terça-feira, 27 de maio de 2014

Psicologia pra quê?


Psicologia - estudo da psiquê, alma, mente. Ciência que busca compreender o comportamento e processos mentais/psicológicos humanos. E a partir desta compreensão, atuar e colaborar com a transformação e bem-estar das pessoas. Pelo menos determinadas perspectivas da psicologia tem esse objetivo. Estou errado? 

Se não estiver, continuemos. Diante disto, o que significa buscar o bem-estar das pessoas? Que elas possam se entender melhor, seus processos interiores e exteriores, conscientes e inconscientes, de modo a transformá-los e alcançar um estado de espírito, de ser, de presença no mundo mais saudável, realizada e realizadora? Se sim, como entender esses processos sem compreender o contexto político, histórico, social, econômico, cultural, religioso, familiar, étnico, de gênero e ecológico em que a pessoa está inserida? E este contexto não faria parte também da causa dos problemas/questões, dos processos ruins e danosos por que passam? E fazendo parte, não seria preciso, para superar o problema do indivíduo, transformá-lo e transformar este contexto que produz essas doenças, danos, mal-estar?

Contudo, hoje me deparei com uma Psicologia/Psicanálise que propunha a simples adaptação, a aceitação das coisas como elas são, o uso de subterfúgios como o segredo e a mentira para burlar os absurdos deste contexto em que vivemos, sendo conivente com ele, confirmando-o. Por uma psicologia que transforme, que emancipe, que liberte, ao invés de alienar, conformar e aceitar as coisas como elas são.

Carta de Princípios de mim


Princípios são ideias assumidas, concepções de ser humano, de sociedade, de vida, que regem a compreensão, o ser e estar no mundo, as relações, os objetivos, os caminhos, sonhos e utopias. Consequentemente, apesar de não serem eternos e imutáveis, são significativamente sólidos e fortes. Neste momento, eles são para mim inegociáveis, irredutíveis, indispensáveis. Sendo assim, tento agora expressar os meus:

I

Dignidade Humana - Ou a garantia e exercício das qualidades ontológicas do ser humano, daquilo que faz do ser humano realmente humano. Ou seja, a criatividade, a liberdade, o potencial transformador, a estética, o prazer, a alegria, a cooperação, a diversidade, a imprevisibilidade, o sonho, a utopia, o afeto, o amor.

II

Autonomia e soberania dos sujeitos - Isso significa que eu entendo e vivo na perspectiva que cada pessoa é dona de si mesma, única e exclusivamente, sendo responsável por sua vida, decisões, posturas, emoções, objetivos, ações. Ninguém tem nem deve ter poder sobre ninguém nem pode/deve mandar ou obedecer ninguém. Cada um gere a própria vida, conforme as próprias ideias, rumo aos próprios objetivos, individuais e coletivos.

III

Antiautoritarismo - Decorrente da assunção da autonomia e soberania dos sujeitos, recusa-se integralmente toda e qualquer forma de autoridade, entendida como figura de poder e superioridade, seja uma pessoa, uma instituição, ou o Estado. Ninguém pode nem deve impor nada a ninguém, e se tentar, a única coisa que se pode fazer é resistir, não aceitar e impedir qualquer imposição.

IV

Liberdade das Relações - Entendendo e reconhecendo a todxs como sujeitos autônomos e negando qualquer forma de autoritarismo (poder de um sobre o outro), entende-se e pratica-se relações sociais, afetivas, sexuais, profissionais, espirituais, energéticas e de qualquer outro tipo a partir do princípio da liberdade. Cada um é livre e responsável por fazer o que quiser, levando em consideração o respeito e bem-estar dx outrx, valorizando-x e dignificando-x. Todas as relações precisam estabelecer-se pela livre associação de cada um.

V

Tudo está em movimento/ é impermanente - Compreendo que a Vida constitui-se pelo movimento. Tudo está em constante transformação, criando-se, destruindo-se, recriando-se. Nada se repete. Sentir e viver o movimento é a própria maneira de viver. Cada ser tem seu próprio movimento, conectado e em relação ao movimento da Vida. Resistir ao movimento, apegando-se às coisas, situações, pessoas, é uma ilusão, posto que é impossível impedir o movimento, resultando unicamente em frustração e sofrimento.

