Olá, eu; olá você. Se te falo, na verdade converso comigo, pois gosto de ouvir a repetição de meus pensamentos... Não gosto de chamar de vaidade... prefiro nomear expressão. Evito a inevitável frustração da minha incapacidade verbal de traduzir satisfatoriamente o que penso. Ignorando esta sabedoria que pouparia o mundo de todas as orações, ou quase todas, faço como tu e converso. Raras são as vezes, de contar nos dedos, em que realmente me senti satisfeito com uma conversa, tive a sensação de ter transmitido qualquer pensamento de modo aproximado da semente que nasceu na minha cabeça e deixou escaparem raízes pela boca. No geral, são trocadas palavras vazias, atropeladas e entrecortadas, cada um interrompendo o outro com seus não-entendimentos e meias-explicações, findando-se o curto tempo de diálogo (ou duplos e simultâneos monólogos) sem nem a sombra de algum aprofundamento... é como transplantar as mudinhas da sementeira para a terra antes que tenham ao menos cinco ou seis folhas e já estejam mais fortalecidas. Inevitavelmente morrem. Assim são as palavras, nascem destinadas à coisa nenhuma além de nos aprazer de nossos belos pensamentos mal falados. E quando digo mal falado, não estou afirmando não haverem no mundo ou mesmo no meu círculo social excelentes oradores, capazes de se expressarem com graça e objetividade. Certamente que conheço vários... Mas que adianta? De que serve um belo discurso diante da memória de peixe dourado que todos temos e, pior, face a muralha da China de nossos próprios padrões de pensamento e atitudes? O outro fala e eu automaticamente faço uma releitura da sua fala "traduzindo-o" para minha forma de pensar. Ou então vou podando suas palavras, "corrigindo-o" mentalmente ou censurando as partes discordantes ou incompreendidas. Antevejo suas palavras seguintes, reprovando-as ou aceitando-as prontamente. Não há tempo... nunca há tempo para que a conversa realmente se torne algo... As pessoas não conversam por semanas seguidas, examinando os infinitos pormenores dos assuntos... Todos nós apenas brincamos de conversar... nunca realmente conversamos... E o que é este "algo" a que eu almejo que ela se torne? A certeza de uma mudança provocada por mim? Quero dizer (expressão que indica que tudo dito anteriormente foi dito sem querer ou que simplesmente ainda não tinha decidido o que pretendia contar?) que não importa o que digamos ou ouçamos, não há lições úteis ou conselhos proveitosos a serem recebidos ou doados... Que você não irá mudar a maneira como você vê o mundo amanhã por causa de algo que eu disse nem irá recusar algo de que você gosta porque eu mostrei o quão ruim isto pode ser para os pequenos agricultores ou para os pulmões de todo o planeta (ou ao menos os seus). Você irá colocar de lado todas essas palavras vãs e deixará que elas se dissipem no esquecimento como as cinzas dos mortos jogadas no vento. Os quebra-cabeças uma vez montados, dificilmente são desfeitos. Quando eu digo você, entenda que estou diante do espelho olhando para mim e apontando-me o dedo. Então não se sinta incluído nesta conversa. Te orgulhas dos teus padrões que ilusoriamente chama-os de teus. Os padrões nunca são feitos por ti. Aceite o fato de sua insignificância. És apenas uma roda dentada em milhões de engrenagens sem importância para uma máquina que alimenta-se unicamente da sua vida e não do teu bem-estar. Mas sabe-se bem que para que tu dês a vida sem resistir, é preciso alimentar tua vaidade, para que olhes para o manequim onde puseram teu nome e permaneças cego para tudo o que está em jogo... cego até mesmo para o que tu és. Como aprendemos a ser vaidosos? Pois atrás de tudo que fazemos, certamente há vaidade... seja tuas roupas, tuas escolhas, tuas palavras, tuas ações... esperas que as pessoas te vejam como queres que elas vejam, que elas percebam quem você "realmente" é... Se não fossemos vaidosos, todas