segunda-feira, 18 de abril de 2016
Manifesto das Relações Autônomas
Cada individualidade é um universo. Cada sujeita está no mundo: por um lado inteiramente só, consigo; por outro lado, estamos com tudo, somos absolutamente parte de tudo, em conexão que pode ou não ser sentida, vivida, assumida, mas que é – cada partícula de nossos corpos é fruto da transformação da matéria de tudo, somos fruto do movimento de tudo, e não há nenhum lugar em que possamos nos esconder e fingir estarmos isolados. Não existe isolamento, pois que não existe um “fora” de tudo que existe.
Esta conexão, contudo, não significa dependência. Não dependemos de tudo, reféns desse mundo exterior, pois já temos em nós a partícula desse todo, em desenvolvimento, amadurecimento e emancipação, nos fortalecendo e empoderando na medida em que tomamos consciência disso e exercemos essa totalidade em expansão que somos. Estamos, sim, em relação permanente com tudo. Cada ato, cada gesto, cada pensamento e sentimento, nos move e move tudo que nos cerca. Afetamos e somos afetados por tudo, pelo clima, por um olhar, pela nossa atitude perante os acontecimentos.
Apesar da interrelação, da interconexão com tudo, nossa condição de seres conscientes de si mesmos nos torna responsáveis por quem somos e pelo que fazemos, para onde vamos e o que sentimos. O exterior nos afeta. Mas a maneira como lidamos com isso é uma escolha nossa. Autonomia é esse exercício constante e imperativo de ser soberana sobre si mesma, buscando compreender tudo que se passa conosco, esmiuçando nossas causas e efeitos, assumindo responsabilidade sobre nossas ações e reações, refletindo sobre nossas opções e possibilidades, correndo os riscos e enfrentando com coragem nossos desafios e conflitos.
Então, o que significa estabelecer relações com o mundo, e em especial com os outros seres? É preciso lembrar que a autonomia é um processo constante, em desenvolvimento permanente, em persistente aprimoramento. Sabe-se que não há perfeição em nada nem ninguém, que por mais que se busque intensamente a autonomia, nos esforcemos para exercer nossa soberania de si, temos sempre que lidar com diversos elementos fragilizadores e enfraquecedores de nós mesmos. Ressalta-se, principalmente, que vivemos uma forma de organização política, social e cultural das sociedades humanas que tem interesse e ação ativa na debilitação das sujeitas, pois tal ideologia se baseia na dominação e exploração de algumas poucas pessoas sobre as demais, com ênfases econômicas, de gênero, de sexualidade e étnicas.
Para tal ideologia, pessoas fragmentadas, frágeis e com sensação de isolamento, carentes, desesperadas e depressivas são mais facilmente controláveis e domináveis, se submetem mais facilmente à exploração e aceitam mais calmamente este estado de coisas.
Esta ideologia, que eu nomeio “sistema de relações de poder e dominação” e que ao longo da história se configurou de diversas formas, das teocracias, feudalismos, absolutismos, mercantilismos, chegando ao atual capitalismo, é verdadeiramente um desafio/obstáculo/impedimento e até mesmo violação e destruição da autonomia de todas as pessoas, individual e coletivamente. E neste contexto histórico, o exercício da autonomia se coloca também como uma questão coletiva de transformação dessa realidade, destruindo tal sistema de relações.
Para tal, precisamos sempre nos fortalecer, confiar em nós, assumirmos, como dito, nossas vidas como nossas, inteiramente nossas, para serem exercidas, vividas, extrapoladas da maneira que melhor nos convier – posto que a vida é essa oportunidade de autorealização, automanifestação, autoexpressão neste mundo partilhado.
Não podemos simplesmente externalizar nossas responsabilidades, responsabilizando a outra pessoa pelas nossas demandas, fraquezas e carências. Nem tampouco nos confiar na outra pessoa, esquecendo ou ignorando que elas também tem demandas, fraquezas e carências a serem compreendidas, superadas, geridas, transformadas.