VI

Tudo é parte do Todo, tudo está conectado
- Existe a Vida. Tudo é a Vida, pois tudo está em movimento. Sendo assim, nada está separado, mas tudo compõe essa totalidade que é a Vida, transformando-se constantemente, em relação a tudo e com tudo. A sensação de separação é uma ilusão decorrente de nosso apego ao impermanente. Incapazes de segurar o impermanente, sentimo-nos separados do Todo. Na medida que seguimos o movimento, percebemos nosso pertencimento, nossa essencialidade, nossa integralidade no Todo, na Vida. E se tudo está conectado e não estamos isolados, é uma ilusão pensar o indivíduo isoladamente, como se ele não estivesse conectado e em relação com tudo. Sendo assim, viver e agir coletivamente e colaborativamente é uma manifestação desta conexão.

domingo, 25 de maio de 2014

Contracorrente

- Joaquim, Centro de Valorização da Vontade, posso ajudar?
- Oi, é Caio. Tá tudo uma merda, não aguento mais isso, porra... não aguento mais... (choro)
- Conte-me, Caio. 
- Ah, cara, caralho, que vida é essa?! Que mundo de merda é esse?! A gente tem que se escravizar, se vender, ser fudido todo dia pra pagar a miséria da vida, o mínimo, sobreviver?! Cara, não nasci pra isso... A gente vê todo dia os cara da política fuder a gente, andar de carrão, morar em mansão, desviar dinheiro pra carai fazendo um monte de merda, porra! E os play tudo de roupa importada, de carro chique, meu chefe ontem tava com um relógio de ouro! E eu não consigo juntar uma graninha pra comprar uma geladeira nova pra minha velha, nem nada pra mim...
- E o que você tenta fazer em relação a isso?
- Ah, cara, sei lá! Eu trabalho pra caralho o dia todo, tentei esquecer essa merda toda, ver tevê, tomar cerveja, fumar, já tentei mudar essa bosta, conversar com o povo, tem uma galera lá no bairro que tenta organizar a comunidade, a gente puxa umas reuniões, mudar essa vida, já tentei um emprego melhor, já estudei pra carai, e é a mesma merda, tudo dando errado, cara, cansei!
- E o que você pretende fazer agora?
- Cara, se eu to ligando pra essa merda, é óbvio que eu quero me matar, né?!
- Desculpe, Caio, mas eu precisava confirmar. Nós não devemos induzir, inferir nem deduzir nada, precisamos ter certeza, para poder ajudá-lo a alcançar a sua vontade.
- Mas, caralho, como é difícil! Fico pensando na minha mãe, no que ela vai sentir, vai ficar arrasada, e nas pessoas, vão ficar chocadas, sem entender porque eu me matei... elas são é idiotas, deviam se matar também... E eu fico naquela - e depois? O que vem depois? O que eu faço? Será que é isso mesmo? Será que eu não deveria tentar de novo? Mas eu não quero, cara, já deu, estou exausto, e não adianta dormir, passo o fim de semana inteiro dormindo, sem vontade de fazer mais nada, nem deveria ir trabalhar na segunda, aquele calabouço, mas me obrigo a ir, ou me obrigam, não sei... 
- Entendo, Caio, entendo. Mas você precisa pensar antes de tudo em você. Sua mãe também não fica feliz ou ficaria feliz sabendo que você está muito mal vivendo, que você sofre, que você sente a violência desta sociedade diariamente e já não aguenta mais essa dor. Você não pode se forçar a viver uma vida que você considera uma merda só para outra pessoa ficar feliz, tornando você infeliz. Se ela realmente te ama, quer que você faça o que quiser fazer...E outra coisa, o que vem depois? Infinitas possibilidades, quem sabe? Outra vida, outro mundo, ou nada... que diferença faz? Se aqui está uma merda e você não quer mais, uma possibilidade é descobrir o que vem depois...
- É? Não, poh, ela vai sofrer, é uma merda, as pessoas sentem saudades... eu sinto esse peso... e eu tenho medo... medo...
- Sim, Caio. Não é uma decisão fácil. Exige muita coragem, muita vontade, muito amadurecimento para você ter certeza de que é isso que você quer. É isso que você quer?
- Acho que é... é sim... 
- Então, como posso lhe ajudar?
- Como eu faço?
- Existem muitas maneiras. Fáceis, difíceis, indolores, rápidas, doloridas, lentas, criativas, óbvias, divertidas, chatas, você escolhe.
- Hm... Acho que o básico, né, rápido, fácil e indolor...
- Bem, o mais fácil é pegar um montão de remédios pra dormir, quanto mais fortes melhor, e tomar. De preferência em um dia e horário em que seja normal as pessoas mais próximas ficarem um longo período sem te ver ou falar com você, para evitar que elas desconfiem, descubram e atrapalhem. Pular de uma ponte é um pouco mais emocionante, mas é mais garantido, se você não tiver medo de altura. E, acredito, é rápido demais para ter dor. Só dói quando você sobrevive, então, pule de cabeça. 
- Caralho, podes crer... acho que não tenho coragem pra isso não, mas deve ser foda, né, o vento no rosto, a sensação de voar...
- Deve! Eu super curto...
- Massa, Joaquim. Estou me sentindo muito melhor, cara. Tu me ajudou muito... Espero conseguir.
- Você vai conseguir, Caio, estamos aqui para te dar esse apoio... Coragem! Faz o que tu acredita, o que você quer, esquece o medo e vai... 
- Valeu, cara... adeus...
- Adeus!

