quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Erro



Infinitas frases, reflexões, versos, perdem-se dentro de mim, escritos oralmente, mentalmente, ditos em voz alta, andando na rua, nalgum lugar escuro, perdida-mente. Não tenho forças nem tempo ou irresponsabilidade o suficiente para escrever tudo que gostaria, que precisaria, que eventualmente ou tempestuosamente nasceu e se fez rogar ou gritar em mim.

Mas algumas necessidades verbais sobrepõem-se às outras. Passam por cima das catracas, pulam as cercas, atropelam as outras, empurrando ombros, gritam, rasgam barreiras, se chocam contra tudo que as impede, conflitam até se fazerem inteiras, jogadas em seus destinos, escritas, finalmente expostas e despidas, dilacerando tudo que lhes alcança.

Lembro que sonhei certa vez, sob a atmosfera desse rangido gemido de auroras frusciantes, poder derramar-lhe amor cheiro de capim-santo, grama-limão, e delicadamente dedilhar-lhe as notas da pele, vibrando emoções sonoras e táteis, dedicando-lhe toda atenção que minha Vida pudesse, imaginando-me, senão mesmo fazendo-me inteiramente em ti, ali, calor, amor, sabor, olor.

Mas ao invés, viestes acompanhada, apartada, aleatória, me doeu, me abandonei, quis abandonar-te, ir-me embora.

Dentre os meus inúmeros defeitos, está minha grande dificuldade de abandonar. Abandonar tudo que quero, tudo que sonho, tudo que sinto, tudo que sou, tudo/todas que amo, abandonar esse barco furado e a deriva, abandonar essas ilhas cercadas de corais, impossíveis de chegar, mas cuja paisagem e brisa e cheiro e mínimo aproximar impossibilitam, abandonar-me a angústia para poder dormir, abandonar a derrota pra poder seguir, abandonar os erros e o passado para poder ser aqui, mas os traumas pesam, as curas são demasiado leves e o vento desmancha, a cabeça grita, o sono tira sarro e tudo explode.

E novamente me sinto cometendo gestos que podem se tornar novas dores, novos pesares, novas âncoras.

Quis ir embora. Ir embora é como uma utopia. Um eufemismo para inúmeras possibilidades. Fuga. Reset. Qualquer outra coisa. Mas dificilmente consigo. Até ser expulsa. Quando já é tarde.

Talvez meu principal talento seja errar. Avaliando bem os últimos acontecimentos das décadas recentes, tenho tido resultados muito acima da média. Ou não, seja só uma impressão equivocada, outro erro.

Desistir. Morrer. Nem morrer eu sei. Nem desistir. Desisto, morro, mas ainda me sinto um respiro. Tento de novo, e me vejo ruborizada por algo ainda vivo. Me asfixio, desidrato em rios corpóreos afim de desconscientizar-me, mas ainda estou aqui.

A ponta da lança, jogando-me contra as pedras, despedaçando-me, perdendo-me em tanto que não me cabe, desesperando.

De ponta-cabeça, perdida.

Por quase toda minha vida experienciei o isolamento, o sentir-me sem ninguém para e com quem contar, confiar, em quem poder apoiar, cuidar e partilhar dignamente. Há uns anos pensei ter mudado esse caminho, estabelecido novas formas de relação, troca, apoio-mútuo. Sinto que o movimento se reverte, que nova onda de distanciamento se assoma, expande, empurrando tudo um pouco mais pra longe do já não tão próximo.

A montanha se aproxima, símbolo maior dessa solidão que me define (?) O lugar das mil cavernas, das caminhos labirínticos que não permite a ninguém desconhecida chegar, andando em voltas e forçosamente se perdendo e nunca chegando. O lugar das concentrações de forças para retornar e tomar o sonho de assalto. O lugar das pressões e calores estonteantes, dentro da qual o carbono se faz cristal, brilho, arte inestimável da natureza, e o coração se faz pedra, translúcida, valiosa, mas ainda assim vazia.