Estabelecer relações significa, antes de tudo, relacionar-se consigo próprio. Nossa maior e mais intensa relação na vida é conosco. A partir de uma intensa e profunda relação conosco, podemos estabelecer relações intensas e profundas com outras pessoas e com tudo que nos cerca. Se somos superficiais para nós mesmos, nada além disso poderemos oferecer, partilhar e receber.
E estando em harmonia e plenitude – ou no caminho constante e dinâmico de estabelecer harmonia e plenitude de nossas existências, poderemos melhor lidar com as dificuldades e limitações das demais pessoas, aceitar (sem nos conformar) suas ações, ainda que nos incompreendam ou que sejam divergentes de nossas perspectivas. Em harmonia com nossas próprias ações, não esperamos nem projetamos comportamentos e ações das outras pessoas, algo que tanto nos frustra por não podermos controlar o movimento da vida e das outras pessoas, como também de alguma forma coíbe ou limita a autonomia da outra pessoa.
Vamos assumir nossas vidas, vamos ter coragem para a autonomia, vamos estabelecer relações que assumam as autonomias dos seres em relação, a outra pessoa não é responsável por mim nem tem que me dar satisfações, eu/nós seguimos nossas vidas e nos encontramos para nos somar, nos crescer, nos fazer bem... Se não for assim, não é/será relação.
Imagem de Andy Kehoe
terça-feira, 12 de abril de 2016
Videquilíbrio
Viver. Tão simples quanto a respiração, gesto que esconde infinitas mágicas de transformação de gases nos pulmões, processos químicos metabólicos, circulação de moléculas pelo sangue por todo o corpo, energização e limpeza no simples ato de inspirar e expirar.
Viver. Simples, mas tão complexo. Necessário, mas com cuidado. Preciso, mas imprevisível. Inevitável, ou não.
Viver entendo como cuidar de si. Realizar essa chama, esse movimento que existe em nós, seguir essa direção que nos impulsiona. Respeitar e dignificar esse ser corpóreo que somos, transformá-lo, expandindo-o, desenvolvendo nossos potenciais e sonhos.
Uma integralidade, em que diversos fatores e dimensões coexistem, demandando nossas energias e ações para esse fazer viver diário, constante. O comer é uma de nossas necessidades mais insistentes. Sempre nos acompanha, nos move, dedicamos nossas vidas, tantas vezes, para garantir o alimento. Mas o que significa comer? Nutrir-se, apenas ingerindo certas quantidades de substâncias químicas, nutrientes, que nos manterão funcionando? Encher uma barriga de produtos comestíveis, não necessariamente nutritivos, para saciar um apetite altamente estimulado? Ou alimentar nossos corpos signifique estabelecer uma relação profunda com o alimento, todo o seu ciclo, desde a terra, a vida no solo, a luz do sol, a complexa biodiversidade que transforma energia em algo bom de comer e saborear, passando pelo semear a semente do alimento - você conhece a semente do tomate, do espinafre, da rúcula, do coentro? - regá-lo e vê-lo crescer, cuidar dele, protegê-lo de doenças, trocar energias. Colhidos os infinitos e belos ingredientes que a natureza nos ofereceu, agora precisamos prepará-los por meio da amorosa arte da culinária, transformando cada grão, raiz, folha e fruto em incontáveis e indescritíveis sabores, prazeres e elementos que constituirão nossa saúde e bem-viver.
O comer então se relaciona intimamente com nossa espiritualidade e corporeidade. Espiritualidade na medida em que a Terra é parte deste Todo que todas as religiões querem nos religar. Nos conectarmos com a Terra, cuidarmos dela, plantarmos e colhermos seus frutos é também uma forma de rezar, de se colocar e sentir em tudo que existe. E corporeidade porque alimentar-se bem significa respeitar nosso corpo, garantir a ele tudo que precisa para existir, cuidar-se, curar-se, fortalecer-se, de modo a termos disposição, alegria, tesão pra viver!
