domingo, 9 de junho de 2013
Noites nuas...
Nus, corpos sobre um canga de praia sobre um chão de madeira sobre uma cidade caótica, eles olhavam o céu... um ventinho frio soprava do leste, do mar lá longe do outro lado do morro... quase nenhuma nuvem teve coragem de sair de casa naquela noite e eles aproveitaram uma falta de luz para morrer com um céu tão estrelado.
- Olhar pras estrelas tem um efeito sobre mim difícil de explicar... esse sentir-se tudo e nada, tão gigante e tão distante de tudo, submerso em sonhos e redemoinhos de vontades e desejos... insignificante boiando sem sentido de um lado para o outro... o céu é como o fundo do mar... imenso e negro... é como o fundo dos olhos... brilhando uma chama que não se sabe de onde vem, mas que toca a gente...
Ela apoiava a cabeça no ombro, passando a perna sobre a dele, cobrindo-se com a colcha azul estampada de florzinhas do tempo da infância...
- Eu acredito que tudo está em movimento, que tudo que existe é um movimento... que só podemos crer no movimento... mas, ao contrário disso, muitos agarram-se, fixam-se, querem parar no tempo, que tudo permaneça como está, pois acham que assim está bom e não querem perder...
- E assim, por não quererem perder, é que perdem... agarram a água que escapa entre os dedos...
Ao dizer isso, ele olhou para o rosto dela em seu peito, com as mãos em seus cachos curtinhos castanhos de se perder e se achar... Ele continuou...
- Tenho que convencer-me, agora, neste instante, que tu também é um movimento, assim como eu... logo, não posso nem quero nem devo agarrar-me em ti, que estás aqui porque os caminhos te colocaram aqui e depois te levarão para outro lugar... e eu devo olhar para o que está diante de meus olhos, aqui e agora... saber disso nos faz perceber a necessidade de viver cada instante tão poderosamente porque de fato é o último... se um outro instante existir, será novo, jamais igual a este... não podemos prever como será, nem tem pra quê... porque assim, nos surpreendemos sempre, e o coração vive acelerado com tantas surpresas...
- Ai, mininu, nunca pensei que encontraria alguém que falasse mais do que eu... (sorriu)... mas é bom te ouvir. Por que você fala tanto?
Ele a olhou com cara de bobo. Riu um riso engraçado, envergonhado. Sentiu-se tagarela. Por quê? Pensou consigo. Respondeu, fazendo uma cara de inocente e injustiçado...
- Eu falo muito? Pooooxa, vou ficar calado então... (risinho)... Ah, é que... sei lá... também não é todo dia que eu encontro alguém com quem posso conversar essas coisas, tantas ideias, tantas besteiras que penso tanto tempo... sei lá, simplesmente dizer o que sinto... sabe, é só pra brincar mesmo de fazer palavras bestas que nos fazem sonhar e imaginar coisas...
- Eu sei... eu gosto... no outro a gente se encontra... a medida que falamos, percebemos o que estamos dizendo... é como se fosse preciso nossas palavras refletirem-se no outro para que de fato possamos nos escutar... Não é a mesma coisa quando falamos sozinhos... (olhou pra ele com cara de culpada brincalhona) né? Eu falo muito sozinha... altos diálogos, eu e meus muitos eus loucos de todas as partes do mundo e épocas pra frente e pra trás e de baixo e do alto... e converso com muita gente que esteve comigo e eu imagino outras conversas... Mas, o problema é que quando estamos nessa conversa de um só, já sabemos todas as respostas... sei lá... não tem surpresas... com o outro, podem surgir palavras novas que mostram direções que não imaginávamos...
- Né isso?! Exatamente! Quantos eus você tem? Fale-me deles...
- Ah! Não vale! Você é quem tava falando horrores... não vale começar a me fazer perguntas pra eu me despir toda pra você!
- Mas você já está pelada, nua em pelo, já vi tudo, meu bem, o que mais você quer esconder?
- Você não viu nada, bobinho... de baixo dessa pele arrepiada de frio (me aperta mais, vai) tem mistérios que mordem...
- Já te disse que adoro mordidas? Teus dentes na minha pele...
- Hmm... sei... quando eu sentir o gosto do seu sangue você vai ver como é bom... vou fazer um ritual de magia azul marinho pra você se apaixonar por mim e achar que eu sou inesquecível...
- Então... né?... (fez uma carinha sem graça)
- Né!
- Fecha os olhos pra eu escrever na tua pele... vê se você entende...
Ela aceitou. A ponta dos dedos começou a traçar frases...
P-R-E-P-A-R-A-Q-U-E-L-A-V-E-M-B-E-I-J-O...
Mal entendeu a frase e se viu envolta por lábios e cabelos e calor e tecido virando rolando tudo gentes e céu e bilhões de estrelas misturando-se naquela sede que suga e morde e brinca e se delicia...
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