sábado, 24 de maio de 2014

Na III


Teus olhos olham pra mim demoradamente
Aos poucos me torno íntimo de todos os detalhes da tua pele,
das tuas formas.
Aos poucos vão-se as roupas, encontram-se as calmas
Conversas infinitas de beijos se travam pelas horas
Temos a noite inteira para nós
E a noite inteira será nossa
de nós, sobre nós...
Beijando tua nuca, desperto
Descubro
novas maneiras
de encontros
Apertando tuas pernas
Alçando-lhe sobre mim
Envolvendo-lhe toda
Quero perder-me
Na tua pele andina
E encontar-me
neste amor, menina...

25/05/14, 01:46

Na II


Teus olhos me contam o mistério do silêncio
Teu silêncio me canta a ternura da presença
Tua presença me conforta na alegria do carinho
Teu carinho preenche a loucura do meu desejo
Teu desejo atiça o infinito do prazer
Teu prazer enfeitiça os sentidos do meu corpo
Teu corpo arde até a raiz do meu ser
Teu ser emana tanto amor e bem querer
Bem querer que te tenho...

18 do 05 de 2014
02:07

Na I

Tu me presenteias
com o Nada
exuberante
e delicado
do não-pensar
O Nada
puro e despretensioso 
Calmo e alegre
Na ponta dos olhos
sem pressa
sem medida
Duas ou três vezes ao dia
se der...

Tu me presenteias
com tu mesma
tão cem jeitos de ser
jeitinhos bobos
arrastados de preguiça
ou sensuais disfarçados
de meiguice...
Teu movimento certo
Teu estar certo
Que me acerta... 

15 de maio/2014
 

último


Foram encontros coincidentes e mágicos [compartilhar a mesma loucura pel´O Piano, a mesma lembrança/sensação safada pelo beijo entre os dedos], sugestões insustentáveis, filmes difíceis de lembrar, ideias, risos e histórias demais, alvoroço de pernas e roupas jogadas pra lá... Como uma chuva de verão, veio e foi como num piscar... como quando acabamos de sair e somos surpreendidos pela queda d´água poderosa que nos encharca do corpo à alma... e quando acabamos de chegar, dispersou-se o cinza, fez-se sol, evaporou-se tudo, nem resquício (só lembrança) daquelas gotas gostosas nas calçadas e folhas, na ponta dos cabelos e dos cílios...

Last Song For B - Devendra Banhart - dançando nos caminhos de sampas...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Oscilante...

"
- Cada pessoa precisa encontrar toda a capacidade de amar dentro de si mesma, sozinha; 
- Quem não tem o controle de todo o seu potencial de amor, quando encontra alguém apenas parasita o amor do outro;
- E isso não é amor...
- Não, é o contrário do amor.
- Assim, um parasita o amor do outro, para completar o amor que está lhe faltando para viver.
- Cada pessoa precisa encontrar toda a capacidade de viver em si mesma;
- Então, a vida está toda dentro de nós mesmos, sozinhos;
- Quem não tem o controle de todo o seu potencial de viver, quanto encontra alguém, parasita a vida do outro.
- E isso não é vida...
- Não, é o contrário da vida.
- Assim, um parasita a vida do outro, para completar a vida que está lhe faltando para morrer...
- Cada um precisa encontrar toda a capacidade de morrer dentro de si mesma, sozinha...
- Então, a morte está toda dentro de nós mesmos...
- Quem não tem o controle de todo o seu potencial de morrer, quando encontra alguém, parasita a morte do outro.
- E isso não é morte...
- Não, é o contrário da morte. E o contrário da morte não é vida.
"
Roberto Freire, no livro Coiote, página 107 e 108.