O sono é outra forma de alimento. Vivemos duas realidades paralelas, o mundo acordado e o mundo dormindo. Dormir nos permite organizar o vivido, descansar os músculos, as vontades e dores, mas permite também navegar por outros universos, inventados, conectados, surreais. Cuidar de nosso sono é cuidar de nosso estar acordado, desperto, com ânimo, atenção, disposição.
A espiritualidade, como dito, remete à uma angústia fundamental do ser humano em sentir-se separado de tudo e sua necessidade em se conectar com algo maior. Uns personalizam esse Todo numa entidade, uma divindade, um Ser que os transcende, ora de forma autoritária e punitiva, ora de forma inspiradora e esperançosa. Outros entendem o Tudo como esse Todo. Tudo que existe, o Universo, as Estrelas, a Terra, todos os seres vivo, Tudo, ou como gosto de chamar, A Vida. Nossa personalidade e compreensão de um "eu" diferente e separado de tudo que é "não-eu", tudo que está fora de nós, tudo que aparentemente desconhecemos e não fazemos parte, cria uma angústia, um desamparo, um medo existencial da solidão no fim de tudo. E a espiritualidade é o caminho de retorno a essa compreensão de que o eu e o não-eu são uma só existência, que somos parte de Tudo, somos Tudo, ainda que individualizados. Cuidar desse caminho, dessa espiritualidade, dessa conexão, é tão fundamental que caso caiamos nas desesperanças e medos vitais, podemos parar de nos alimentar, podemos não querer mais viver, podemos cair em fundamentalismos que nos enganam e aprisionam.
A corporeidade não se resume também à alimentação e ao sono. Um corpo vivo é um corpo ativo. Precisamos sentir nossos movimentos, estimulá-los, libertá-los. Vivemos uma sociedade de grande repressão e violência contra nossos corpos. Aprendemos a ter vergonha de nós mesmos, de partes de nossos corpos, nossos sexos. É preciso libertar nosso ser corpo de tudo, nus, leves, próprios. Viver fisicamente, despertar nossa sensibilidade, nossos sentidos, ver, ouvir, tocar, degustar, cheirar com atenção, com intensidade, com abertura para ir além.
E nosso corpo não se resume à carne e ossos que nos erguem. Nossa expressão de si se manifesta naquilo que nos cerca, nossos adornos, nossas artes - literatura, teatro, dança, pintura, música, escultura, circo, cinema, fotografia e tantas outras artes e artesanias -, nossa casa, nosso jardim. Cuidar de nós é cuidar de nossa casa, os elementos materiais que não são imprescindíveis, não dependemos deles, mas que podem contribuir, levemente, conosco. Cuidar jardim, nosso plantar, nosso colher, nosso participar do ciclo de vida, florescimento, morte e decomposição, retorno, renovação, ciclo.
Corpo em conexão tem movimento próprio, tem sentidos vitais, caminhos para onde segue, múltiplos, em constante transformação, busca propósitos, ideais, utopias. Como realizar-se vivo, como realizar-se e garantir suas condições materiais de existência, comumente entendido como uma renda ou formas de garantir o comer, o dormir, o teto e demais matérias fundamentais.
E, afinal, viver é também estar em relação. Na medida em que nos entendemos 'eus', abre-se todo o universo para nos relacionarmos, todos os demais seres, todas as demais pessoas. E o afeto se coloca como essa abertura, essa possibilidade de transcendermos, de chegarmos na outra e nos deixarmos chegar, transpassar, ampliar nossos limites físicos e perceptivos, esse afetar e nos deixarmos afetar tudo e todas quem estão, estiveram e estarão conosco. Afeto-amor, ser-viver.
