I
Um marco, uma
bandeira representando um novo ciclo. Aquele portal que nos guia entre os antes
e os depois. Aquele lugar-história que está presente em nossa memória do viver
e que se tornou ritual de celebração, exaustão, abandono, encontro e despedida.
Quarta dimensão, quarta vez lançando no ar esta experiência, lançando no ser
esta história pessoal.
II
Fui só, fui
acompanhado, comigo, mas partilhado, dançando e se entreolhando, perdendo, mas
encontrando. Outra forma de presença, outra forma de contato. Tão perto, em
parte. Até certo ponto, faz parte. Manifestação do universo experimentando-se
em nós, tensionando suas limitações, expandindo suas emoções, querendo e se
rendendo.
III
Um caminho mais longo, passando pelo
futuro, subindo serras, ladeado por verdes e recém fraternos, estabelecendo
planos, plantando estradas e possibilidades. Leituras, canções juntas, danças
velozes, sonos e sonhos vagos, distâncias e linhas, proximidades que tardam,
saudades e próximos passos.
IV
Chegar, chegar, no correr da correnteza,
caronando os fluxos, ligeiro, que já começou, se localizando e se guiando, pra
onde vamos, amor? Qual canção nos chama agora? A música enfim se faz, envolve a
carne, penetra profunda, faz da gente uma onda, reverberando nas quebras
circulares dos sons, afins nesse seguir, linda companhia, lindo dançar de olhos
e mãos, amo estar, te admirar, gostosa partilha dos acasos bons...
V
Mar. Jornada longa. Apenas três horas de
sono. Suficientes. Acordar desperto naquele apartamento estrategicamente localizado,
cercado de pessoas queridas de longa data, rumo ao destino mais bonito, o mar
infinito, repleto de perigos e salgados sentidos. Sem música, sol intenso,
chuva estranha, bairro lunar, sem esperas urbanas, boas conversas, risos
fáceis, introspecção, com meus botões, minhas emoções, seguindo o vai-e-vem do
ser...
VI
Eu não menti naquela noite.
Mas também não era verdade.
Eu estava
tentando entender, processar, digerir tudo aquilo. Foram dois dias de excesso
de convívio. Um contato demasiado para quem tem tanto preso na garganta e nos
nervos. Fui exposta a possibilidades que beiravam os limites de até onde eu
podia ir, onde eu gostaria de ir e onde jamais chegaria. Poder acarinhar-te a
pele, abraçar-te, acolher-te, cuidar-te de alguma forma, segurar tua mão, estar
o dia inteiro contigo, dormir perto, fazer-te rir e te ouvir e você a me ouvir
e estar lado a lado tanto.
Queria e quero e
quis tudo isso. Mas queria e quero e quis muito mais. Que isso não fosse um
borrão ligeiro no tempo, mas uma pincelada forte de um quadro maior, mais
bonito, mais detalhado, demorado. Que isso significasse mais, que aqueles olhos
encontrados tivessem mensagens bonitas de bem-querer, que a dança partilhada
demonstrasse desejos brotados da pele e de sentimentos ternos e fortes, que os gestos
divididos fossem encontro mais além do que uma ocasionalidade.
Mas em todos
esses instantes continuou translúcido de que não, nada disso era possível, que
você continuava lá, do outro lado da linha que separa amor de simpatia, ternura
de gentileza, cumplicidade e companheirismo de amizade e afinidade aleatória
sem grandes vontades e direções.
Sentada em
posições de meditação, de resiliência diante das ondas suaves, mas traiçoeiras,
que pendularmente me desequilibravam, movendo as areias sobre mim,
enterrando-me numa cova rasa, meditando de olhos fechados numa penumbra
esverdeada pelo sol brilhante que transpassava minhas pálpebras, ciente de que
você estava logo ali, brincando com as ondas, arrebatadoramente bela, decorada
com gotas salgadas e refrescantes em todos os lugares da pele em que eu
gostaria de me aquietar ou selvageriar, ali, naquele lugar, sentindo-me
infinitamente só, veio-me esta suposta interpretação do que eu poderia estar
sentindo, que só depois pude perceber não ser de fato o que eu estava sentindo.
Ad-miração, supus. Só me restava te admirar. Te olhar, da distância desse
abismo de sentimentos desencontrados. Encantar-me com cada gesto teu do longe
desta plateia em que me refugio. Colecionar em meus porta-retratos interiores
cada jeito teu de olhar, dançar, mover-se, rir, falar, ouvir, dormir, observar,
respirar, existir. A atração tão inevitável que ora eu sentia só podia ser
bloqueada e meu inconsciente talvez inventou essa história de admiração para
encontrar alguma alternativa aparentemente possível, viável, realizável, que
não me levasse para longe de ti.
Mas no instante
seguinte em que te contei tal historieta que na hora eu supunha real, virei
para a janela do ônibus, salpicada de fracas luzes amareladas, e chorei. Acho
que o absurdo daquilo tudo saltou do meu estômago direto para meus lagos
tristes, lançando ondas por sobre meus olhos, fazendo-me sentir absolutamente
estúpido, irrelevante, insignificante, vazio, inútil, com frio e só...
inteiramente só...
VII
Esses dois dias...
Essa cidade... Esse festival... Essa companhia...
Ouvindo exaustivamente I Follow You - Melody´s Echo Chamber
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