Você me olha com teus olhos-de-aforismas-que-alertam-que-te-olhar-nos-olhos-é-perigoso

Você pisca lentamente, movimentando o ar com teus longos cílios paradigmáticos

Você balança suavemente teus ombros-enigmas como uma quimera egípcia prestes a me devorar

Você ginga tua cintura-axiomática que balança teu quadril-paradoxal que baila tuas pernas-apote(r)óticas sobre teus pés-transcendentais

Você tem sobre o corpo apenas um punhado de leis-sugestivas, morais-lascivas, vendas-proibidas, cordas-abrasivas...

Você então começa o ritual-problemático de lenta-letalmente despir-se de cada uma dessas vestes-impossibilidades

Você primeiro começa a tirar as tais leis-de-ceda que te enluvam as mãos, jogando-as para longe, aos meus pés

Você me volta teus ombros-caóticos e deixa cair as alças dessas morais-bojudas que te cobrem os seios-existenciais, jogando para longe então o tal sutiã-teocrático

Você segura em tuas mãos-notívagas estes peitos-místicos, dançando-os para mim

Você suavemente então acaricia-questiona teu corpo-empírico, retirando afinal essas vendas-tecidas-de-regras, revelando-me satoris e estalos de elevação de tesão-consciências entre tuas pernas-libertárias

E das cordas-icógnitas tu fazes arrastões-metáforas que esculpem essas pernas-utópicas que me cegam a ignorância

E desnudam-me a escuridão-iluminada

Você senta no meu colo beijando ideias na minha boca, sedenta, enquanto teu bumbum-sinestésico pressiona meu sexo-inspirado

Você me agarra o corpo e sem piedade-socrática faz com que eu te metafísica...

