sábado, 17 de outubro de 2015

13 Contos Nus (Parte 2)

VIII

O box do banheiro não era apertado, era na medida dos nossos corpos. Era moldado para manter nossos corpos tão próximos quanto possível, quanto querível, quanto terrível. A água logo evaporava de nossos corpos enquanto fazíamos nossos intervalos sensuais entre cada chuveirada. Substituída por suor e gozo, nossas peles ensaboadas se roçavam, esfregavam, bailavam, pressionadas contra a parede, nos pressionando um contra o outro, um a favor do outro, um em fervor do outro. À luz de velas, à luz de lâmpada surtada que apagava sozinha, eu dava banho em você, você dava banho em mim. Te cuidar, perfumar cada parte de teu corpo, te inundar, segurar tuas pernas tremendo enquanto te bulino, te fascino, te sinto. Ser cuidado, sentir meu sangue extrapolando meu sentir, ver correrem-se as horas nesses banhos sem fim. Te-me-nos banhar.

IX

Ver o sol nascer pela janela, enquanto nós, esgotados, encharcamos a cama de suor e êxtase. Acordar às 4h40 completamente duro sob a luz vermelha e te possuir por incontáveis eras. Deitar, exausto, esvaziado, no teu colo - melhor colo, em completa paz e harmonia com o universo e com teu corpo, e dormir como se nunca tivesse sido insone na vida. Nunca dormi tão bem na vida. Teu perfume me hipnotizava como éter e incenso. Tua pele me aconchegava até o último poro, o último nervo, o último sentido de prazer. Te fazer dormir usando os métodos mais baixos, desonestos, vis - como acarinhar entre suas sobrancelhas, massagear tuas orelhas, seduzir tuas forças a se abandonarem nos meus braços. Ou te extorquir todas as forças em incessantes exercícios orgásticos. Drenar até teu último orgasmo - levando teu corpo ao colapso do descanso. Nunca dormi tão bem - nunca acordei tão bem - nunca sonhei tão bem um sonho acordado.

X

A vida se abre para quem está aberto para a vida. E tudo vale a pena quando o senso de humor não é pequeno. E estamos dispostos a tirar de tudo ao menos um pouco de suco, seja da pedra, de uma peça de merda, ou seja lá o que a vida nos dá.

Atrasados, excitados, tentando transar cada segundo que resta antes de sair correndo, partimos para a Casa de Teatro. Chegamos atrasados, mas infelizmente nos deixam entrar. E sentados, diante do palco, esperamos algo acontecer, enquanto um punhado de gentes arrastam-se pelo palco produzindo ruídos inteligíveis. Após quarenta minutos de incompreensão, a espera de qualquer coisa que fosse (!), arredamos o pé! Afinal, a vida é muito curta pra ver a peça passar a toa.

Ao sair, muito melhor, um papo crítica-teatral com um querido trampeiro da casa, e após rirmos muito e pormos nosso primeiro pé na calçada da rua, ouvimos a ladainha de Angola nos chamar. E como não temos medo nem vergonha de sermos felizes, subimos as escadas, porque escada de bairro antigo cultural sempre dá em pico astral. E somos presenteados com ofertas de impressões bonitas sobre a vida e resistência de viver na capoeira dos antigos e dos atuais. E ali mesmo, entre papos negros, recebemos o próximo chamado – hoje é quinta do samba! – Num é que é mesmo? E para lá vamos e nos deparamos com aquela casa grande e velha cheia de quadros aberta para recém-chegados. E curtimos a surpresa de imagens fixas brilhantes abstratas naturezas cores artes e inspirações. E rodamos pelo samba charlando bens-me-quer-demais-eu-e-tu. E voltamos para casa e fomos mais amor-com-tesão.

XI

E nesse fluxo intenso de sentir e viver mais e deixar-se ir para onde a correnteza nos leva sem medo de ousar e de braços abertos para o vento e mariposas existenciais nos deparamos numa manhã de Lunes com uma parada parada na beira da rota do Sol. E nos demoramos por lá, porque o bonde custa a chegar. E aproveitamos para ler sobre bucetas e libertações enquanto não chega a carroça. E quando estamos prestes a desistir – levantados já em direção ao embora – o agora chega e dá um basta na espera: pois que aparece uma pessoa inusitada tatuada de navalhas e diabas que é sempre muito bem vinda no abraço e no papo. E nesse inusitado abrem-se tecidos aéreos para dias seguintes de novas experiências e contam-se histórias de trans-prostitutas circenses alemãs e outras artes de viver para as novas pós-modernidades.

