quinta-feira, 26 de julho de 2018

Olha-me

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Hilda Hilst, Júbilo, memória, noviciado da paixão, p. 17.

Ruminações

Por que eu falo com você? Por que você me responde? Você só fala comigo porque eu falo com você, porque se não, não falaria (?). Por que insistir em querer alguém que não te quer? Se o amor que, um dia, ou, vai lá, ainda existe dentro de você por mim, você escondeu dentro de um labirinto com inúmeros obstáculos e armadilhas e deixou lá, para que fique lá, para que não se possa alcançar, para que resseque e vire pó e o vento leve e assim está bom. Porque você tem muitos motivos para não me querer. Muitas boas razões para ficar longe de mim. Muito mais contras do que pros nessa lista invisível e dolorida. Porque os resultados possíveis aparentemente não são suficientes. Porque eu não basto. As previsões não satisfazem. O presente não era bom o suficiente. Muda, tenta e sofre, muda, tenta e sofre, muda, tenta e sofre, não é? Sem nada mais nas entrelinhas. Apenas um passado, esse sofrimento antigo que lateja, um fantasma incômodo que perturba e que eu, educadamente, respondo, porque não gosto de ser grossa, porque, nem sei, porque sou uma pessoa legal mesmo e não gosto de destratar. Mas um dia ele cansa, ele pára, ele enfim entende que é isso, que foi apenas um lapso da minha parte, mas eu sei que eu mereço mais, e que é uma perda de tempo. Dentro de mim existem dois lobos, o amor-próprio e o amor-por-ela. Se alimento um, o outro rosna. Se alimento o outro, aquele rosna. Houve uma cissão entre eles e tornaram-se excludentes. Não sei como alimentá-los ambos. Porque se eu amo uma pessoa que não me quer, como me amar também? Meu amor-próprio diz "existe alguém que te quer de verdade, que você não precisa mendigar atenção, não precisa insistir, argumentar e contra-argumentar, convencer, provar logicamente, com gráficos e futuros comprovados, garantidos, para merecer e/ou receber o amor. Alguém que simplesmente sabe que te ama, sente dentro, bem dentro, e que sente de volta a magia da reciprocidade, e isso basta. Por você ser quem você está sendo, naquele instante e no seguinte e mudando, sempre, sim. Alguém que não tenha tantas feridas, ressalvas, poréns e justificativas. Talvez um dia tenha sido assim com você. Há muito tempo, antes de tantos erros, desvios, quebras. Demorei demais para chegar lá, eu sei (e na verdade ainda nem cheguei, de fato, materialmente, apenas na intenção/sensação/vontade), para me sentir a pessoa que, presumo, você queria que eu fosse. A pessoa "pra casar, ter filhos, fazer planos de viagens e decorar a sala de estar". Sinto-me tão pouco, inútil, insuficiente, como se minha vida tivesse sido em vão porque não pude fazer o que poderia fazê-la querer ficar. Me sinto culpado, invadindo, perturbando, quando penso nela ou a busco. Porque, aparentemente, você tem uma projeção de mim que não corresponde comigo, a pessoa que eu "realmente sou" não é a que você "realmente quer". São duas imagens que não coincidem. Eu sou apenas a ilusão de ótica, o esboço mal-feito de quem você ainda encontrará, tenho fé. O engano, o momento de fraqueza, aquela pessoa que seu íntimo sabe que deve ficar longe. Afinal, o que eu estou fazendo? Você tem coisas melhores para fazer do que perder tempo comigo. Não faz mais um tempo bom para desperdiçar comigo. 