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Malefício da Dúvida


- É uma coisa louca o que acontece com gente como a gente. Tipo, nós somos pessoas muito carinhosas, quase sempre, sempre que dá, né? E aí como a outra pessoa pode saber se nós estamos afim dela ou se apenas estamos sendo carinhosas espontaneamente, sem querer nada além de sermos carinhosas como nós somos?!
- Porra, já aconteceu comigo. Muito tempo depois uma grande amiga me confessou que no começo ela super achava que eu tava afim dela, só porque eu era super afetuosa com ela, abraçava, fazia carinho na cabeça, brincava de chegar próximo por trás e fechar os olhos dela com as mãos para que ela adivinhasse quem era... Mas na real isso nunca me passou pela cabeça. Nunca senti atração física por ela. Se ela não tivesse dito, eu nem teria jamais imaginado que ela pensou isso de mim.
- Né?! Mas o foda é quando isso se volta contra nós! Tipo, se eu sou assim com as pessoas, suponho sempre também que não é porque a pessoa está sendo super carinhosa comigo que isso, necessariamente, já é sinal de que ela está afim! Tipo, o que nos diz se a pessoa está afim, se ela não fizer algo mais óbvio como dizer na cara "ei, tô afim de você" - coisa que não é muito normal, né? diga-se de passagem - ou simplesmente te beijar do nada - já aconteceu comigo - Sei lá... Talvez tenha gente que simplesmente não consegue explicitar em determinadas situações e com determinadas pessoas que elas estão atraídas pela gente, ainda que estejam... E fica nessa dúvida sem fim - Será? Vou? Faço alguma coisa? Ou eu tô viajando, não tá rolando nada, e se eu fizer algo vou  estragar tudo?
- Que foda é isso, né? Eu tenho um trauma. Seria ótimo se pudéssemos dizer simplesmente, quase "inocentemente", sem pretensão ou preocupação de reciprocidade nenhuma, poder dizer com naturalidade "olha, eu gosto de ti, sinto uma vontade imensa de te beijar, adoraria tirar toda tua roupa e acariciar e mordiscar todo o teu corpo... MAS, de boas se você não sentir isso, eu até tenho a sensação que tu não sentes, mas, na dúvida, achei por bem te dizer, né? Vai que... 
- Porra, seria lindo. Tudo seria mais simples. Seria como viver o tinder olho-no-olho, sem precisar da bosta de um aplicativo pra gente poder dizer na cara das pessoas que a gente está afim delas, que achamos elas lindas, atraentes, sensuais, encantadoras, gostamos do jeito delas rirem...
- E sem que com isso, as pessoas passem a agir estranhas com a gente, nos evitando, pra que a gente não "tente nada"...
- "Amooor, eu estou afim de você, mas não sou um bicho, não vou te atacar. Se tu não estiver afim, beleeeza! Estamos de boa, podemos conversar, podemos ser amigos, tranquis"!
- Né? Tem gente que o simples fato de saberem que estamos afim delas e elas não estarem também causa um incômodo, elas acham ruim, querem distância, aff!
- Traumas... Porra. Estava super apx pela mina, mas eu tinha quase cem por cento de certeza que não rolava nada além de amizade com a gente. Mas burramente eu tava com uma necessidade idiota de botar pra fora, sabe, dizer o que eu estava sentindo, porque aquilo tava me angustiando, me asfixiando de algum modo, e eu achava que se eu dissesse, eu me libertava, sabe?
- E aí?
- Tipo, eu disse exatamente assim, no ouvido dela "sou apaixonado por você" e ri. Ela fez cara de surpresa, de "quê?" e começamos a rir. E aí eu expliquei a coisa toda, de que tinha quase certeza que não rolava nada entre a gente, o que ela confirmou, que só éramos amigos, que isso era ótimo, que eu só precisava compartilhar isso com ela e tal pra me sentir melhor. O quê? Altas tretas. Ficou seis meses sem falar comigo. E hoje em dia a gente praticamente não se fala...
- Porra, que merda. 
- Pois é, desde então cheguei a conclusão de que se você tá sentindo que não tá rolando, não vale a pena dizer só por dizer... Por que vai que, né, explode uma bomba na tua mão...
- Own... que triste...
- Pois é... queria eu fosse mais fácil... 
- Eu queria que pudéssemos dar o benefício da dúvida... Pensar, "olha, não tenho certeza se ela está afim, mas, vai que está e eu não me liguei? Melhor perguntar"... Mas na real o mais provável é o malefício da dúvida "ó, se tu ainda não tem certeza que ela tá afim, se ainda tá em dúvida, é porque claramente ela não está afim e tu só queria que ela estivesse e fica na 'dúvida' por pura esperança idiota"...
- Own... (Ela segura na mão dela, como um gesto de apoio, talvez, ou de compreensão, de proximidade mesmo, ou...?)
- E, por falar nisso...
(Silêncio)
(Se olham nos olhos)
(Suspense)
(O ar parado congela. Ela pensa - o que será que ela quer dizer? A outra pensa - Será que falo mesmo?)
- Por falar nisso... eu sinto uma vontade louca de te beijar... Uma atração absurda por você... fico te olhando feito boba, contemplando como tua boca é bonita, tua orelha, teus cabelos, tuas mãos, teus pés...
(Silêncio. Piscar de olhos. Olhos nos olhos. Lábio inferior tremendo. Mãos ainda dadas. Mas imóveis...)
(Então, lentamente, as mãos dela começam a acariciar as da confessa. E aos poucos os dedos se apertam, segurando forte. E aos poucos as mãos dela a trazem para mais perto. Até elas ficarem cara a cara, a centímetros de distância. 
- Por que você não disse isso logo?
(E a beijou como uma ventania que leva embora as pétalas das flores, que derruba árvores, que destrói em seu alvoroço violento e devastador.)
(E foi um beijo longo, mordido, doído até, porque atrasado, que deveria ou poderia ter sido há tanto tempo já, mas foi só agora... Como que um beijo urgente para tirar este atraso, como se ele tivesse que compensar todos esse tempo não beijado, esse tempo não tocado, esse tempo não expresso desejo. Um beijo de corpo, de braços, mãos, pernas enroscadas, de seios apertados, de pernas agarradas, de tesão liberto, de querer solto, de finalmente...)  