as tentativas de distinções seriam desnecessárias... por que estampar um poema na camiseta ou calçar o tênis da propaganda ou ouvir a música padrão ou a dita não-padrão, para dizer-se de um jeito ou de outro? Por que dizer-se de um jeito ou de outro? Por que dizer qualquer coisa, senão para mostrar aos outros o que você acha que é, quem você se acha que é? Colocar uma posição tua que não significará nada para ninguém... Não, ninguém sabe quem você é... e, afogue-se na solidão de também não saberes quem é ninguém... Mergulhe até o fundo... e reze para chegar no outro lado do mundo... Talvez descubra o inverso da solidão... Qual é? Companhia?... Mas, voltando à ineficácia das palavras... Não estás entendendo nada do que eu disse... É certo de que estás entendendo algo, mas não o que eu disse... Por que o que eu disse não foi entendido nem por mim... Pois o pensamento dessas palavras aconteceu há dias, em um ônibus, no meu banheiro, sentado olhando para um professor duvidoso... E só agora pude tentar resgatar algo... Veja só como já começou errado. Mas, qual seria o começo correto? De todo modo, nesse momento posso repensar e, provavelmente pensar pela primeira vez... Não estou afirmando que não mudamos... Sim, mudamos constantemente. A maioria das mudanças nem são percebidas até nos pegarem de surpresa em um ato que contrasta com a nossa lembrança do que faríamos antigamente. Mas não foi por que alguém lhe deu um sermão ou contou uma história trágica. Foi puramente por que você quis. Ou por que você não quis... (provavelmente de forma inconsciente). De um jeito ou de outro, você foi o responsável, pela ação ou pela ausência... E essas mudanças estão intimamente relacionadas com os outros... Somos tão influenciáveis pelos outros que se soubéssemos, nossa vaidade não sobreviveria e todo o individualismo necessário para movimentar a economia do consumo teria sérios revezes... Na imensa maioria das vezes não são as palavras, mas os exemplos que nos fazem mudar, pela imitação deste ou daquele exemplo ou pela repulsa de algum antiexemplo. Que adianta eu dizer que amanhã será um bom dia? Não significa nada além de uma resposta automática à uma situação de tristeza alheia... Tanto melhor é estar do teu lado amanhã e ser o bom dia. É tão fácil dar conselhos que nós mesmos não somos capazes de seguir. Seja o seu conselho e quem sabe alguém te imite. Vê só a vaidade de querer ser imitado? É inútil eu dizer isso... De todo modo, é algo interessante de se examinar... meramente para passar o tempo... até irmos deixando de falar aleatoriamente e procurando formas mais coerentes de dizer algo. Talvez dizer algo através de uma música... ou então em um livro seja mais verdadeiramente comunicativo... Pois a conversa com a música e o texto (ou através de) pode ser mais demorada e profunda... (ao menos tem esse potencial)... ou não. Esqueça as palavras... Tente olhar nos olhos e usar os outros sentidos para conversar... Ou então respirar o mesmo ar e imaginar sentir o que o outro sente... Encontre a tua vaidade e converse com ela... descubra o que ela quer de ti... A quem ela serve, mesmo que seja a ela mesma, a ti mesmo e assim sucessivamente... E se pergunte - O que seríamos se não houvesse vaidade ou orgulho, se não impuséssemos um "eu" perante o "você" para nos protegermos ou nos vangloriarmos, se nada nos separasse de nada... (Você provavelmente não chegará a imaginar... ) Mas não tem problema, eu não estou falando com você.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
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3 comentários:
ok, não vou ler
No mínimo curioso adentrar numa conversa tua contigo mesmo... e numa conversa profunda e fantástica, diga-se de passagem.
Não era pra ler mesmo...? Ops. :)
só pra enriquecer sua vaidade,
acho que foi seu melhor ntexto até então
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