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Gotas


Um som suave, quase irritante, algum tipo de sininhos infantis, tilintava. 6h45. Soneca. Felizmente o sol brilhava por entre a cortina entreaberta, revelando um céu consoladoramente azul. De olhos fechados, ela fingia ainda dormir, só mais um pouquinho. Demorou-se contemplando-a, o maior motivo que existia para levantar-se, tentando não incomodá-la. Pôs água para esquentar, fez tapiocas com ovos mexidos especiais, passou o café com um toque de canela, cortou uma laranja em quatro barquinhos ensolarados, em cada um deles colocando uma bandeirinha de madeira e papel, colocou tudo em uma bandeja e levou para o quarto. Duas gotinhas de óleo essencial de capim limão no aromatizador de tomada, yann tiersen tocando baixinho no celular, um beijinho delicado no canto dos lábios dela e então ela podia abrir os olhos, satisfeita com o que via, ouvia, cheirava, sentia, imaginava. Obrigada, amor. Hmm, são os melhores ovos mexidos que já comi na vida! Ah, coloquei um pouquinho daquele tempero especial que você gosta, que trouxemos de viagem. - Ama-me. é tempo ainda. Interroga-me. / E eu te direi que o nosso tempo é agora. / Esplêndida avidez, vasta ventura / Porque é mais vasto o sonho que elabora / Há tanto tempo sua própria tessitura. / Ama-me. Embora eu te pareça / Demasiada intensa. E de aspereza. / E transitória se tu me repensas. / Café da manhã com Hilda para que nossa segunda-feira seja mais bonita, ela brincou. O que falta agora para eu poder morrer feliz? Tirou a bandeja do colo dela e abraçou-a, rolando pela cama e colocando-a sentada em seu colo. Falta a sobremesa! Tão cedo? Nosso exercício matinal, elixir da juventude, disse, envolvendo o mamilo dela com os lábios, sentindo-o endurecer entre os dentes, delicados. Dança comigo, valsa no meu gozo, e levantando-se com ela no colo, suspensa em seus braços, penetrando-a no ritmo do piano e acordeão. 7h45. Está quase na hora. E juntos dançaram até o banheiro, encostando-a na parede, apertando seu quadril, tirando-lhe gemidos gostosos e ondulados, enquanto a água começava a vestir-lhes de rios e cachoeiras. O sabonete líquido encarnado favorito espumou-lhes as peles, cheirosas, e logo ele já estava enxugando-lhe as costas enquanto a penetrava, incansavelmente. Venha, me beije, e ela ajoelhando-se, fez carinhos aprofundados no seu amor. Limpando os lábios, levantou-se e beijou-lhe a boca, gostinho de sexo. Saíram do banheiro respingando um pouquinho de tesão ainda, vestindo-se rapidamente, porque já era hora de partir. Lindo dia, amor. Te amo. Te vejo mais tarde. 

Toujours Lá - Yann Tiersen

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Sonhos


"Quais são teus planos? Teus desejos? Para amanhã, para a próxima semana, próximo mês, próximo ano, próxima década e além... Quantos planos você tem?" O ondular do mar balançava-os, dois barquinhos ancorados uma na outra. "Ah, quero aprofundar meus saberes na ilha da magia, fazer trilhas e conhecer muitas cachoeiras pelos parques do mundo, tomar vinho olhando para o mar azul da Grécia, quero rir de tu até..." E os dois sorrisos se fizeram um, brincadeiras de línguas muito afins, e carinhos nas orelhas e cheiros nos pescoços e pequenos mordiscar nas bochechas. "Apois eu quero acordar todo dia olhando pra ti, poder trazer café da manhã na cama procê, te levar pra dançar até ficarmos suadas e te levar pra cama depois pra te beijar o corpo todo, quero também passear pela cidade para escolhermos a casa onde iremos montar nosso ninho-castelo-porto-galáxia-só-nossa, sonho em colher flores e espalhá-las pela casa, deixando tudo perfumado, adoraria ir aprender montão de coisas na ilha da magia com você para poder brincar de feitiços com minhas crianças na escola, te levar e deixar você me levar para os lugares mais bonitos". A umidade dos olhos e o brilho do sol produziu diminutos arco-íris nos olhos delas, que não tiravam o olho uma da outra. "Eu quero também dedicar-me à arte, e escrever poemas pra ti, e cozinharmos comidas incríveis, fazermos cursos de culinária e nos tornarmos super chefes de cozinha para prepararmos banquetes para todas as nossas amigas e amigos em nossa varanda ou mesmo no jardim iluminado por aqueles cordões de lâmpadas amarelas e pisca-piscas" O roçar das peles unidas provocava pequenas ondas que emanavam delas duas, enroscadas flutuando feito uma ilha-flutuante. "E eu quero ler ao seu lado no final do dia, cada uma com um abajur ao lado na cama, ora eu no teu colo, ora você no meu, parando de vez em quando pra tu me mostrar uma parte emocionante e eu te ler um trecho que achei incrível, quero um dia ouvir dos teus lindos lábios a mais incrível notícia do universo, de que você está carregando na tua barriga linda a bebê mais amada do mundo"...