Não quero mais chegar em nada, desisti, me esforço para continuar desistindo. Auto-estima está mais para auto-estigma. Alma-diçoada, condenada a esse perambular tonta e tolamente. Trágica e tosca, torta e tolhida. Morro e só me resta morrer. Ainda que fingindo.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Como não?

Minha mãe me pergunta Por que sofres? E eu sinto Como não sofrer? Se tudo a nossa volta é dor e violência, tudo que nos cerca foi feito, pensado, planejado e imposto para garantir o Poder de algumas pessoas sobre outras, ensinar a essas a reproduzir suas regras e seus gostos, multiplicar em todas as dimensões da vida suas artimanhas e ganâncias, destruindo toda possibilidade de resistência, arrasando tudo por onde passa, todas as relações marcadas por relações de Poder, de uma construção ideológica de superioridade de um certo masculino sobre certo feminino, de uma certa cor de pele sobre as demais, de um modo de falar sobre os outros, um jeito de se vestir em detrimento de tantos, o lugar em que se deve morar em consequência daquele em que só se deve dormir para poder então servir e usar, a transformação da Vida em Coisa, em mercadoria, posse e instrumento de força, de controle, de compensação das baixezas e grotescos dos que se põe acima, sobre pedestais de ossos e destroços, e cercado por tudo, percebendo-me parte, amaldiçoada a reproduzir tantos males, tomando consciência das dores por mim causadas, nos tantos processos de destruição de si pelo qual passamos, com os quais convivemos, toda a hostilidade causada, as resistências e iras, de que lado estamos? quantos lados existem? Como fazer diferente, se nunca conhecemos algo diferente? Se tudo está de alguma forma contaminado pelos visgos asquerosos do Poder? Como se desfazer inteiramente de tudo isso, estabelecendo outros possíveis? Mas sempre perseguidas, ora pelos fantasmas do Poder que nos tomam em novos atos insensatos, desapercebidos, traiçoeiros, ora pelo Poder em si que não suporta nada que lhe desafie, nada que se queira livre dele, nada que viva sem ele, esse câncer, que se multiplica rápido, por cada subterrâneo, que eclode às vezes disfarçado, às vezes explícito, violentando tudo nas caras e nas carnes, desferindo golpes em cada molécula de nossa dignidade, nossos sonhos frágeis, nosso ar respirável, nossas estruturas físicas e psicológicas, envenenando tudo, milimetricamente, como viver assim? Para onde ir? Como fazer diferente? Como não repetir os erros? Se eles se transformam, revelando-se novos, tantos novos erros? Como confiar em si? Que capacidade temos para lidar com tudo? Cada história, cada luto, todo trauma e sentimento duro, como viver assim? Se a cada hora levamos novos murros, violentadas e despejadas nas valas coletivas, se a cada levante nos deparamos com chumbo, choques e choros, se diante de tanta Dor só encontramos Morte, como viver assim? Que fazer de si? Que relações construir? Como nos reunir e com quem? Podemos começar tudo, desta vez sem Poder? Podemos reconstruir o mundo? Tantos povos já viveram bem, sem se explorar, não podemos neles nos inspirar? Nos identificar? Com eles aprender, nos colocar lado a lado? Esvaziar-nos de toda educação vilã, essas programações cruéis, reiniciar do zero, nos fazendo pó, respirando outro ar, sem nenhum Poder, só nos realizar, juntas e por amor, criando e transformando, fazendo algo maior, indo um tanto além, abandonando, então, esse passado horrendo, revelando presentes finalmente livres... do poder, das opressões tantas, das vilanias, baixezas e covardias...

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Cante comigo


Amar e amar-te da forma mais plena possível, como também na busca constante da sintonia entre as seres, no equilíbrio dinâmico entre suas existências, sentimentos, possibilidades, traumas, limitações, dores e sabores. 

Amar e amar-se na compreensão de nossa infinitude, insignificância, plenitude, limitações, possibilidades mil de criar e ir além.