E afinal chega a balsa terrestre túnel até a Terra da Tapioca Prometida e nela dão-se novos encuentros castellanos con una gente de mui lejo – umas personas buenas de una origene questionable.

E afinal nosso rio deságua no mar de nosso destino e nos encaminhamos pro nosso palco de grama alheia e lá nos deliciamos com a boia mais gourmet que uma vasilha de sorvete reutilizada já conheceu. Bailar na água do mar num vai-e-vem-entra-e-sai-gostoso-que-ninguém-tá-vendo-tão-só-pensando-maldade é bom demais e brincamos e contemplamos o pôr-do-sol e nos queremos tanto e peregrinamos para a Última Tapioca do Deserto, aquela partilhada pelo Buda na última Ceia dos Três Tigres Trevosudos.

Alcançada a iluminação pela ingestão súbita daquela divindade de macaxeira feita em forno a lenha artesanal, retornamos ao lar para novos encontros e sabedorias ancestrais. E dias depois ascendemos aos céus erguidos por nossos potentes braços tecidos aéreos além e ao infinito.

XII

Era madrugada molhada e vibrante do dia cinco para seis de setembro. Seis de Setembro, para as boas entendedoras, é o melhor dia do ano. Foi o Dia da Deusa e mais, é o Dia da Divina Brincadeira. E nesse dia resolvemos, por acaso, celebrar toda a divindade que existe em nós com abundâncias de orgasmos, exaustões de desejos, explosões de tesão, absurdos de gozos, exageros de fluídos gotejados entre as pernas, vastidões de prazeres e bem-quereres. Após um vasto correr da Lua pela noite, após um vasto correr do meu corpo pelo teu, após um vasto derramar-me em ti e tu me sugar tudo que há em mim, afasto-me de ti, levanto-me e pego uma bandana preta cheia de caveiras e ossos cruzados. E suavemente aproximo-me dela, deitada e suada e ofegante, vendando-lhe os olhos. E então inicio um ritual que imaginei nunca teria a oportunidade de celebrar.

Delicadamente passo as cordas vermelhas em suas coxas, prendendo-as às suas panturrilhas, amarro suas mãos sobre seu corpo, e assim, irresistível, latejante, posso brincar de surpreender-lhe. Cuidadosamente retiro meu brinquedo novo de seu invólucro, umedeço-o e aproximo-o da parte mais sensível e excitada dela. O suspense no ar já estava asfixiante, quando quebro esta fina película de tensão fazendo meu brinquedinho branco vibrar intensamente, lançando-a num território desconhecido de prazeres e loucuras. E então delicio-me com os gemidos ininterruptos da Deusa, com seu corpo vibrando junto comigo, seu quadril dançando-tremendo, suas pernas apertadas contra os fios vermelhos desesperando-se de orgasmos. E assim ficamos por um tempo incontável, até desfazer-nos de tudo novamente, deitados muito apertados diante do sol que nascia.

13

Os melhores dias da Vida. Naquela quase meia década cronológica, mais de século vivenciado, naqueles milhares de quilômetros e minutos percorridos intensamente, naquela terceira casa duma jornada ainda muito longa de encontrar-se a si e fazer-se no espaço que habita, naquele dar demasiado e incessante de uma vida de aprendizados sobre como dar sem doer-se, sem medir-se, sem impedir-se – alcançou ali, naqueles 13 dias a plenitude mais plena que jamais poderia imaginar. Planando pela imensidão das nuvens, sentia-se voando pelo universo elevado pelos am´orgasmos mais do que diários, mais do que horários, mais do que instantâneos – aqueles dias com ela, aquela partilha da vida em tudo, inteira, íntegra, íntima, impetuosa, transportaram-no para outro mundo, outra referência do que é ser e estar, querer e ir, sentir e tocar, cuidar e conhecer.

É difícil entender agora tudo que veio antes e tudo o que virá depois. Verdadeiramente um ponto de ruptura em sua história. Ela veio e inundou-o de luz e treva e cor e amor. Ela renovou todas as células, suores, fluidos, sonhos, possibilidades, impossibilidades, imprevisíveis e divindades que existiam nele. Ele nasceu de novo, de novo. E assim, consagrado Sacerdote da Deusa, dedica sua Vida a partir desse ritual de 13 dias-vidas ao cuidado da Deusa Mãe manifestada em todas as mulheres, em toda a Natureza, em toda a Vida.

Ao som de Lost My Lenore - Tristania - que ela dançou

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