Dia a dia, lado a lado - Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci, no bailar do mar

sábado, 21 de julho de 2018

imaginação

"O medo é um lobo dentro da gente. Pode ensinar-nos a bravura, guiando-nos cuidadosamente pela escuridão, ou acuar-nos num cantinho apertado, rosnando-nos furioso por nossa covardia", falou para a outra quando esta lhe contou que abandonara um emprego que lhe mortificava, mas que era "seguro", para jogar-se em uma oportunidade mais favorável e desafiadora, porém "temporária". "Nossa, é isso mesmo", confessou. "Fiquei um bom tempo matutando se devia ou não fazer isso, o que seria do futuro, se valia a pena, se devia arriscar, se teria forças... E depois de um tempo, simplesmente dei basta e pensei - é isso que eu quero, é isso que vou fazer. O resto a gente vai resolvendo aos poucos". Sorrindo, a primeira respondeu "Seus olhos e sua presença brilham e pulsam uma energia magnífica quando você ouve, segue e confia no seu coração", abrançando-a. Entrelaçadas, suas respirações sincronizando-se. "Fico muito feliz por você. E aprendo contigo sobre nossa força pessoal capaz de transformar nossos caminhos, apesar das dificuldades, dúvidas e situações limitantes. Sobre a importância e o valor de fazermos o que estiver ao nosso alcance para ir além, mesmo que um pequeno passo, mesmo que nunca o último. Em seguida você conseguirá outras oportunidades que lhe satisfaçam mais e te deem mais sentido, que lhe permitam ampliar horizontes e sentir-se ainda mais segura consigo, que deem vazão à sua criatividade e potencialidades interiores, que te permitam extravasar toda a beleza que tens e que tanto me cativam e alumiam", declarou ela no ouvido de sua querida, em seus braços. Então afastaram-se para olhar-se e lágrimas brotavam dos olhos delas. "Onde quer que eu esteja, de alguma forma quero estar contigo, nem que por meio da minha imaginação que te esculpes ao meu lado, conversando comigo e rindo-se de mim, alegrando cada instante. Você vive em meu coração, em uma casinha de madeira toda cercada de flores com uma varanda que mais parece um palco debruçado para o mundo"... 