Amar, viver e morrer. Sozinho. Com o outro. Antes e depois. Durante. Agora. Comigo. Contigo. Sinto. Bipolarizando-me, balançando entre possibilidades, entre caminhos, entre limites, impossível para mim extremar-me, nem tanto à solidão, nem tanto à companhia. Em um conflito um tanto estranho, quero-me mais só, e ainda mais junto... Furtam-me as forças para chegar perto, mas não consigo isolar-me, chamo, vou em direção a, chego... Essa conformação ou confirmação ou compreensão mais cotidiana desse fenômeno louco dito autonomia faz-me sentir tão bem só... o que quero do outro? Como quero? Por que quero? Em dúvidas, oscilante, confuso, perdido, à deriva...

Imagem: Chico Ludermir

Manifesto de mim

Autonomia ou morte. Transformação ou morte. Amor e Beleza ou morte. Sentido e Cuidado ou morte. Movimento ou morte. Todas essas palavras, esses conflitos, essa angústia, esse limite extremo - da morte - expressam minha compreensão do mundo, inevitável, irredutível, inalienável. Assumindo-me como ser humano, como sujeito, como próprio, como parte, compreendo-me e compreendo o ser humano como alguém que É criador (de si, do mundo, de tudo que lhe cerca, envolve e transpassa), É transformador (de si, do mundo, de tudo que lhe cerca, envolve e transpassa) e Pode Ser Mais, ou seja, inacabado, infinito, interminavelmente seguindo adiante, buscando, descobrindo, criando e transformando. Sendo criador e transformador, entendendo que sempre pode ser mais, não pode viver para o outro, sem viver para si, dominado pelo outro, logo a autonomia se torna inevitável. Em permanente relação com todos os demais seres que participam da criação e transformação, não pode conviver sem amor ou beleza (que talvez eu entenda como sinônimos), pois que se cria e transforma para o amoroso e o belo (ainda que às vezes se use a linguagem do feio para transgredir e mostrar o belo), sendo amoroso e belo, faz sentido, tem sentidos, criadores e transformadores, e cuida de tudo com que e quem convive. E inacabado, permanentemente transformando e criando, nunca pára, nunca termina, está sempre em movimento. E ciente deste movimento em si, está ciente dele também em tudo, e sendo assim, entende o apego e a busca por manter as coisas como são como ilusões e formas de frustração e sofrimento.

Tudo isso é o que eu entendo por viver. Sem algo disso, para mim é o mesmo que não-viver, e não viver é o mesmo que a morte. A morte nada mais é do que a última forma de resistência. Ela não é um fim, não é um acabado. É a superação última da dominação, que não pode dominar o morto, e muito menos o vivo, que prefere estar morto do que ser dominado.

Sendo assim, busco realizar essa compreensão da vida e do mundo em tudo, individualmente e coletivamente, com todos, de forma a reconhecer e valorizar a autonomia e movimento de todo e cada um, nunca impondo-lhes a compreensão, mas criticizando e problematizando a vida e o mundo de modo que cada um e todos superemos as dominações que nos matam em vida. Há muitos que preferem sub-viver ou não-viver à morrer. Há muitos que se submetem, não tem autonomia, foram educados a não-transformar, vivem sob o ódio e a feiura, em existências sem-sentido e sem-cuidado. E ainda assim preferem continuar não-vivos à morrer, o que me é insuportavelmente paradoxal e incoerente. Convivendo com estes, procuro compartilhar com eles a vida e o movimento, a possibilidade de Criar, Transformar e Ser Mais, individualmente e coletivamente, em si e em todos, simultaneamente, já que o um não existe sem todos e todos nada é sem o um.

Contudo, também de forma contraditória, parece um caminho solitário, pois cada um trilha rumos diferentes, objetivos diferentes, compreensões diferentes da vida e do mundo. Ainda não encontro mais seres que compartilhem desta visão, desta ação, desta assunção radical de humanidade e existência e que possam construir juntos esses caminhos e movimentos. Às vezes a desolação da solidão envolve e desampara, faz os esforços parecem inúteis e infrutíferos, às vezes a esperança e a teimosia renovam os ânimos e mostram que ou movimento-me ou morro... Como ainda tenho forças para movimentar-me, não está em tempo de morrer. E a morte nada mais seria do que uma superação desta desolação que paralisa, que impede, que soterra. Quando nascemos, temos forças novas.

De fato, morremos. Nascemos e morremos constantemente no fluxo de uma existência. Desistimos e reacreditamos, mudamos, renovamos, seguimos caminhos diferentes, imaginando que cada um deles será mais alegre e transformador, criando novas realidades, vivências e relações. Enquanto morrer, irei nascer. E sempre que nascer, começarei de novo.

