sexta-feira, 19 de março de 2010

Quero viver de brisa e beijo - ser imaterial

Uma vez sua mãe lhe disse, lamentando:
- Acho que não soube te ensinar a dar valor às coisas.
Ele respondeu:
- Acho então que eu tive uma boa educação, pois prefiro dar valor às pessoas.
Ela dizia isso porque ele muitas vezes demonstrava um considerável descaso com suas posses, não sentindo grandes aflições diante do natural (ou provocado) desgaste da matéria nem empregando excessivos esforços para preservar a plena aparência, a forma externa socialmente aceita como "bom-estado". Se a mochila estava se desfazendo em fiapos, rasgando-se, abrindo buracos, tanto mais ele gostava dela! É sinal de que passaram por muitas coisas boas (Qual o motivo da surpresa?!); se havia uma manchinha ou outra na camiseta, era sinal de que ninguém tinha camiseta igual! (Não olhe com esta cara de espanto!) Livro velho, com cheiro de décadas, todo rabiscado, grifado, anotado, era o que havia de mais precioso e interessante! E pessoas tristes e filosóficas, angustiadas, indignadas, revoltadas, exaltadas, essas sim o atraiam... "Suspeito que não devemos precisar de muito mais que isso [frutos silvestres e liberdade]"... um dia queria se ver regido por este mantra de simplicidade e pureza... A verdade não usa roupas elegantes e rebuscadas, é simples e profunda... as aparências são superfícies ocas e insípidas... Acontece que ele era (ou buscava ser!) senhor de Si! sI! SI! S-I-M-E-S-M-O. Era, então, senhor sobre as coisas... e não servo delas... seu serviço devia se dar em nome da vida e dos vivos... ou das mais sublimes representações da vida, a arte (e obras de arte, sejam livros, telas, músicas, peças), a beleza... o que transbordasse vida... Vida. E a questão toda não é a atenção em si dada às coisas, mas a constante e crescente atenção que elas demandam! Antigamente (muito antigamente) se comprava um sapato e pronto! Só se precisava pensar em sapatos novamente quando se tivesse um filho e fosse preciso um outro sapato... Ah, e as roupas, eram poucas e suficientes... Os móveis serviam à gerações (ao invés de cada pessoa servir à gerações de móveis!)... até os primeiros equipamentos eletroeletrônicos era feitos, como tudo o mais, para durar! As pessoas compravam as coisas porque elas eram duráveis e resistentes... e não porque tinham mil e uma utilidades inúteis ou desenho moderno rapidamente obsoleto... Hoje não, hoje não temos nenhuma sabedoria e a evolução da humanidade é cada vez mais burra... Tanto de nosso tempo precisa ser dedicado à coisas que, ao invés de nos ajudarem, atrapalham... O computador dá uma puta dor de cabeça, pois sempre temos a sensação de que o nosso é lento e ultrapassado em comparação com o da loja; o celular nos dá uma maldita sensação de antiquados, quando não constantemente trocado pelo "modelo mais tosco, digo, novo), o sapato nos faz passar vergonha quando a sola descola depois de só um ano ou o salto quebra com seis meses de uso raro e... e a camiseta já foi comprada se desfiando e nem percebemos. Se trocou a quantidade pela qualidade... tenho mil pares de sapato, para poder usar bem pouquinho cada um (ou mesmo nunca), já que eles são tão imprestáveis que um uso constante os destruiria... Quero mil bolsas e jóias novas porque as jóis deixam meu rosto bonito e não o meu rosto que deixa as jóias bonitas. - e isso estou falando tentando pensar tanto como homem quanto como mulher. Por isso que prefiro as obras de arte. Ninguém diz - Amor, acho que esse quadro de Picasso já está velho, vamos trocar por uma versão sem fio? Ou então pensar que assim que você tirar sua escultura finamente entalhada em madeira envelhecida da Concessionária, digo, Galeria, ela já vai estar desvalorizada e você não conseguirá revendê-la nem pela metade do preço; ou pior, dizer - Pel´amor-de-Deus, o que este original de Machado de Assis está fazendo na minha estante? Eu quero uma edição com a capa da mini-série Capitu - Claro que não, né?! A Arte é imortal, pois eleva os seres humanos ao nível de semi-deuses, na medida em que buscam o melhor e o pior de si mesmos para uma contemplação crítica e transcendental... Ela não se torna obsoleta, ela não se troca, evolui, descobre outras e outras expressões, mas nunca perde seu valor... E assim também são as pessoas, de valor inestimável e inalienável, ninguém pode tirar ou roubar o valor de alguém... Por isso prefiro valorizar as pessoas! E que as coisas que aprendam a não me incomodarem.

2 comentários:

Samis disse...

texto lindo... mas cadê a foto?

Unknown disse...

"E pessoas tristes e filosóficas, angustiadas, indignadas, revoltadas, exaltadas, essas sim o atraiam..."

Uhum...