VIII
O box do banheiro não era apertado,
era na medida dos nossos corpos. Era moldado para manter nossos corpos tão
próximos quanto possível, quanto querível, quanto terrível. A água logo
evaporava de nossos corpos enquanto fazíamos nossos intervalos sensuais entre
cada chuveirada. Substituída por suor e gozo, nossas peles ensaboadas se
roçavam, esfregavam, bailavam, pressionadas contra a parede, nos pressionando
um contra o outro, um a favor do outro, um em fervor do outro. À luz de velas,
à luz de lâmpada surtada que apagava sozinha, eu dava banho em você, você dava
banho em mim. Te cuidar, perfumar cada parte de teu corpo, te inundar, segurar
tuas pernas tremendo enquanto te bulino, te fascino, te sinto. Ser cuidado,
sentir meu sangue extrapolando meu sentir, ver correrem-se as horas nesses
banhos sem fim. Te-me-nos banhar.
IX
Ver o sol nascer pela janela,
enquanto nós, esgotados, encharcamos a cama de suor e êxtase. Acordar às 4h40
completamente duro sob a luz vermelha e te possuir por incontáveis eras.
Deitar, exausto, esvaziado, no teu colo - melhor colo, em completa paz e
harmonia com o universo e com teu corpo, e dormir como se nunca tivesse sido
insone na vida. Nunca dormi tão bem na vida. Teu perfume me hipnotizava como
éter e incenso. Tua pele me aconchegava até o último poro, o último nervo, o
último sentido de prazer. Te fazer dormir usando os métodos mais baixos,
desonestos, vis - como acarinhar entre suas sobrancelhas, massagear tuas
orelhas, seduzir tuas forças a se abandonarem nos meus braços. Ou te extorquir
todas as forças em incessantes exercícios orgásticos. Drenar até teu último
orgasmo - levando teu corpo ao colapso do descanso. Nunca dormi tão bem - nunca
acordei tão bem - nunca sonhei tão bem um sonho acordado.
X
A vida se abre para quem está
aberto para a vida. E tudo vale a pena quando o senso de humor não é pequeno. E
estamos dispostos a tirar de tudo ao menos um pouco de suco, seja da pedra, de
uma peça de merda, ou seja lá o que a vida nos dá.
Atrasados, excitados, tentando
transar cada segundo que resta antes de sair correndo, partimos para a Casa de
Teatro. Chegamos atrasados, mas infelizmente nos deixam entrar. E sentados,
diante do palco, esperamos algo acontecer, enquanto um punhado de gentes
arrastam-se pelo palco produzindo ruídos inteligíveis. Após quarenta minutos de
incompreensão, a espera de qualquer coisa que fosse (!), arredamos o pé!
Afinal, a vida é muito curta pra ver a peça passar a toa.
Ao sair, muito melhor, um papo
crítica-teatral com um querido trampeiro da casa, e após rirmos muito e pormos
nosso primeiro pé na calçada da rua, ouvimos a ladainha de Angola nos chamar. E
como não temos medo nem vergonha de sermos felizes, subimos as escadas, porque
escada de bairro antigo cultural sempre dá em pico astral. E somos presenteados
com ofertas de impressões bonitas sobre a vida e resistência de viver na
capoeira dos antigos e dos atuais. E ali mesmo, entre papos negros, recebemos o
próximo chamado – hoje é quinta do samba! – Num é que é mesmo? E para lá vamos
e nos deparamos com aquela casa grande e velha cheia de quadros aberta para
recém-chegados. E curtimos a surpresa de imagens fixas brilhantes abstratas
naturezas cores artes e inspirações. E rodamos pelo samba charlando
bens-me-quer-demais-eu-e-tu. E voltamos para casa e fomos mais amor-com-tesão.
XI
E nesse fluxo intenso de sentir e
viver mais e deixar-se ir para onde a correnteza nos leva sem medo de ousar e
de braços abertos para o vento e mariposas existenciais nos deparamos numa
manhã de Lunes com uma parada parada na beira da rota do Sol. E nos demoramos
por lá, porque o bonde custa a chegar. E aproveitamos para ler sobre bucetas e
libertações enquanto não chega a carroça. E quando estamos prestes a desistir –
levantados já em direção ao embora – o agora chega e dá um basta na espera:
pois que aparece uma pessoa inusitada tatuada de navalhas e diabas que é sempre
muito bem vinda no abraço e no papo. E nesse inusitado abrem-se tecidos aéreos
para dias seguintes de novas experiências e contam-se histórias de trans-prostitutas
circenses alemãs e outras artes de viver para as novas pós-modernidades.