Camomila - Cícero - é...

sábado, 17 de outubro de 2015

13 Contos Nus (Parte 2)

VIII

O box do banheiro não era apertado, era na medida dos nossos corpos. Era moldado para manter nossos corpos tão próximos quanto possível, quanto querível, quanto terrível. A água logo evaporava de nossos corpos enquanto fazíamos nossos intervalos sensuais entre cada chuveirada. Substituída por suor e gozo, nossas peles ensaboadas se roçavam, esfregavam, bailavam, pressionadas contra a parede, nos pressionando um contra o outro, um a favor do outro, um em fervor do outro. À luz de velas, à luz de lâmpada surtada que apagava sozinha, eu dava banho em você, você dava banho em mim. Te cuidar, perfumar cada parte de teu corpo, te inundar, segurar tuas pernas tremendo enquanto te bulino, te fascino, te sinto. Ser cuidado, sentir meu sangue extrapolando meu sentir, ver correrem-se as horas nesses banhos sem fim. Te-me-nos banhar.

IX

Ver o sol nascer pela janela, enquanto nós, esgotados, encharcamos a cama de suor e êxtase. Acordar às 4h40 completamente duro sob a luz vermelha e te possuir por incontáveis eras. Deitar, exausto, esvaziado, no teu colo - melhor colo, em completa paz e harmonia com o universo e com teu corpo, e dormir como se nunca tivesse sido insone na vida. Nunca dormi tão bem na vida. Teu perfume me hipnotizava como éter e incenso. Tua pele me aconchegava até o último poro, o último nervo, o último sentido de prazer. Te fazer dormir usando os métodos mais baixos, desonestos, vis - como acarinhar entre suas sobrancelhas, massagear tuas orelhas, seduzir tuas forças a se abandonarem nos meus braços. Ou te extorquir todas as forças em incessantes exercícios orgásticos. Drenar até teu último orgasmo - levando teu corpo ao colapso do descanso. Nunca dormi tão bem - nunca acordei tão bem - nunca sonhei tão bem um sonho acordado.

X

A vida se abre para quem está aberto para a vida. E tudo vale a pena quando o senso de humor não é pequeno. E estamos dispostos a tirar de tudo ao menos um pouco de suco, seja da pedra, de uma peça de merda, ou seja lá o que a vida nos dá.

Atrasados, excitados, tentando transar cada segundo que resta antes de sair correndo, partimos para a Casa de Teatro. Chegamos atrasados, mas infelizmente nos deixam entrar. E sentados, diante do palco, esperamos algo acontecer, enquanto um punhado de gentes arrastam-se pelo palco produzindo ruídos inteligíveis. Após quarenta minutos de incompreensão, a espera de qualquer coisa que fosse (!), arredamos o pé! Afinal, a vida é muito curta pra ver a peça passar a toa.

Ao sair, muito melhor, um papo crítica-teatral com um querido trampeiro da casa, e após rirmos muito e pormos nosso primeiro pé na calçada da rua, ouvimos a ladainha de Angola nos chamar. E como não temos medo nem vergonha de sermos felizes, subimos as escadas, porque escada de bairro antigo cultural sempre dá em pico astral. E somos presenteados com ofertas de impressões bonitas sobre a vida e resistência de viver na capoeira dos antigos e dos atuais. E ali mesmo, entre papos negros, recebemos o próximo chamado – hoje é quinta do samba! – Num é que é mesmo? E para lá vamos e nos deparamos com aquela casa grande e velha cheia de quadros aberta para recém-chegados. E curtimos a surpresa de imagens fixas brilhantes abstratas naturezas cores artes e inspirações. E rodamos pelo samba charlando bens-me-quer-demais-eu-e-tu. E voltamos para casa e fomos mais amor-com-tesão.

XI

E nesse fluxo intenso de sentir e viver mais e deixar-se ir para onde a correnteza nos leva sem medo de ousar e de braços abertos para o vento e mariposas existenciais nos deparamos numa manhã de Lunes com uma parada parada na beira da rota do Sol. E nos demoramos por lá, porque o bonde custa a chegar. E aproveitamos para ler sobre bucetas e libertações enquanto não chega a carroça. E quando estamos prestes a desistir – levantados já em direção ao embora – o agora chega e dá um basta na espera: pois que aparece uma pessoa inusitada tatuada de navalhas e diabas que é sempre muito bem vinda no abraço e no papo. E nesse inusitado abrem-se tecidos aéreos para dias seguintes de novas experiências e contam-se histórias de trans-prostitutas circenses alemãs e outras artes de viver para as novas pós-modernidades.

E afinal chega a balsa terrestre túnel até a Terra da Tapioca Prometida e nela dão-se novos encuentros castellanos con una gente de mui lejo – umas personas buenas de una origene questionable.

