terça-feira, 21 de novembro de 2017

Não desiste de mim

Maior que o Atlântico e que o Pacífico. Se preciso for, atravessará numa canoa de madeira de emoções delicadamente esculpidas o oceano de obstáculos que ousa tentar afastá-los, em busca dela, para estar com ela. O destino, mancomunado com a fé, aliados à esperança e firmemente unidos à persistência, que algumas pessoas teimam em chamar de teimosia, não entrelaçou aquelas duas almas aladas à toa, nem a maré baixa, que chegou a afastá-los, tardou novamente a subir e encharcá-los de carinho e vontade da companhia uma d´outra.

Não existe razão capaz de impedi-lo de querê-la. Ou justificativa forte o suficiente para afastá-la de seu coração. Ela veio há muito tempo atrás e se plantou feito um Baobá em seu pequeno planeta e cresceu, cresceu, cresceu dentro de si, como seus olhos grandes e brilhantes, como seus cachos dançantes e rebolantes, como seu sorriso na presença dela. E alimentando-se da energia da estrela d´alva, esta árvore majestosa de afetos e memórias vive, respirando lembranças róseas, inspirando sonhos carmins, florescendo sentimentos lilases, semeando desejos encarnados.

Não desiste de mim, amor. Uma vez ela lhe disse. E esse pedido lhe inquietava - Desistir de ti seria desistir de mim, de tudo que pulsa dentro de mim. Seria tornar-me uma praia eternamente nublada, fria, sem sua Leoa Solar, que vem caminhando ao longe, com seus cabelos curtos velejando na brisa do mar, que se aproxima dela, segura sua mão, sorri, a leva para as ondas, que as apertam entre suas pernas molhadas e une suas bocas, inesperadas, inesquecíveis. 

Sua boca de fogo, vermelha como o Sol, como o sangue que vibra no meu coração. Sua boca apertada, me chamando para nadar no teu ser. 

Agora sou eu quem diz, aflita, esperançosa, insistente, Não desiste de mim. Vai, vai longe, descobre o mundo, descobre a si. Mas não esquece de mim. Deixa eu morar mais um pouco no teu coração, mais um pouco muito, que eu não quero ir embora, não quero ir pra casa, porque minha casa são suas bochechas, seus ombros, seu colo, suas coxas onde eu deito e choro, onde eu posso dormir calma, feliz por estar contigo, pura, serena, cheia de bem-querer, de presença plena, cheia de amor.