E afinal chega a balsa terrestre
túnel até a Terra da Tapioca Prometida e nela dão-se novos encuentros
castellanos con una gente de mui lejo – umas personas buenas de una origene questionable.
E afinal nosso rio deságua no mar
de nosso destino e nos encaminhamos pro nosso palco de grama alheia e lá nos
deliciamos com a boia mais gourmet que uma vasilha de sorvete reutilizada já
conheceu. Bailar na água do mar num vai-e-vem-entra-e-sai-gostoso-que-ninguém-tá-vendo-tão-só-pensando-maldade
é bom demais e brincamos e contemplamos o pôr-do-sol e nos queremos tanto e
peregrinamos para a Última Tapioca do Deserto, aquela partilhada pelo Buda na
última Ceia dos Três Tigres Trevosudos.
Alcançada a iluminação pela
ingestão súbita daquela divindade de macaxeira feita em forno a lenha
artesanal, retornamos ao lar para novos encontros e sabedorias ancestrais. E
dias depois ascendemos aos céus erguidos por nossos potentes braços tecidos
aéreos além e ao infinito.
XII
Era madrugada molhada e vibrante do
dia cinco para seis de setembro. Seis de Setembro, para as boas entendedoras, é
o melhor dia do ano. Foi o Dia da Deusa e mais, é o Dia da Divina Brincadeira. E
nesse dia resolvemos, por acaso, celebrar toda a divindade que existe em nós
com abundâncias de orgasmos, exaustões de desejos, explosões de tesão, absurdos
de gozos, exageros de fluídos gotejados entre as pernas, vastidões de prazeres
e bem-quereres. Após um vasto correr da Lua pela noite, após um vasto correr do
meu corpo pelo teu, após um vasto derramar-me em ti e tu me sugar tudo que há em
mim, afasto-me de ti, levanto-me e pego uma bandana preta cheia de caveiras e
ossos cruzados. E suavemente aproximo-me dela, deitada e suada e ofegante, vendando-lhe
os olhos. E então inicio um ritual que imaginei nunca teria a oportunidade de
celebrar.
Delicadamente passo as cordas
vermelhas em suas coxas, prendendo-as às suas panturrilhas, amarro suas mãos
sobre seu corpo, e assim, irresistível, latejante, posso brincar de
surpreender-lhe. Cuidadosamente retiro meu brinquedo novo de seu invólucro,
umedeço-o e aproximo-o da parte mais sensível e excitada dela. O suspense no ar
já estava asfixiante, quando quebro esta fina película de tensão fazendo meu
brinquedinho branco vibrar intensamente, lançando-a num território desconhecido
de prazeres e loucuras. E então delicio-me com os gemidos ininterruptos da
Deusa, com seu corpo vibrando junto comigo, seu quadril dançando-tremendo, suas
pernas apertadas contra os fios vermelhos desesperando-se de orgasmos. E assim
ficamos por um tempo incontável, até desfazer-nos de tudo novamente, deitados
muito apertados diante do sol que nascia.
13
Os melhores dias da Vida. Naquela
quase meia década cronológica, mais de século vivenciado, naqueles milhares de
quilômetros e minutos percorridos intensamente, naquela terceira casa duma
jornada ainda muito longa de encontrar-se a si e fazer-se no espaço que habita,
naquele dar demasiado e incessante de uma vida de aprendizados sobre como dar
sem doer-se, sem medir-se, sem impedir-se – alcançou ali, naqueles 13 dias a
plenitude mais plena que jamais poderia imaginar. Planando pela imensidão das
nuvens, sentia-se voando pelo universo elevado pelos am´orgasmos mais do que
diários, mais do que horários, mais do que instantâneos – aqueles dias com ela,
aquela partilha da vida em tudo, inteira, íntegra, íntima, impetuosa,
transportaram-no para outro mundo, outra referência do que é ser e estar,
querer e ir, sentir e tocar, cuidar e conhecer.
É difícil entender agora tudo que
veio antes e tudo o que virá depois. Verdadeiramente um ponto de ruptura em sua
história. Ela veio e inundou-o de luz e treva e cor e amor. Ela renovou todas
as células, suores, fluidos, sonhos, possibilidades, impossibilidades,
imprevisíveis e divindades que existiam nele. Ele nasceu de novo, de novo. E
assim, consagrado Sacerdote da Deusa, dedica sua Vida a partir desse ritual de
13 dias-vidas ao cuidado da Deusa Mãe manifestada em todas as mulheres, em toda
a Natureza, em toda a Vida.
Ao som de Lost My Lenore - Tristania - que ela dançou
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