terça-feira, 17 de julho de 2018

esdrúxulo

Tenho pensadosentido muito em você. Cheguei mesmo a sonhar dormindo contigo, e sonhar acordado voltou com tudo pra rotina. Ainda que meu inconsciente faça o possível para erguer uns mecanismos de defesa alimentado pelo incipiente amor próprio recém saído da lama, não tem funcionado muito. Não tem um só dia, umzinho só, único, solo e pioneiro, que conseguiu escapar de sua lembrança, de seu pensamento. Ainda que me aflorem sentimentos contraditórios, da ternura primaveril à avalanche dolorida, passando por tentativas de fuga e apagamento e tombando em retrospectivas e lamentos. Uma parte de mim espera piamente superar isso tudo, seguir em frente, em processo de autorestauração, de assumir a vida a partir daí, aberta pra tudo que vier, de aceitar em definitivo absoluto o feito findo finado. Acredita que é uma questão de tempo, dure o que durar, três anos no máximo, brinca, ou novo recorde, mas um dia, como já aconteceu antes, alcançarei o redentor estado de vazio desconectado e desapegado, no qual a imagem ou mesmo a presença tenham se reconfigurado inteiramente num quase anonimato vagamente familiar. A outra parte de mim já refletiu sobre os vários lugares possíveis e favoráveis para nossa futura casa, nesta e na outra cidade do desgranges, já matutou sobre os detalhes do anel de noivado, sobre os 5 nomes femininos e 5 masculinos para compor nossa lista de 20 nomes possíveis dos quais escolheremos o de consenso para uma criança fabulosa que virá um dia, já planejou viagens de carro percorrendo oásis paradisíacos litoral norte do país afora, até o meio da floresta amazônica, entre outros detalhes menos importantes desta vida ficcional que vem brincando por puro ócio cardíaco. Hoje a primeira grande recaída desde o carnaval. Espero que passe quase despercebida. Mas também já fiz uma promessa para angariar fundos celestiais para um esforço energúmeno que tem 3% de chance de realizar o impossível, de novo. Porque o impossível, no nosso caso, tem certa recorrência, o que abre o desagradável precedente de teimar em esperar ou mesmo querer provocá-lo novamente. Afinal, o que era menos improvável do que nos encontrarmos uma segunda vez? E ainda, nada poderia ser mais absurdamente delirante do que imaginar que poderíamos viver o que vivemos num terceiro, pasmo, reencontro. O quarto episódio, olha lá, parece o mais plausível de todos. Ainda que uns recônditos do meu ser torçam para o cancelamento da temporada, por não julgar ter forças para lidar com um possível desfecho de rejeição. De todo modo, independente, a vida mostra-se capaz de levantar-se e transformar-se, despojada das previsões e futurismos, ainda que necessária de certos planos e mapas coordenados. Assim, nesta madrugada de segunda para terça-feira, na casa da chuva, às 4h33, momento em que este plano está mais próximo dos outros planos, cá estou eu, renovando minha anciã tradição de terapeutizar-me em escritos esdrúxulos neste divã virtual semiabandonado, torcendo por um pouco mais de lucidez e disposição para ser digna de mim mesma, digna de sonhar e viver alguns, não tantos, mas não tão poucos, desses sonhos.

domingo, 15 de julho de 2018

Automicrobio



Fase DesAstrada Cúspide Aquária

Era uma criança-adolescente solitária antisocial um pouco reprimida em certo conflito com a lei materna brincando de criar mundinhos idealizados com bloquinhos de plástico ou jogos de computador e aviõezinhos de papel e lápis hidrocor e conversas com o avô e caminhadas pela praia, indo dormir com muitos carinhos maternos, inspirada por Kalil Gibran e Neruda, viajando com o Super Nitendo e 64, se queimando com bolos de chocolates e partilhando um bocado com a tia e a vó e o avô e a mãe, curtindo muitos documentários do discovery num puff marrom

Fase Aquariana Cúspide Libriana

Era uma mocinha com sangue nozói porque o mundo é injusto, escroto, o capitalismo é uma merda, tinha muita raiva, violência aflorando tardiamente mas direcionada para as paredes, descobriu Malatesta, procurou pela Une, encontrou a Conlutas, criou o Blog Lobo Vermelho, tinha muitos conflitos com a lei materna, foi para o primeiro protesto de rua, participou da Missão, foi descoberta pela Viração, inventou o Grupo de Ação Solidária, pedalou bastante pela Bicicletada, se perdeu na Menina-Flor, se surpreendeu com a Conferência, começou a entender o que era a Renajoc, se libertou graças a Menina-Espinho, se enveredou pelo Jornalismo, mas o que valeu foi a Fotografia, criou demais com a Câmera Vermelha, miraculosamente passou no Concurso, teve muitas e muitas deprês por causa disso, criou o Blog Azul, encheu uma poupança

Fase Libriana Cúspide Sagitária

Foi uma jovem apaixonada pela Mulher-Touro, desfrutou muitos Pôr-do-Sois e Vagalumes entre seus infernos, desfrutou 7x o Amor tanto e mais, começou a aprender a cozinhar com sua Mestra nº1, foi para Pipa, Tabatinga, Curitiba, Porto Alegre, Buenos Aires, Baia Formosa, enfim realizou o sonho de percorrer a cidade com Catirina, viveu ainda mais a Viração, descobriu a Vila de Ponta Negra, inventou o Vir-a-Vila, praticou educomunicação nas trincheiras da vida, foi para Mairiporã, sofreu uma Quebra, imergiu ainda mais na Renajoc, chorou um tanto, sonhou um bocado mais, tentou ao máximo realizar e realizar-se, mas sentindo-se aprisionada

