segunda-feira, 11 de abril de 2016

Quase-manifesto do Fodaseísmo Deboísta



"Desejo pelo desejo, alegria pela alegria e beleza pela beleza. Mas pode linda tesão de quem sente desejo pela alegria, beleza pelo desejo e alegria pela beleza" Roberto Freire

Alguns anos da minha vida morei, por força maior de conflitos atracados contramaternos, na casa dos avós. E naqueles dois anos passei a conviver mais intimamente com aquele universo altamente entrópico, altamente confuso, salpicado de buracos negros e distorções do tempo-espaço. Como estar dentro do olho de um furacão, eventualmente sendo acertado por uma vaca voadora, arremessada contra o frágil celeiro de invenções e enrolações e sensações que era meu quarto/barco, terceira porta à direita pelo corredor rosa, pulando o comedor e bebedor do cachorro marajá da titia.

E diante daquele espetáculo quase astronômico que eram aquelas três figuras, que sem aviso, podendo ocorrer a qualquer dia da semana e hora do dia, iniciavam uma apoteótica briga sem ter nem porquê, tão infinitesimal era o suposto "motivo" da teima, passei a me perguntar, me indagar e investigar a simples questão: porque esses seres provocavam para si tamanhas animosidades, agressividades, tensões, conflitos?Gratuita e propositadamente. E sem a menor intenção de solução. Encontrar um caminho conciliador? Jamais. Muito melhor alimentar a chama das iras, o brilho dos ânimos agitados. E foi então que me ocorreu o estalo. A sugestão súbita. A Teoria da Diversão.

A única explicação que minimamente se conformava com o que eu observava era que as sujeitas envolvidas tinham deveras diversão em seus atritos. Talvez algo sadomasoquista, talvez algo autodestrutivo, mas certamente alguma forma de contentamento em suas ações, como algo que quebra a monotonia, acelera a circulação do sangue, desperta fortes emoções, empolga os sentidos e raciocínios, ainda que ilógicos ou paradoxais.

E aí dei-me conta do elemento que faltava para integrar harmonicamente a provocada ausência de sentido universal da vida. Porque surgiu o universo numa grande explosão? Provavelmente porque deve ter sido divertido isso tudo. Cada grande bola de gases em combustão é um imenso parque de diversões criativo das forças misteriosas e brincalhonas da vida. Todas aquelas moléculas chocando-se, destruindo-se, fundindo-se, transformando-se em outras coisas, sempre coisas novas, sempre mudando, finalmente explodindo e se tornando imensas obras de arte póstumas, restos coloridos de poeira cósmica, ou melhor ainda, absurdos e impossíveis vácuos que a tudo sugam e desaparecem, buracos negríssimos.

E tudo o mais que daí surgiu, surgiu pelo simples fato de que era divertido surgir, inventar, ver no que ia dar, esses tais fenômenos físicos, químicos, biológicos, nucleares, animalescos, evolutivos, insurrecionais, afetivos, orgíacos, orgásticos. A Vida, ou esse Todo que é Tudo e conecta a tudo que existe nessa teia infinita, apenas se diverte com cada absurdo, cada confusão, cada conflito, cada início e fim. Não existe moral possível nesse universo. Não existe vida ou morte, certo ou errado, bem ou mal, apenas o brincar da Vida virando-se, rebolando-se, caindo-se de onde quer que seja para esparramar-se na probabilidade mais remota, no caos mais sutil, no óbvio e no inevitável.

Então, tudo que há, há por diversão. Tudo que se faz, se faz por diversão. E se não é divertido, foda-se. Vamo fazer outra coisa. Fuder, que é divertido. FODA-SE! Foda a você mesmo, se dê prazer!

Alguns seres humanos criaram todo um sistema de dominação de uns sobre os outros, que para esses alguns deve ser muito divertido. Toda essa vaidade de ter poder sobre outras [por sentir-se por certo tão frágil e fraco sem essa autoafirmação de poder sobre alguém] de alguma forma os diverte. A mim dá uma preguiça imensa, tamanho trabalho e energia demanda dominar. Não entendo, não consigo explicar porque alguém resolveu dominar outra, senão porque de alguma forma a diverte. E como não sou dado a dominar, isso não me diverte, antes enoja, e muito menos me diverte ser dominado, aiaiai, quero me divertir com outra coisa, liberdade e euforia e disforia e endorfina por exemplo. E me divirto resistindo contra a dominação. E fazendo tudo que me der na diversão.

E convoco todas as pessoas a libertarem-se para a própria diversão. Ao invés de serem escravos da diversão desses bandidos exploradores, que roubam nossa diversão. Não, não é divertido viver para o lucro de outra pessoa. Há tanto mais a se fazer, nem que seja brincar de clube da luta, de clube de livros, de clube de orgia, tantra orgasmo pra gozar. Vamos viver de boas o prazer de ser o que não se sabe o que será. Vamos assumir o despudorado descontrole da Vida, o acaso tão bonito de se perder só pra poder fingir se achar, no teatro do mais e da magia, na dança dos hipersentidos e insanos movimentos, na poesia do inventar o que não existe.


Pelo deboismo fodaseista amoral da diversão!

Heycife, Pernasbuco, 19:52, 11/12/15

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