Amar e amar-te nos mínimos detalhes, da paciência, do ouvir, do desnudar-se das histórias pessoais, passados, presentes e futuros, do cuidar da pele, das necessidades, dos carinhos.

Amar e amar-se na calma serena de quem busca se compreender, realizar, seguir sempre em frente, perseverante, apesar das quedas, persistente, apesar dos cansaços, insistente, apesar das derrotas transitórias, empolgante, graças a beleza sem fim de tudo que é e está sendo.

Amar e amar-te, porque não pode ser de outra maneira. Toda conexão, ainda que incompreendida, ainda que diferente, ainda que reveladora de outros caminhos distintos dos imaginados, toda conexão é mágica, todo encontro é sagrado.

Rendición - Onda Vaga - para sambar

Solitude


A solidão é a condição ontológica da individualidade
Repito este mantra cada vez que me sinto só
Muitas vezes
Caminhando pela rua, ao lado de alguém, no ônibus, em casa, lavando roupa, lendo, tomando banho. Tento convencer-me de que sentir-me só não somente é algo natural, como não há outra condição possível. Não deveria ser estranho ou desagradável, pois é apenas uma circunstância comum a toda criatura que entende-se individual. A primeira consequência de ser uma individualidade é, justamente, por tal motivo, estar ou sentir-se separada de tudo. Se assim não estivesse, não seria uma individualidade. Nem algo bom ou ruim, apenas uma condição. Uma "manifestação do universo experimentando suas possibilidades", li certa vez. Não que estejamos de fato sós. Somos, afinal, uma manifestação do universo, de tudo, o Todo. Mas estamos testando esta condição, essa possibilidade, dentre várias. Em outros momentos da existência podemos já haver vivenciado outras condições possíveis. Como árvores, montanhas, ondas, mesmo animais que não se percebem indivíduas. Agora nosso desafio é esse. Não um sacrifício, um castigo, uma dor, mas uma aventura, talvez. Estar só. Uma centelha de compreensões infinitas, um laboratório de sensações, impressões, reflexões, descobertas de si. "A quietude da solidão revela-lhes seu Eu-desnudo", recita Khalil Gibran. Acontece que em nosso desespero e ânsia de fuga, de nos entorpecer, criamos uma cultura avessa à solidão, ou seja, que torna as pessoas alheias a si mesmas, levando-nos a fugir de nós mesmas nos braços, bocas, vidas de outras pessoas. Escapamos de nós por meio do orgasmo do encontro com outra ser. Será assim? Por que esta ânsia por estar junto, essa inquietação por estar só? Mas, por outro lado, podemos intuir também que o próprio universo criou a individualidade por sentir-se só. Precisou dividir-se em inúmeras partes, diferenciadas, que não se sabiam ou sentiam-se as mesmas, ou parte de uma totalidade, e que então buscavam-se umas nas outras, apoiando-se, complementando-se, produzindo um prazer juntas que jamais alcançariam sozinhas. Talvez eu não tivesse essa intuição ou sugestão se não houvesse eu mesma experimentado tal estado de estar e partilhar e sentir-se junta tanto e totalmente. Chego a sentirpensar, em certos momentos talvez delirantes, que a razão mesma de existirmos é a possibilidade de estabelecermos tais relações, o que em outros momentos me parece beirar uma absurda (im)possibilidade de encontros, de conexões, completamente ou intensamente inexplicáveis, tão deliciosos, tão belos, tão realizadores e tão raros, esse sentir-se feliz por estar com alguém, não alguém qualquer, não uma felicidade qualquer, mas algo mais, algo além, algo que nos parece extrapolar a nós mesmas, chegando na outra, que desmancha nossas fronteiras individuais, sentindo a outra em nós, conosco de uma forma sem tempo e sem espaço, explodindo nossos sentidos e emoções em algo que, exageradamente, poderia nos lembrar a colisão dos átomos, liberação de energia incalculável, produção de outros elementos, outras formas, outros sentidos.
Afinal, a solidão é uma condição inevitável, total da existência, ou uma circunstância temporária, como uma diferença de pressão que movimenta de um lado frio para um quente, de um sozinho, para um acompanhado, um desamparado para um acolhido? Como um vento do mar para a praia, da praia para o mar, nessa troca de calores, superfícies, substâncias, inspirações e transpirações. 
Se assim fosse ou for, por que a maior parte da experiência existencial se dá do lado da solidão, e não da conexão? Devido ao sistema de relações humanas vigente baseado na violência e exploração entre as pessoas? Realmente não é fácil se conectar num contexto como esse, tão cheio de mágoas, feridas, agressões, dores, traumas, que nos afastam, nos repelem, nos leva a mesmo machucar-nos umas as outras... 