segunda-feira, 11 de abril de 2016
Footiche
Que beleza existe nos pés de uma mulher, nessa estrutura
delicada, terminada em cinco dedinhos ainda mais belos, de unhas negras, de
preferência, com a pele talvez riscada com uma tatuagem que realce suas linhas,
ou talvez/também adornado o suave tornozelo por uma correntinha prateada
enfeitada com pingentes delicados. Há ainda os maravilhosos anéis nos dedos dos
pés, ornamento mais afrodisíaco que nozes ou amêndoas, oferecendo ao
olhar e ao toque detalhes mínimos a essas obras de arte do corpo humano. Os
pés, que tocam nosso peito, sobem por nossos ombros, que se oferecem à nossa
boca no momento de êxtase, ou que simplesmente repousam marotamente sobre nossa
coxa para serem acariciados e excitados, estimulados em todas as suas
erotizações, ou ainda carinhosamente se enroscam nos nossos próprios pés, para
que eles, entre iguais, se entendam e se comuniquem na linguagem própria dos
pés. Pés, pequenos ou não, dedinhos juntinhos ou não, mais cumpridos ou curtos,
com suaves penugens ou lisinhos, às vezes tortinhos, como entalhados por
artista prodigiosa na mais pura matéria prima, a carne e a pele humanas,
infinitamente distintos entre si, em seus movimentos e danças, seus jeitos de
se esparramarem pelos caminhos, curvarem-se, elevarem-se em suas pontas,
esticarem-se, contraírem-se, absolutamente belos, os amos, os admiro, os
observo e contemplo, os quero cuidados, beijados e adorados.
SLZ, 1h47, 12/12/15, Aeroporto, esperando o amor chegar.
SLZ, 1h47, 12/12/15, Aeroporto, esperando o amor chegar.
Quase-manifesto do Fodaseísmo Deboísta
"Desejo pelo desejo, alegria pela alegria e beleza pela
beleza. Mas pode linda tesão de quem sente desejo pela alegria, beleza pelo
desejo e alegria pela beleza" Roberto Freire
Alguns anos da minha vida morei, por força maior de conflitos atracados contramaternos, na casa dos avós. E naqueles dois anos passei a conviver mais intimamente com aquele universo altamente entrópico, altamente confuso, salpicado de buracos negros e distorções do tempo-espaço. Como estar dentro do olho de um furacão, eventualmente sendo acertado por uma vaca voadora, arremessada contra o frágil celeiro de invenções e enrolações e sensações que era meu quarto/barco, terceira porta à direita pelo corredor rosa, pulando o comedor e bebedor do cachorro marajá da titia.
E diante daquele espetáculo quase astronômico que eram aquelas três figuras, que sem aviso, podendo ocorrer a qualquer dia da semana e hora do dia, iniciavam uma apoteótica briga sem ter nem porquê, tão infinitesimal era o suposto "motivo" da teima, passei a me perguntar, me indagar e investigar a simples questão: porque esses seres provocavam para si tamanhas animosidades, agressividades, tensões, conflitos?Gratuita e propositadamente. E sem a menor intenção de solução. Encontrar um caminho conciliador? Jamais. Muito melhor alimentar a chama das iras, o brilho dos ânimos agitados. E foi então que me ocorreu o estalo. A sugestão súbita. A Teoria da Diversão.
A única explicação que minimamente se conformava com o que eu observava era que as sujeitas envolvidas tinham deveras diversão em seus atritos. Talvez algo sadomasoquista, talvez algo autodestrutivo, mas certamente alguma forma de contentamento em suas ações, como algo que quebra a monotonia, acelera a circulação do sangue, desperta fortes emoções, empolga os sentidos e raciocínios, ainda que ilógicos ou paradoxais.