Você me deixa em Estado de Poesia - Chico César

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Parti-lhar



O vento lançava aquelas delicadas flores rosadas no chão como fossem tímidos cristais de neve. Aquelas belas árvores, com suas folhas largas, projetavam uma sombra tão agradável que o pico do meio dia não conseguia desfazer. Sobre aquele tapete de pétalas, elas estenderam um tapete bonito, no qual se desenhavam ondas do mar. A Terra e o Mar, o casal mais bonito já conhecido e contado por qualquer história. A inspiração daquelas duas andorinhas, daqueles dois seres tão distintos, mas tão implícitas uma na outra. Uma tão dedicada ao cultivo de sonhos, a outra mais afeita ao saborear das horas. A de cabelos compridos inteiramente entregue às raízes profundas, a de cabelos curtinhos tão propensa aos voos mais longínquos. Ela querendo tanto poder ler um livro inteiro juntas. Não era exatamente algo possível para sua querida, que já estava lendo o próprio livro, seu ritual inteiramente pessoal. Afinal, apaziguadas, deitaram-se no tapete de praias, a maruja apoiando sua cabeça na jardineira. E assim ficaram, em silêncio, ouvindo o murmúrio das folhas, os cochichos dos pássaros e o delicado som das pétalas caindo. Enquanto suas imaginações estavam absortas pelas histórias mais sutis e intensas. Um livro sobre aromas e o nariz mais poderoso que a humanidade já conhecera, capaz de caminhar de olhos fechados, guiado apenas pelo mínimo odor das pedras e madeiras e gentes pelo caminho. Outro dedicado às mulheres do mundo, capazes de resistir e criar realidades e transformações em que a igualdade entre as pessoas de todos os gêneros é a riqueza da diversidade. Às vezes uma comentava "deixa eu te ler esse trecho, me lembrou o que você me causa - O cheiro dela é como um castelo de prazeres, uma nave voadora, alçada pela alegria da própria existência, exalando um tesão inspirador de poesias impronunciáveis, um cheiro quente de frutas ao sol repleta de abelhas excitadas, uma sensação de abundância, de transbordamento de sentidos, desvirtuando o caminho das navegantes, atraídas para os tesouros da sua pele..." A outra respondeu com um jeitinho com o nariz que só ela sabia fazer em sua infindável linguagem narizal, toda uma trama de possibilidades expressivas apenas com sons e movimentos daquele delicado e inesquecível nariz, pequeno e arredondado como pequeninas mangabas verdosas. Com aquele gesto ela disse, muito enfaticamente "eu sei, meu cheirinho é isso e muito mais... E diante de tal ousadia, a cheirante passou a despudorar aquele perfume tão querido e impregnado já em suas infinitas memórias partilhadas com aquela mulher. Fazendo a outra desatar a rir, um riso tão gostoso que as flores se jogaram de suas varandas para observar de mais perto. Cobertas de flores, elas viram a tarde caminhar lentamente, enquanto elas beliscavam biscoitinhos e frutinhas, sanduichinhos, suquinhos e outras comidinhas, assim no diminutivo porque estavam tão gostosinhas. Até cair a noite e ali mesmo elas poderem brincar de criar novas constelações, como a constelação da casquinha de sorvete, a constelação dos seios arrebitados e a importantíssima constelação do cáctus florido, cujo signo representava as pessoas ousadas, porém discretas, destemidas, ainda que tranquilas. E inventaram muitas outras histórias e brincadeiras. Bastou estender uma lona por sobre seu tapete, espalhar algumas almofadas e cobrirem-se com aquele edredon tão antigo quanto memórias de infância para elas ali mesmo poderem adormecer, enroscadas como caracóis. 

domingo, 12 de novembro de 2017

Cuida de Si

Cuida de Si
Dá-se tempo
Põe tudo no lugar
de novo
Cria teu altar
Celebra tua Vida
Cada instante
Cada lida
Valoriza, pois fez parte
da tua jornada 
da tua obra de arte
De si, em tudo que estás
És importante
Para Tudo

Cuida de Si
Faz teu lugar sagrado
Põe nos gestos significados
Simboliza cada ato, cada acontecimento
Atenta, vai mais longe
Aprofunda, respira longamente
Descansa, não precisa se mexer agora
Deixa ir tudo que já não dava mais
Segura no coração tudo que importa




Aquieta, aguarda, toda ferida cicatrizará



Cuida de Si
Cultiva-se, cultiva teu próprio jardim
Alimenta tudo que te alimenta
Acolhe tudo que se abrir diante de ti
Acarinha sua criança interior
Brinca de ser livre e senhora
de si, de cada escolha e decisão
Dança e saboreia o prazer de existir
Ouve as melodias que te curam
Inspira a beleza do céu e da noite

Cuida de Si
Cuidando de quem está perto
De toda gente que te precisar
Ampara, esteja pronta para apoiar
Perdoa tudo que pesar
Enleva a alma e se permite voar
Viaja mesmo sem sair do lugar
Aceita tudo que não puder mudar
E muda tudo que precisar
E ama 
A si
A ela
Tudo

