segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Enterre meu coração na curva do mar


Balança. Os pelos eriçados buscam manter as lembranças adormecidas. Encosta na parede, empurra, deixa-se flutuar. Recorta o vento com os dedos malqueridos diante dos olhos. O lamento agudo do frio vento desconhece destino. Corpo suspenso, adentra no transe triste de si sendo, desamparada, calada por dentro, inexpressiva, olhos vagos, míopes de sentimento, pele macia, inútil de afagos. Da varanda observa as sombras azuis na distância, luzes fingidas que nos chegam, já mortas, enterradas na retina. Levanta-se, caminha escura até a cozinha, aquece água para molhar a boca seca com murmúrios de folhas negras. Despede-se do sono que mentiu que vinha. Perdeu a vontade de sentir-se sozinha. Ouve o cansaço das ondas, beira-dor. Desce a escadinha que pisa na areia. Despe seus dedos dos pés até o limite dos calos, deixando o passado entrar por entre as unhas. A cada passo, um gole quente para suportar o espaço. A cada gosto, um pouco de si fica gasto. Para. Encolhe. Ajoelha. Deita. Escorre por entre os olhos algumas estrelas sedentas. Nada ouve, nada há para ouvir - o mar aquietou-se, o vento foi-se, o coração emudeceu. As mãos, esticadas ao longe, descobrem companhia nas pedras. Afunda, fundamentando-se na dor que lhe ancora a sina. Dor pesada de aislamento, olvida, deriva, lenta. Sente adentrando oceano,  mais líquido corpo a lhe envolver em anos. Percebe o vazio naufragado no peito, caindo profundo no abismo Atlântico. Desce ao fundo do fôlego, enterrando seus danos neste último plano.

Ao rumor de Dança I - Danças Ocultas

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