Que fazer? Seguir só, fazendo-se sol, seguir noite, partilhando nós...

Some Time Alone, Alone - Melody's Echo Chamber

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Rendição dos Arrefices




I
Um marco, uma bandeira representando um novo ciclo. Aquele portal que nos guia entre os antes e os depois. Aquele lugar-história que está presente em nossa memória do viver e que se tornou ritual de celebração, exaustão, abandono, encontro e despedida. Quarta dimensão, quarta vez lançando no ar esta experiência, lançando no ser esta história pessoal.

II
Fui só, fui acompanhado, comigo, mas partilhado, dançando e se entreolhando, perdendo, mas encontrando. Outra forma de presença, outra forma de contato. Tão perto, em parte. Até certo ponto, faz parte. Manifestação do universo experimentando-se em nós, tensionando suas limitações, expandindo suas emoções, querendo e se rendendo.

III
Um caminho mais longo, passando pelo futuro, subindo serras, ladeado por verdes e recém fraternos, estabelecendo planos, plantando estradas e possibilidades. Leituras, canções juntas, danças velozes, sonos e sonhos vagos, distâncias e linhas, proximidades que tardam, saudades e próximos passos.

IV
Chegar, chegar, no correr da correnteza, caronando os fluxos, ligeiro, que já começou, se localizando e se guiando, pra onde vamos, amor? Qual canção nos chama agora? A música enfim se faz, envolve a carne, penetra profunda, faz da gente uma onda, reverberando nas quebras circulares dos sons, afins nesse seguir, linda companhia, lindo dançar de olhos e mãos, amo estar, te admirar, gostosa partilha dos acasos bons...

V
Mar. Jornada longa. Apenas três horas de sono. Suficientes. Acordar desperto naquele apartamento estrategicamente localizado, cercado de pessoas queridas de longa data, rumo ao destino mais bonito, o mar infinito, repleto de perigos e salgados sentidos. Sem música, sol intenso, chuva estranha, bairro lunar, sem esperas urbanas, boas conversas, risos fáceis, introspecção, com meus botões, minhas emoções, seguindo o vai-e-vem do ser...