E aí dei-me conta do elemento que faltava para integrar harmonicamente a provocada ausência de sentido universal da vida. Porque surgiu o universo numa grande explosão? Provavelmente porque deve ter sido divertido isso tudo. Cada grande bola de gases em combustão é um imenso parque de diversões criativo das forças misteriosas e brincalhonas da vida. Todas aquelas moléculas chocando-se, destruindo-se, fundindo-se, transformando-se em outras coisas, sempre coisas novas, sempre mudando, finalmente explodindo e se tornando imensas obras de arte póstumas, restos coloridos de poeira cósmica, ou melhor ainda, absurdos e impossíveis vácuos que a tudo sugam e desaparecem, buracos negríssimos.
E tudo o mais que daí surgiu, surgiu pelo simples fato de que era divertido surgir, inventar, ver no que ia dar, esses tais fenômenos físicos, químicos, biológicos, nucleares, animalescos, evolutivos, insurrecionais, afetivos, orgíacos, orgásticos. A Vida, ou esse Todo que é Tudo e conecta a tudo que existe nessa teia infinita, apenas se diverte com cada absurdo, cada confusão, cada conflito, cada início e fim. Não existe moral possível nesse universo. Não existe vida ou morte, certo ou errado, bem ou mal, apenas o brincar da Vida virando-se, rebolando-se, caindo-se de onde quer que seja para esparramar-se na probabilidade mais remota, no caos mais sutil, no óbvio e no inevitável.
Então, tudo que há, há por diversão. Tudo que se faz, se faz por diversão. E se não é divertido, foda-se. Vamo fazer outra coisa. Fuder, que é divertido. FODA-SE! Foda a você mesmo, se dê prazer!
Alguns seres humanos criaram todo um sistema de dominação de uns sobre os outros, que para esses alguns deve ser muito divertido. Toda essa vaidade de ter poder sobre outras [por sentir-se por certo tão frágil e fraco sem essa autoafirmação de poder sobre alguém] de alguma forma os diverte. A mim dá uma preguiça imensa, tamanho trabalho e energia demanda dominar. Não entendo, não consigo explicar porque alguém resolveu dominar outra, senão porque de alguma forma a diverte. E como não sou dado a dominar, isso não me diverte, antes enoja, e muito menos me diverte ser dominado, aiaiai, quero me divertir com outra coisa, liberdade e euforia e disforia e endorfina por exemplo. E me divirto resistindo contra a dominação. E fazendo tudo que me der na diversão.
E convoco todas as pessoas a libertarem-se para a própria diversão. Ao invés de serem escravos da diversão desses bandidos exploradores, que roubam nossa diversão. Não, não é divertido viver para o lucro de outra pessoa. Há tanto mais a se fazer, nem que seja brincar de clube da luta, de clube de livros, de clube de orgia, tantra orgasmo pra gozar. Vamos viver de boas o prazer de ser o que não se sabe o que será. Vamos assumir o despudorado descontrole da Vida, o acaso tão bonito de se perder só pra poder fingir se achar, no teatro do mais e da magia, na dança dos hipersentidos e insanos movimentos, na poesia do inventar o que não existe.
Pelo deboismo fodaseista amoral da diversão!
Heycife, Pernasbuco, 19:52, 11/12/15
Alguns anos da minha vida morei, por força maior de conflitos atracados contramaternos, na casa dos avós. E naqueles dois anos passei a conviver mais intimamente com aquele universo altamente entrópico, altamente confuso, salpicado de buracos negros e distorções do tempo-espaço. Como estar dentro do olho de um furacão, eventualmente sendo acertado por uma vaca voadora, arremessada contra o frágil celeiro de invenções e enrolações e sensações que era meu quarto/barco, terceira porta à direita pelo corredor rosa, pulando o comedor e bebedor do cachorro marajá da titia.
E diante daquele espetáculo quase astronômico que eram aquelas três figuras, que sem aviso, podendo ocorrer a qualquer dia da semana e hora do dia, iniciavam uma apoteótica briga sem ter nem porquê, tão infinitesimal era o suposto "motivo" da teima, passei a me perguntar, me indagar e investigar a simples questão: porque esses seres provocavam para si tamanhas animosidades, agressividades, tensões, conflitos?Gratuita e propositadamente. E sem a menor intenção de solução. Encontrar um caminho conciliador? Jamais. Muito melhor alimentar a chama das iras, o brilho dos ânimos agitados. E foi então que me ocorreu o estalo. A sugestão súbita. A Teoria da Diversão.