Fase Sagitária Cúspide Capricórnea

Conheceu e entregou-se à Mulher-Cariño, acabou jogangando-se também na liberdade, lançando-se no mar, abandonando o porto seguro e terrível de tédio e restrições, largou-se na estrada, foi para o Rio, Brasília, Vitória da Conquista, Campinas, Fortaleza, São Paulo, Porto Alegre, Belém, João Pessoa, Vale do Capão, Manaus, São Gabriel da Cachoeira, Campo Grande, Vitória e outros lugares mais, afinal, viajou viajou viajou, mês sim, mês não, mês sim mês sim, tanto que cansou, que tomou abuso de aeroporto, de avião, de fazer mala, de desfazer mala, mas valeu demais, enfim saiu de casa, criou a Casa Chiapas, aprendeu demais, escreveu mil manifestos, aprendeu mais a cozinhar, fez alguns banquetes, nadou demais no mar ao pé do morro, conheceu o amor da sua vida, amou demais, fez algumas grandes merdas, chorou bastante, magoou pessoas que amou demais, mais uma grande crise existencial, abandonou tudo, mochilou por Minas, pediu carona, pegou muito sol, uma semana na casinha de barro e bambu e grama no teto e gente maravilhosa demais e cachoeira gelada de doer em Lima Duarte, dançou e foi feliz demais no carnaval de Beagá com a melhor companhia, na volta tinha um novo caminho a seguir na vida, Permaculturar, começou a fechar os ciclos, começaram-se a abrir novas portas, em Catu fez um pequeno doc durante seu primeiro encontro de permacultura, em Cascavel fez a maior merda que já fez na vida, mas na época não entendia e achou incrível, foi para o Enca, se emocionou demais com tanta beleza humana e Natural, Goiás, Alto Paraíso, Poço Branco, conheceu sua irmã-maior libriana-sagitariana, criou a Casa Caracol

Fase Capricórnea Cúspide Taurina

Mais uma peregrinação onde teve grandes estalos. São Paulo, Chapecó, Alpestre, muitos baldes e barro e dança e estrelas e leituras, carinhos e surpresas, Reserva do Ser, um dia em Floripa, inventou o Mandala, um ano louco de plantios, mandalas, folhas, garrafas PET, barricadas e trincheiras, lutas e muitas propagações de sementes de ideias e de vidas, viveu com o mínimo, descobriu que dava pra ser incrível, cultivou bastante, teve uma grande grandecíssima bad, morreu, nasceu de novo, novo nome, reconstruindo-se sempre, muitos aprendizados, muitos plantios, conflitos, transgressões, coragens, subidas e descidas, reconexões, encontrou a Casa do Lago, se apaixonou, reencontrou o amor de sua vida, teve momentos absurdamente lindos com ela, tentou realizar um sonho louco, renasceu a Casa Chiapas do Mato, nadou pelada no lago, viu pôr-do-sóis absurdos no morro da visão, um bocado de desastre, apesar dos tantos aprendizados, uma imensa quebra, a morte da Caracol, a morte da sua relação, o colapso de suas condições materiais, voltou pra cidade, perdida, desorientada, desamparada, triste, desacreditada de si, desamada, despossuída, em busca de se refazer 

Fase Taurina Cúspide Leão

Arranjou uns trampos pra juntar umas moedas, estancar a sangrias, uma peregrinação semanal, umas feiras orgânicas escolares, umas noites culinárias, inventou umas oficinas, fez novas amizades, começou a rebrotar algumas flores aqui e ali em si, fez muitas curas, alguns bons encontros, novas perspectivas de vida, tornar-se ainda mais educadora pela Natureza e pela Vida, novos projetos de sonho, desejos, estar junto, amar demais, viver junto, multiplicar vida e amor com Ela... 