E afinal nosso rio deságua no mar de nosso destino e nos encaminhamos pro nosso palco de grama alheia e lá nos deliciamos com a boia mais gourmet que uma vasilha de sorvete reutilizada já conheceu. Bailar na água do mar num vai-e-vem-entra-e-sai-gostoso-que-ninguém-tá-vendo-tão-só-pensando-maldade é bom demais e brincamos e contemplamos o pôr-do-sol e nos queremos tanto e peregrinamos para a Última Tapioca do Deserto, aquela partilhada pelo Buda na última Ceia dos Três Tigres Trevosudos.

Alcançada a iluminação pela ingestão súbita daquela divindade de macaxeira feita em forno a lenha artesanal, retornamos ao lar para novos encontros e sabedorias ancestrais. E dias depois ascendemos aos céus erguidos por nossos potentes braços tecidos aéreos além e ao infinito.

XII

Era madrugada molhada e vibrante do dia cinco para seis de setembro. Seis de Setembro, para as boas entendedoras, é o melhor dia do ano. Foi o Dia da Deusa e mais, é o Dia da Divina Brincadeira. E nesse dia resolvemos, por acaso, celebrar toda a divindade que existe em nós com abundâncias de orgasmos, exaustões de desejos, explosões de tesão, absurdos de gozos, exageros de fluídos gotejados entre as pernas, vastidões de prazeres e bem-quereres. Após um vasto correr da Lua pela noite, após um vasto correr do meu corpo pelo teu, após um vasto derramar-me em ti e tu me sugar tudo que há em mim, afasto-me de ti, levanto-me e pego uma bandana preta cheia de caveiras e ossos cruzados. E suavemente aproximo-me dela, deitada e suada e ofegante, vendando-lhe os olhos. E então inicio um ritual que imaginei nunca teria a oportunidade de celebrar.

Delicadamente passo as cordas vermelhas em suas coxas, prendendo-as às suas panturrilhas, amarro suas mãos sobre seu corpo, e assim, irresistível, latejante, posso brincar de surpreender-lhe. Cuidadosamente retiro meu brinquedo novo de seu invólucro, umedeço-o e aproximo-o da parte mais sensível e excitada dela. O suspense no ar já estava asfixiante, quando quebro esta fina película de tensão fazendo meu brinquedinho branco vibrar intensamente, lançando-a num território desconhecido de prazeres e loucuras. E então delicio-me com os gemidos ininterruptos da Deusa, com seu corpo vibrando junto comigo, seu quadril dançando-tremendo, suas pernas apertadas contra os fios vermelhos desesperando-se de orgasmos. E assim ficamos por um tempo incontável, até desfazer-nos de tudo novamente, deitados muito apertados diante do sol que nascia.

13

Os melhores dias da Vida. Naquela quase meia década cronológica, mais de século vivenciado, naqueles milhares de quilômetros e minutos percorridos intensamente, naquela terceira casa duma jornada ainda muito longa de encontrar-se a si e fazer-se no espaço que habita, naquele dar demasiado e incessante de uma vida de aprendizados sobre como dar sem doer-se, sem medir-se, sem impedir-se – alcançou ali, naqueles 13 dias a plenitude mais plena que jamais poderia imaginar. Planando pela imensidão das nuvens, sentia-se voando pelo universo elevado pelos am´orgasmos mais do que diários, mais do que horários, mais do que instantâneos – aqueles dias com ela, aquela partilha da vida em tudo, inteira, íntegra, íntima, impetuosa, transportaram-no para outro mundo, outra referência do que é ser e estar, querer e ir, sentir e tocar, cuidar e conhecer.

É difícil entender agora tudo que veio antes e tudo o que virá depois. Verdadeiramente um ponto de ruptura em sua história. Ela veio e inundou-o de luz e treva e cor e amor. Ela renovou todas as células, suores, fluidos, sonhos, possibilidades, impossibilidades, imprevisíveis e divindades que existiam nele. Ele nasceu de novo, de novo. E assim, consagrado Sacerdote da Deusa, dedica sua Vida a partir desse ritual de 13 dias-vidas ao cuidado da Deusa Mãe manifestada em todas as mulheres, em toda a Natureza, em toda a Vida.

Ao som de Lost My Lenore - Tristania - que ela dançou