A única explicação que minimamente se conformava com o que eu observava era que as sujeitas envolvidas tinham deveras diversão em seus atritos. Talvez algo sadomasoquista, talvez algo autodestrutivo, mas certamente alguma forma de contentamento em suas ações, como algo que quebra a monotonia, acelera a circulação do sangue, desperta fortes emoções, empolga os sentidos e raciocínios, ainda que ilógicos ou paradoxais.
E aí dei-me conta do elemento que faltava para integrar harmonicamente a provocada ausência de sentido universal da vida. Porque surgiu o universo numa grande explosão? Provavelmente porque deve ter sido divertido isso tudo. Cada grande bola de gases em combustão é um imenso parque de diversões criativo das forças misteriosas e brincalhonas da vida. Todas aquelas moléculas chocando-se, destruindo-se, fundindo-se, transformando-se em outras coisas, sempre coisas novas, sempre mudando, finalmente explodindo e se tornando imensas obras de arte póstumas, restos coloridos de poeira cósmica, ou melhor ainda, absurdos e impossíveis vácuos que a tudo sugam e desaparecem, buracos negríssimos.
E tudo o mais que daí surgiu, surgiu pelo simples fato de que era divertido surgir, inventar, ver no que ia dar, esses tais fenômenos físicos, químicos, biológicos, nucleares, animalescos, evolutivos, insurrecionais, afetivos, orgíacos, orgásticos. A Vida, ou esse Todo que é Tudo e conecta a tudo que existe nessa teia infinita, apenas se diverte com cada absurdo, cada confusão, cada conflito, cada início e fim. Não existe moral possível nesse universo. Não existe vida ou morte, certo ou errado, bem ou mal, apenas o brincar da Vida virando-se, rebolando-se, caindo-se de onde quer que seja para esparramar-se na probabilidade mais remota, no caos mais sutil, no óbvio e no inevitável.
Então, tudo que há, há por diversão. Tudo que se faz, se faz por diversão. E se não é divertido, foda-se. Vamo fazer outra coisa. Fuder, que é divertido. FODA-SE! Foda a você mesmo, se dê prazer!
Alguns seres humanos criaram todo um sistema de dominação de uns sobre os outros, que para esses alguns deve ser muito divertido. Toda essa vaidade de ter poder sobre outras [por sentir-se por certo tão frágil e fraco sem essa autoafirmação de poder sobre alguém] de alguma forma os diverte. A mim dá uma preguiça imensa, tamanho trabalho e energia demanda dominar. Não entendo, não consigo explicar porque alguém resolveu dominar outra, senão porque de alguma forma a diverte. E como não sou dado a dominar, isso não me diverte, antes enoja, e muito menos me diverte ser dominado, aiaiai, quero me divertir com outra coisa, liberdade e euforia e disforia e endorfina por exemplo. E me divirto resistindo contra a dominação. E fazendo tudo que me der na diversão.
E convoco todas as pessoas a libertarem-se para a própria diversão. Ao invés de serem escravos da diversão desses bandidos exploradores, que roubam nossa diversão. Não, não é divertido viver para o lucro de outra pessoa. Há tanto mais a se fazer, nem que seja brincar de clube da luta, de clube de livros, de clube de orgia, tantra orgasmo pra gozar. Vamos viver de boas o prazer de ser o que não se sabe o que será. Vamos assumir o despudorado descontrole da Vida, o acaso tão bonito de se perder só pra poder fingir se achar, no teatro do mais e da magia, na dança dos hipersentidos e insanos movimentos, na poesia do inventar o que não existe.
Pelo deboismo fodaseista amoral da diversão!