Polo e Pan - Nanã

Chapéu de palha


Fazes-me lembrar
um filme do Rohmer
ou o toldo vermelho
do Joaquim Manuel
Quando penso em ti
eu esqueço o lixo
que de manhã faz barulho
à minha porta
Pareces-te com o tempo
das amendoeiras
Tens tudo a ver com
a escadaria semi-invisível
que o mágico escavou
no rochedo atlântico
Sim tu pareces o Verão
Às vezes quando entras
quase dá para ouvir o ruído
do motor de um jipe
Um Lada Niva por exemplo
(de cor azul)
a assapar entre a poeira
e os eucaliptos
sempre em direção à praia
Fazes lembrar a alegria
de um risco na parede
desenhado a carvão
pela criança da manhã
É no verde dos teus olhos
que eu treino a disciplina
de uma explosão sossegada
que se vai revelando devagar
ao ritmo das estações concretas
E já agora também é no amarelo
dos teus olhos que eu descanso
da guerrilha do mundo moderno
Aquele que nos fez esquecer
a gargalhada de David
quando derrotou o gigante
(mas olha há sempre um riso
ecoando lento na caverna)
Estamos aqui para vencer a dor
E teu rosto diário faz lembrar
a vitória do tempo sobre o tempo
Porque afinal de contas tu
te pareces muito com a promessa
de uma fé vagarosa & livre
Pareces a coragem, pareces a paz
Pareces mesmo a madrugada egípcia
sobre a qual voa um passarinho.



Matilde Campilho

sábado, 14 de julho de 2018

Abstrações


a transparência do ar o sangue escorrendo
as palavras fazendo todo sentido
diante de nós do lado de fora tudo é simples
absolutamente simples simples assim
e o que de mais simples que a paixão?
o incomensuravelmente simples
gostaria que tudo fosse mas se tudo fosse
algo haveria? a simplicidade é o que queremos
é tudo o que queremos – mas quem?
tudo o que há de mais improvável
entre nós e para nós


Marcos Siscar


Azul - João Mar e Joe Kinni

Azul Celeste - Kandinsky

Novela



Morais Moreira
Penacho de Penas
Morro do Sol
Oi inesperado de longe
Cabelos Compridos Dançantes
Maracatu
Segura na mão
Celular
Sms
Pedagogia
Pracinha Setor I
Acaso
Beijo surpresa
Noite na Praia do Meio
Tapioca de Caranguejo
Limonada Mor
Beira Mar
Her
Calcinha Florida
Risos Bobos
Cartas Post its
Barquinhos de Papel
Contos e Poesias
Danças Doidas na Sala
Desencontros Estranhos
Sol na Praia do Meio
Despedida
...
...
...
Saudades Locas
...
Encontro Anual
...
...
...
...
Praia do Meio de Cabelos Curtinhos
Inevitáveis
Parque das Dunas
Pracinha Setor V
Origami Carta
Vontades Locas
4x Amor
Fofurinhas
Delícias
Armaria
...
Traição
...
Imbecil
Idiota
Babaca
Estúpido
...
...
...
...
...
Drogas Noturnas
Sms
Pracinha Goiabão
Pancada
Ribeira
Carta
...
...
...
Dr. Estranho
Matilde Campilho
Colchão no chão
Esquema
Despacito
Nego do Borel
Marília Mendonça
Pelamor
Medo
Coragem
26 de junho
Academia da Berlinda
Lulu
Pipa
Teatro
Anne with an E
Chocolates
Poesia
Melhor posição
Cáctus
Comidinhas
Genipabu
Não espera o carnaval
Inevitável
Respira Inspira Transpira
Libido
Pium
Questões
Abstinências
Quebras
Bochechas
Choros
Dores
Diferentes Planos
Chapada Diamantina
Cidade da Criança
Carnaval
Academia da Berlinda
Inevitável
Tão bom
...
...
...
...
...
...
...

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Farol


Kalma, respira. Está chegando. Aquele trecho da trilha era íngreme, escarpado, mas proporcionava algumas visões deslumbrantes do universo. Dali podia-se observar a constelação do Bailar dos Barcos, contemplar o pulsar do centro da Galáxia Leoa e tinha-se a impressão de que o Sol e a Lua piscavam uma para a outra, quando fechava-se o olho direito e o esquerdo lacrimejava.