VI
Eu não menti naquela noite. 
Mas também não era verdade.
Eu estava tentando entender, processar, digerir tudo aquilo. Foram dois dias de excesso de convívio. Um contato demasiado para quem tem tanto preso na garganta e nos nervos. Fui exposta a possibilidades que beiravam os limites de até onde eu podia ir, onde eu gostaria de ir e onde jamais chegaria. Poder acarinhar-te a pele, abraçar-te, acolher-te, cuidar-te de alguma forma, segurar tua mão, estar o dia inteiro contigo, dormir perto, fazer-te rir e te ouvir e você a me ouvir e estar lado a lado tanto. 
Queria e quero e quis tudo isso. Mas queria e quero e quis muito mais. Que isso não fosse um borrão ligeiro no tempo, mas uma pincelada forte de um quadro maior, mais bonito, mais detalhado, demorado. Que isso significasse mais, que aqueles olhos encontrados tivessem mensagens bonitas de bem-querer, que a dança partilhada demonstrasse desejos brotados da pele e de sentimentos ternos e fortes, que os gestos divididos fossem encontro mais além do que uma ocasionalidade.
Mas em todos esses instantes continuou translúcido de que não, nada disso era possível, que você continuava lá, do outro lado da linha que separa amor de simpatia, ternura de gentileza, cumplicidade e companheirismo de amizade e afinidade aleatória sem grandes vontades e direções.
Sentada em posições de meditação, de resiliência diante das ondas suaves, mas traiçoeiras, que pendularmente me desequilibravam, movendo as areias sobre mim, enterrando-me numa cova rasa, meditando de olhos fechados numa penumbra esverdeada pelo sol brilhante que transpassava minhas pálpebras, ciente de que você estava logo ali, brincando com as ondas, arrebatadoramente bela, decorada com gotas salgadas e refrescantes em todos os lugares da pele em que eu gostaria de me aquietar ou selvageriar, ali, naquele lugar, sentindo-me infinitamente só, veio-me esta suposta interpretação do que eu poderia estar sentindo, que só depois pude perceber não ser de fato o que eu estava sentindo. Ad-miração, supus. Só me restava te admirar. Te olhar, da distância desse abismo de sentimentos desencontrados. Encantar-me com cada gesto teu do longe desta plateia em que me refugio. Colecionar em meus porta-retratos interiores cada jeito teu de olhar, dançar, mover-se, rir, falar, ouvir, dormir, observar, respirar, existir. A atração tão inevitável que ora eu sentia só podia ser bloqueada e meu inconsciente talvez inventou essa história de admiração para encontrar alguma alternativa aparentemente possível, viável, realizável, que não me levasse para longe de ti. 
Mas no instante seguinte em que te contei tal historieta que na hora eu supunha real, virei para a janela do ônibus, salpicada de fracas luzes amareladas, e chorei. Acho que o absurdo daquilo tudo saltou do meu estômago direto para meus lagos tristes, lançando ondas por sobre meus olhos, fazendo-me sentir absolutamente estúpido, irrelevante, insignificante, vazio, inútil, com frio e só... inteiramente só... 

VII
Esses dois dias... Essa cidade... Esse festival... Essa companhia...
 

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Enterre meu coração na curva do mar


Balança. Os pelos eriçados buscam manter as lembranças adormecidas. Encosta na parede, empurra, deixa-se flutuar. Recorta o vento com os dedos malqueridos diante dos olhos. O lamento agudo do frio vento desconhece destino. Corpo suspenso, adentra no transe triste de si sendo, desamparada, calada por dentro, inexpressiva, olhos vagos, míopes de sentimento, pele macia, inútil de afagos. Da varanda observa as sombras azuis na distância, luzes fingidas que nos chegam, já mortas, enterradas na retina. Levanta-se, caminha escura até a cozinha, aquece água para molhar a boca seca com murmúrios de folhas negras. Despede-se do sono que mentiu que vinha. Perdeu a vontade de sentir-se sozinha. Ouve o cansaço das ondas, beira-dor. Desce a escadinha que pisa na areia. Despe seus dedos dos pés até o limite dos calos, deixando o passado entrar por entre as unhas. A cada passo, um gole quente para suportar o espaço. A cada gosto, um pouco de si fica gasto. Para. Encolhe. Ajoelha. Deita. Escorre por entre os olhos algumas estrelas sedentas. Nada ouve, nada há para ouvir - o mar aquietou-se, o vento foi-se, o coração emudeceu. As mãos, esticadas ao longe, descobrem companhia nas pedras. Afunda, fundamentando-se na dor que lhe ancora a sina. Dor pesada de aislamento, olvida, deriva, lenta. Sente adentrando oceano,  mais líquido corpo a lhe envolver em anos. Percebe o vazio naufragado no peito, caindo profundo no abismo Atlântico. Desce ao fundo do fôlego, enterrando seus danos neste último plano.

Ao rumor de Dança I - Danças Ocultas