Chego a afirmar que a ânsia de questionar a si e a tudo seja a maior das virtudes. Porque, mesmo que uma pessoa tenha qualquer defeito que seja, se ela passar a questionar esse defeito, suas origens, razões e consequências, este e qualquer outro defeito pode ser vencido ou transformado em uma virtude - e o conceito de defeito e virtude também é algo a ser excessivamente questionado, reciclado e renovado, para entendermos a cada dia nossos caminhos, nosso destino/objetivo. Cada um de nós contém um universo de possibilidades de emoções, idéias, sensibilidades, ideais e atitudes, universo a princípio obscuro, porém permeado de incontáveis pontos de luz, que norteiam ou sinalizam para nossas profundezas... Porém, 'questionemos' se a sociedade hegemônica em que vivemos estimula os indivíduos a se conhecerem, indagarem-se sobre suas posturas e formas de pensar, analisando profundamente cada comportamento, o que os cerca, os pensamentos divergentes e logo perceberemos que não, ao contrário, vive-se em uma sociedade (e cada vez mais uma porção maior do mundo é abocanhada por esta dita "sociedade" ou podemos usar o antigo termo "neocolonialismo") que impõe uma perda de memória coletiva pela fugacidade e colossal quantidade de informações - ninguém consegue lembrar o que viu na semana passada, pois um imenso volume de 'novidades' já tomou a atenção e espaço na mente; que massifica as pessoas, padronizando-as através de uma mídia massiva e alienante, uma cultura industrializada, enlatada, onde todos buscam consumir os mesmos padrões de roupas da moda, best-sellers, filmes hollywoodianos, últimos lançamentos de eletrodomésticos, fast-foods e automóveis, todos iguais em qualquer parte do mundo que já tenha sido invadido pela colonização cultural hegemônica; condicionamento social para o consumismo, impondo uma visão do 'eu' totalmente condicionada ao consumo - "compro, logo, existo", enfim, pondo tantos letreiros luminosos, vitrines, publicidades e novidades no exterior do sujeito que ele não tem tempo nem interesse de olhar para si mesmo. Tem-se assim, um indivíduo que desconhece o fato de que ele é um ser único, peculiar, singular e repleto de potencialidades criativas e culturais iniqualáveis. Sentindo-se supostamente vazio, cada um segue o caminho indicado, preencher-se de símbolos padrão que possam determinar quem ele é (tem), através de marcas, status, distinções sociais, pronomes de tratamentos pomposos, luxos, desejos de superioridade, tudo n´uma vã tentativa de sentir-se, autoafirmar algo que ele mesmo desconhece, a si mesmo, e desta forma, acaba utilizando a fórmula pré-paga da cultura americanizada ou eurocêntrica - resumindo, ocidentalizada. Tal sujeito, ignorante do que pensa, acha ou acredita, é, deste modo, facilmente manipulado, sendo possível fazer dele o que se quiser, mandá-lo votar, pagar impostos, sustentar uma sociedade que pouco se importa com ele, não fornecendo nenhum de seus direitos fundamentais, quando muito, pondo-os a venda. Sua educação, saúde, cultura, transporte e segurança são todos objetos de compra e venda, questões essas que são suas por direito. Esse indivíduo alheio e diminuto é ensinado sobre seu inelutável isolamento, a televisão explica-o perfeitamente o quão distante ele está de um mundo imaginário e fantasioso criado na telinha, expondo-o à sua pequenez, ou então a educação programatória em geral esclaresse sua inata dúvida a respeito do que ele é e qual seu papel na sociedade - seu papel é obedecer, assim como o de outros é mandar. Cada um pertencente à classe dominada é ensinado desde a mais imaculada idade seu imbatível destino de obedecer, seja a quem for, cada dono e senhor ao seu tempo, primeiro os pais, depois o professor, então o chefe e o Estado. Não tendo outros referenciais sociais nem podendo compô-los ele mesmo, submete-se sem perceber e explica enfaticamente a qualquer um que pergunte essa 'lógica' lei social que lhe foi passada. "Eu obedeço, há os que mandam, e assim é o mundo, inclusive o animal"... E parece que ninguém disse a ele que, diferente dos animais, ele pensa e, muito mais diferente ainda de seus primos selvagens, ele tem consciência de si e pode refletir a seu respeito. No dia em que a mulher e o homem despertarem para si mesmos e formularem todas as suas questões, buscando as mais diversas fontes de conhecimento e análise, questionando sobre os "porquês", os "comos" e os "quens", ninguém poderá dizê-lo o que fazer, pois ele perguntará "Por quê?", quererá discutir a validade dos objetivos e ações/ordens que querem impor e se recusará a obedecer se descordar delas, pois nenhum homem é uma máquina a quem se possa mandar e desmandar arbitrariamente.
terça-feira, 23 de março de 2010
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3 comentários:
Certa feita um professor de Filosofia me disse que o diferencial do ser humano era a tomada de consciência. Tudo muda na vida de uma pessoa quando ela tem TOTAL consciência do seu papel no contexto social que está inserido, quando ela tem completa consciência do que é capaz e do poder que possui.
Entretanto, não é possível adquirir essa tal de consciência se nos deixarmos alienar por ideologias massificantes, que tem como propósito fazer de cada um de nós apenas mais uma peça em um enorme tabuleiro, de um complexo jogo de xadrez.
Enfim... a Psicologia tenta em meio a suas numerosas vertentes, proporcionar um auto-conhecimento aos indivíduos, mas esta se torna ineficaz se a lógica que se segue é a de "Penso, logo existo."Proponho que primeiro EXISTAMOS e tenhamos PLENA consciência das consequências dessa existência e assim, poderemos pensar.
Texto magnífico, digno de uma publicação científica.
Permita-me fazer uma pergunta - espero que respondas - tens formação acadêmicas? Se sim, em qual curso?
Olá Jel.
Bem, sou graduando em comunicação, porém, estudo de maneira autodidata filosofia, história, psicologia, teatro, ciências sociais/políticas, literatura, afins...
é preciso buscar conhecimento em todas as áreas (no meu caso, ao menos nas ciências humanas)...
Conhecimento dos outeos é perigo para aqueles que já o tem. Fazer todo mundo agir de uma forma, colocar o mundo inteiro numa massa é a melhor forma de distribuir ignorancia gratuita e disfarçadamente.
Cabe a nós, que sabemos que não é assim, lutarmos para mudar esse mundo, cada um lutando sozinho faz uma mutidão de cadas uns lutando sozinhos, isso forma muita coisa... é por aí...
Vamos em frente.
gostei daqui.
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