terça-feira, 16 de março de 2010

Pequeno Prazer


Pr´um lado, p´ro outro, dedos suaves segurando o guidon que zigue-zagueia, as sandálias surradas e velhas agarrando-se firme e calmamente aos pedais, girando como uma roda gigante para dedos dos pés. A bicicleta azul meio suja de terra na coroa, meio sem óleo na corrente, meio vivida em demasia, aproveitava aquele momento cálido de manhã de domingo de sol ameno e dança. Porque o garoto e a bicicleta, sozinhos, dançavam com os movimentos e formas no asfalto, o ritmo havaiano de vai-e-vem que tocava nos ouvidos e que aquele objeto-vivo de alumínio ouvia também de maneira sobrecomum... As rodas saltavam, brincavam... as cores do céu se inverteram em laranjas esverdeados violeta, as paredes das casas se derretiam em gelatina de framboesa, tudo que na rua passava virava flor alada, pássaro ou fada... Percorria o ar como quem atravessa o mar frio e cristalino de um arquipélago mágico... e as rodas da bicicleta faziam sonidos de viola e o vento tinha voz feminina e as esquinas tinham olhos esguios e castanhos... um transe luminoso... uma neblina de sensação... uma desforma líquida de sabores infantis... e aromas úmidos e toques alegres... mas outra bicicleta pedalava com ele... ao seu lado deslizava a menina de cabelos castanhos brilhantes de boca e bochechas vermelhas de verão... Sua pele tão branquinha parecia de arroz e o brilho de seus olhos eram untados de oliva... ela sorria no balanço da música como se fosse seu rosto o principal instrumento musical... abria os braços no ar, rodopiando-os como beija-flores, alcançava as pontas das árvores, agarrando em cada dedo mil frutas diferentes... deixou-se derramar pela pele as cores furtivas das ameixas e jabuticabas, pintando suas unhas de vinho e deixando seu vestido tinto e doce, uma sangria de tecido e corpo... os dois apaixonados começaram a descer a ladeira da praia n´uma velocidade de luz, confundindo-se nos seus raios de cores arrastadas no tempo transdimencional... as lascas do céu começaram a se desfazer e as ondas do mar racharam-se de tão apaixonados que eram os dois rumo à beira da praia no fundo do oceano... as rodas começaram a tocar e melodiar a espuma marinha, as bicicletas fundiram-se com o cobre e o alumínio da maré e os corpos se alcançaram n´um abraço extático, transmutando o mar n´um vermelho metálico...
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(Unattainable - Little Joy - uma música)

Um comentário:

Samis disse...

q texto lindo e leve...
e ainda por cima, amarelo


saudades