segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Parti-lhar



O vento lançava aquelas delicadas flores rosadas no chão como fossem tímidos cristais de neve. Aquelas belas árvores, com suas folhas largas, projetavam uma sombra tão agradável que o pico do meio dia não conseguia desfazer. Sobre aquele tapete de pétalas, elas estenderam um tapete bonito, no qual se desenhavam ondas do mar. A Terra e o Mar, o casal mais bonito já conhecido e contado por qualquer história. A inspiração daquelas duas andorinhas, daqueles dois seres tão distintos, mas tão implícitas uma na outra. Uma tão dedicada ao cultivo de sonhos, a outra mais afeita ao saborear das horas. A de cabelos compridos inteiramente entregue às raízes profundas, a de cabelos curtinhos tão propensa aos voos mais longínquos. Ela querendo tanto poder ler um livro inteiro juntas. Não era exatamente algo possível para sua querida, que já estava lendo o próprio livro, seu ritual inteiramente pessoal. Afinal, apaziguadas, deitaram-se no tapete de praias, a maruja apoiando sua cabeça na jardineira. E assim ficaram, em silêncio, ouvindo o murmúrio das folhas, os cochichos dos pássaros e o delicado som das pétalas caindo. Enquanto suas imaginações estavam absortas pelas histórias mais sutis e intensas. Um livro sobre aromas e o nariz mais poderoso que a humanidade já conhecera, capaz de caminhar de olhos fechados, guiado apenas pelo mínimo odor das pedras e madeiras e gentes pelo caminho. Outro dedicado às mulheres do mundo, capazes de resistir e criar realidades e transformações em que a igualdade entre as pessoas de todos os gêneros é a riqueza da diversidade. Às vezes uma comentava "deixa eu te ler esse trecho, me lembrou o que você me causa - O cheiro dela é como um castelo de prazeres, uma nave voadora, alçada pela alegria da própria existência, exalando um tesão inspirador de poesias impronunciáveis, um cheiro quente de frutas ao sol repleta de abelhas excitadas, uma sensação de abundância, de transbordamento de sentidos, desvirtuando o caminho das navegantes, atraídas para os tesouros da sua pele..." A outra respondeu com um jeitinho com o nariz que só ela sabia fazer em sua infindável linguagem narizal, toda uma trama de possibilidades expressivas apenas com sons e movimentos daquele delicado e inesquecível nariz, pequeno e arredondado como pequeninas mangabas verdosas. Com aquele gesto ela disse, muito enfaticamente "eu sei, meu cheirinho é isso e muito mais... E diante de tal ousadia, a cheirante passou a despudorar aquele perfume tão querido e impregnado já em suas infinitas memórias partilhadas com aquela mulher. Fazendo a outra desatar a rir, um riso tão gostoso que as flores se jogaram de suas varandas para observar de mais perto. Cobertas de flores, elas viram a tarde caminhar lentamente, enquanto elas beliscavam biscoitinhos e frutinhas, sanduichinhos, suquinhos e outras comidinhas, assim no diminutivo porque estavam tão gostosinhas. Até cair a noite e ali mesmo elas poderem brincar de criar novas constelações, como a constelação da casquinha de sorvete, a constelação dos seios arrebitados e a importantíssima constelação do cáctus florido, cujo signo representava as pessoas ousadas, porém discretas, destemidas, ainda que tranquilas. E inventaram muitas outras histórias e brincadeiras. Bastou estender uma lona por sobre seu tapete, espalhar algumas almofadas e cobrirem-se com aquele edredon tão antigo quanto memórias de infância para elas ali mesmo poderem adormecer, enroscadas como caracóis. 

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