A medida que se subia aquela interestelar montanha, os corpos se tornavam mais leves, pois os corações eram incitados a inflar um tanto, pelo esforço, e tamanha já era a distância do centro do Ego, que a gravidade balançava e afrouxava um bocadim.

Ela ia na frente e muitas vezes desaparecia da vista nas curvas da relva, da floresta ou das ondas rochosas. Mas a confiança garantia que Ela estava logo ali. Ele aproveitou para contemplar seus passos, estudar seus sinais, apanhando alguns de seus fios de cabelo encaracolando-se pelo caminho, resgatando sua fragância captada pelas flores próximas. Levava consigo seu Xequerer, instrumento musical reinventado, com o qual dançava em sua caminhada, conduzindo sua respiração.

Aonde Ela for, eu vou, pensou, de qualquer jeito. Posso até me perder, mas o Beija-Flor que observa lá de cima e nos observa, sempre me deixa pistas. E o maravilhamento da vida de tantas formas me sopra que caminho Ela tomou. E não importa o que aconteça, seguir caminhando, descobrindo todos os detalhes dessa estrada, enlevando-se até a beira do voo, é uma aventura. Uma jornada cheia de encontros, com todos os seres mágicos que nos guiam por este caminho. 

No início do caminho, na planície ao pé da montanha, o Coiote travesso riu-se de seus tropeços e brincou "quando a gente ri, ficamos mais leves. Não esquece de libertar sua graça, emanar tua paz contente". E então ele riu-se de todas as suas feridas, gargalhando ao ponto de lágrimas brotarem em seus olhos, fazendo-o correr de alegria, até ouvir o rugir da água que caia dos céus rochosos. O Pavão decorava os caminhos até a cachoeira resplandecente e ao vê-lo, demorou-se examinando-o. Então lançou um canto profundo, advertindo-o da urgência de guardar e propagar a beleza da vida e do coração. Atravessando a passagem molhada das águas em queda, tomou-lhe uma profunda sensação de perdão, por tudo que errou, por tudo que sofreu. Aquelas águas eram como um bálsamo para os pesos que carregamos, sem precisar. Atrás abria-se uma caverna , início da trilha que subia a montanha. Um grande Urso guardava a entrada. Recitou-lhe os versos

“Tendo procurado no mais profundo
das montanhas longínquas
achei o meu lar.
Meu lar, onde tinha sempre vivido.”

*

E indicou-lhe que seguisse, pois era digno de sua confiança. A escuridão mostrava-o por onde ir, olhos fechados, mãos tateando seu interior, memórias e desejos mais impregnados, pistas de como chegar ao lado de lá, ao lado dEla. A luz se manifestou tão logo se entregou inteiro e chegou na passarela sutil que ladeava a montanha do universo, diante de um precipício cósmico, perante o infinito. Podia ouvir os passos dEla um pouco mais a frente. Estás comigo, eu sei, e estou contigo, até o fim. Por isso eu vim, por isso estou aqui e por isso sigo.

Então um chiado e um susto que fizeram-no agarrar-se à parede mineral. Uma Serpente eriçava-se, atenta a sua presença. Sua língua percebia no ar cada molécula de meus sentimentos e anseios. "Viajante, cuidado em cada passo. Percebe-te, donde te feres e a quem feres, para transformar teus venenos em outra forma de ser e cuidar. Que o amargo possa adoçar e o azedo chegue então a apimentar, aquecendo e intensificando o estar". E abriu-lhe caminho.

Ao fim, no pico, deparou-se com um surpreendente Farol, construção brilhante, cuja luz guiava cometas e amantes. Torre espiral que brotava das costas de um imenso Caracol.  Lá em cima ele A via. O Caracol olhou-lhe bem dentro e murmurou "O que é para ser, nada impedirá. Quem quer chegar, todo caminho levará. O amor inteiro torna tudo Uma", concluiu "Vá até Ela...".   

* O poema é um haicai de Dogen Zenji, mestre zen japonês.

Ao som de Bailar dos Barcos - Wado