Desaba-far

Cava, cava, cava, joga fora o entulho, os pedregulhos, os grandes pedaços de cinzas endurecidas que haviam se acumulado nas bordas desta imensa caverna cardíaca. Abalo. Detonação. Explodiu e ruiu um pouco mais meu coração. Ficou maior? Não, apenas mais vazio. Mais rarefeita ficou a atmosfera daqui. Para asfixiar toda forma intrometida de vida, toda desobediente tentativa de nascimento do que quer que engane, que cause ainda mais partidas e rupturas. Contenção. Conservação. Não dá para criar nem cultivar nada aqui. Está seco. Mais seco. Drenar ainda mais qualquer umidade insolente que ouse permanecer. Não quero ver nada crescer. É preciso morrer. Já quebrou demais, inundou demais, não aguenta mais. Abandoná-lo para que ninguém mais possa abandoná-lo. Fechá-lo, para que ninguém mais possa rejeitá-lo. Mais um ciclo recluso, frio, glacial. Que a distância entre qualquer outra superfície seja maior que o Atlântico, que a profundeza deste frio seja maior que o Pacífico, que a tristeza aqui reinante cauterize e preserve, bloqueie todas as aberturas, as janelas, nenhuma brisa mais, não dá mais. Que este buraco negro se absorva agora, acumule-se, permita adensar-se, aumentar-se em sua gravidade para dentro de si. Basta. Não dá mais. Todo caminho para fora é vão. Canalizar seu interior para fortalecer, endurecer, para suportar as lidas, suas tarefas aforas, vamos olhar para fora, encerrada a visitação, nenhuma mais acomodação, agora apenas uma câmera de pulsos e impulsos necessários para realizar suas missões maiores que si. O eu se desfez, desmanchou, pisado e desprezado. Agora resta apenas Tudo. E Nada.

Recomeçar



Ele amava ela pra valer. Foram vários anos de magias e percalços. Um tombos feios. Uns desejos loucos. Umas crateras barra. Uns magnetismos insanos, boreais. Um bocado de sorvete, de deleite, de quentes. Foram um bocado de anos bonitos. Todas as presenças cheias de afeto, todos os olhares se esforçando para enxergar mais um pouco além do que qualquer outra pessoa já tinha visto uma na outra. Uma vontade verdadeira e intensa de estar junto até onde pudessem chegar, mãos seguras e firmes, partilhas dedicadas e sensíveis, brincadeiras e trocas bonitas. Foram muitas horas de conversas, carícias, alegrias e uns bons litros de lágrimas lavadas almas. Foi tudo isso e mais um pouco. Foram viagens sonhadas e realizadas, imagens contatas e vividas, sabores provados e deitados. Na praia, elas sorriram muito, ofuscando o sol como duas nuvens carregadas. Na noite elas dançaram cores, perfumando os gestos com seus afetos ritmados. Fotografias relatam que o amor foi maior do que coube no enquadramento e o brilho dos corações estourou a luz da cena. Quem já ouviu falar na história delas não entende, discorda, dá conselhos errados, afirma !não avisei?", ou talvez já desistiu de se surpreender com as reviravoltas mais absurdas que nenhuma roteirista jamais poderia imaginar. O mundo dá voltas, sim, como corpos entrelaçados numa cama. A Vida ensina sim a gente a cuidar do que importa, de quem importa mais do que nem podemos imaginar. E a Vida ensina também quando é hora de deixar estar... quando deu, quando o que vale agora é ser feliz por tudo que foi, pelas histórias felizes que temos para contar para nós mesmas... Porque o que foi bom não deve ser lamentado.

Recomeçar - Tim Bernades - O que começa terá seu final...

sábado, 11 de novembro de 2017

Pequenas Grandes Dores da Vida¹

Seu rosto virando, me evitando, quando ia te beijar,
Seu corpo me repelindo, não me querendo, a me afastar
Seu olhar triste e frio por me machucar
Seu conforto frágil que só quer esperar
Seu calor passado que só posso lembrar
Seu ardor perdido que não posso mais alcançar
Seu tesão infinito que afinal acabou
Seu sorriso lindo que não mais sentirei
Seus olhos doces que não mais olharei
Seu cheiro amado que não ama mais o meu
Seu sentir delicioso que não me sente mais
Seu gemido mágico que nem quero lembrar
Cada lembrança bonita que não sei onde boto
Sua presença bonita que agora é ausência
Por todo amor que me dói
Mas só dói porque era amor
Era bonito, foi mais
Valeu cada agulha no peito
Te queria e quero, mas
Assim é, assim foi, assim faz

Eu me demito, por fim... Faz - Phill Veras