Heycife, Pernasbuco, 19:52, 11/12/15
Deixe-se Acreditar - Mombojó - Mais alegria!
terça-feira, 5 de abril de 2016
Blues-a-perto
De olhos fechados descubro sua pele. Minhas unhas desenham tua silhueta. Meus pés abraçam os seus. Minhas pernas caminham pelas suas. Minha boca lê seus poros em adorável recital. A presença nos põe para além de nós mesmos, meu ser transpassa o teu, enquanto as cortinas cerradas não deixam nada além de nós existir no quarto. O ar brisa o tempo, as horas gotejam, teus cabelos ondeiam no lençol, no meu ombro, no meu peito, tua boca me invade o âmago, o sonho, a respiração. As paredes azul, a cama blues, o chão madeira, o teto estrela, o afeto cheira a corpo, transpira, inspira. Aos poucos, nossos corpos se aproximam, se distanciam, se apertam, teus seios me desferem êxtases, os pelos do teu sexo se abraçam com os meus, nada mais importa, nada volta, tudo toca o instante, como uma droga, como um vício, como um precipício te olhar, cair na tua escuridão, ser-te todo coração, palpitar teu sangue, emergir em teu ventre, danar-me em ti adentro, afogar-me em ti sedento, esvaziar-me de tudo para ser teu transe, teu grande fulgor, teu se pôr, teu repousar sobre mim, teu deitar o rosto junto ao meu, teu sentir o meu bater acelerado do peito, teu jeito de me amanhecer...
O Piano - Phill Veras - a me tocar
Chove afeto
Teus pés pisam o chão molhado. O guarda-chuva balança com nossos passos suaves e gentis sob um céu de veludo arroxeado, algodões de baunilha e vinho. Assovias pra mim canções pr´eu adivinhar. Todas canções que de alguma forma costuram nossa história. Cada uma delas trilha de um episódio. As noites deitados no teto, olhando o passar das nuvens e as estrelas saltitando entre elas, aquela dança sob a calçada de madeira diante da praia com a música que tocava ao longe, as caminhadas entre nossas casas, entre nossos planos, as festanças de tintas sujando o chão, as risadas de criança fáceis como flores do campo, as manhãs inteiras deitados, se olhando, braços dados. Tua pele, teu suor, teu lábio mordido, seu respirar ofegante de sentir prazer. E cada música adivinhada, passeada na lembrança e nos olhos, eu sussurrava no teu ouvido, mordiscando tua orelha. Minha menina, canta pra mim, te enlaçando num abraço dançado. E de olhos fechados, teus dedos nos meus cabelos, ouço essa canção improvisada "nisso eu acredito mais que tudo"...
Faz - Phill Veras - chuviscando...
domingo, 3 de abril de 2016
Dança que teus mais encanta
A lua vai e volta pelo ar, sem vontade de se deitar. Há uma luz vermelha cintilando em algum lugar, penumbrando e misteriando os rostos e os olhares. No alto de alguma torre urbana, perdida numa neblina risonha, um punhado de poucas e verdadeiras pessoas se deixam sentir a vibração das canções, dos instrumentos, dos sentimentos que irradiam da caixa de som, da meia-lua gingando nas mãos daquela moça bonita, na gaita sussurrando no pescoço do moço atrevido que olha pra ela. No ritmo da pandeirola ela envia-lhe mensagens. Conta-lhe suas histórias longínquas, só possíveis de compreender por meio do movimento do corpo e ondas sonoras. Dos lugares que passou, das canções que guardou e das que presenteou, dos mares que chorou e nadou. Nas paredes se projetam histórias coloridas, nos goles de bebidas há sorrisos e mordidas, que se derramam pelos corpos, molhados de sensação. E enquanto os pés mal pisam o chão esvoaçados pelas músicas de vida de cada um ali encontrados, mais se encontra, mais se voa, mais os pés se aproximam... do sol que nasce.
Se Depender de Mim - Phill Veras - aqui.
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