Imagem: Chico Ludermir

terça-feira, 6 de maio de 2014

Receitas



O mestre cuca receitou ´dorme o quanto baste. 
A médica respingou ´litros e litros de chá, por favor.
X psicanalistx balançou ´banho de mar na alma.
O amor declarou ´volta pro aconchego.
A tristeza alertou ´voa calmo, passarinho.
A poesia palpitou ´cresce feito balão.
A terra sorriu ´das tuas mortes faço flor.
O mar estrondou ´vai navegar.
E ela cantou ´te amor.

O Velho e o Mar - Rubel - subindo e descendo...

Imagem: Chico Ludermir

domingo, 4 de maio de 2014

Cenas sonoras

Pés descalços, laços coloridos no tornozelo, andando sobre fios suspensos, sobre concreto armado, sobre troncos cinzas, muito acima do chão.

Varanda de madeira, pântano verde, céu verde, tudo verde, musgo, escuro, parado, brisa leve, copo largo, grande, cheio de chá mate, caminho de terra que leva embora, solidão, casarão de madeira, único cômodo com cama, mesa, pequeno armário, fogão a lenha, baú para as roupas, estantes e pilhas de livros, banheiro lá fora, ligado à casa por outro caminho de terra.

Dedos, teclas, sons de gaita, acordeão, escaleta, uma calçada, sentado, tocando, despreocupado, improvisando, lembrando, sem jeito, certeiro, preciso, desritmado, quieto, chorado, vibrante, esganiçado, moedas, chapéu, latinha de ferro, jantar, roupa surrada, algodão cru, chinelos velhos, olhares tortos, canções antigas, músicas rápidas, haicais sonoros.

Remando uma canoa de madeira velha roubada da margem esquecida escura sem ninguém por perto explorando aquele pedaço de rio verde cercado de mangue caranguejos pretos azuis roxos pensamentos vagos turvos como a água parada remexida unicamente por seu barco raso indeciso incerto despertando sapos e pássaros ao redor por onde passa sem destino em busca de uma praiazinha escondida qualquer para sentar barraca acender fogueira e esperar estrelas.

Balanço de rede, carinho, deitada no colo dele, deitado no colo dela, pernas sobre pernas, pés sobre pés, dedos chegando-se, dia inteiro passando, fumaça de incenso, de chuva, de nuvem, carícia no nariz, nas sobrancelhas, atrás das orelhas, ´gosto de cuidar de você, as paredes lilás sustentam aquele quase peso de duas vontades juntas, ´é bom teu calor´, a voz dá voltas nos cabelos e chuvisca sobre os lábios, ´cada conhecer de ti me encanta mais, céu calmo, dia sereno, sem noção de tempo...

Night Outra - Metronomy - música que fez esse texto...

sábado, 3 de maio de 2014

Metáfora


Você é a minha metáfora,
Eu não sou seu porto,
Mas uma praia,
Uma rede,
Um onda que nunca pára,
Sua vela vai ao sabor do amar(é),
O vento marinho encaracola emoções
É amor fora da lei
fora de padrão
Liberdade 
incondicional
Mergulho Leve
No Insustentável Ser
Mar de bem 
Querer

Tita e Nazca

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Contos Proibidos e Inflamáveis I



´Só porque essa roupa está molhada e eu não quero resfriar, vou tirar, tá. E restou-lhe apenas aquela pequena obra prima de renda. Edredon que se cuide, pois é ela quem me aquece do frio ar-condicionado. Envolver-lhe o corpo significa o tratado de paz do mundo e o ímpeto pela inevitável comunhão universal. A ideia era dormir. Mas era mentira. Ainda que uma mentira demorada, que custasse a se manifestar. Deitados em conchinha, corpos colados compartilhando calor, querer, mensagens subliminares na pele. Corpos voltados um para o outro, pernas entrecruzadas, enroscadas, enlaçadas, quadris e sexos pouco a pouco dançando no ritmo da vontade própria, pois os quadris e os sexos tem vontade própria. Então ele fica nu, porque não dá para estar de outra maneira. E ela chega mais perto. E ela vem por cima e ele chega embaixo, beijos nos seios, que é para enlouquecer mais rápido, mordidinhas na pele, na orelha, nas pernas, que é para descontrolar. E o calor infla os cobertores em um balão que voa longe, o quarto abre suas paredes, pelas janelas entram nuvens, do banheiro saem pássaros atmosféricos, pois aqueles seres´corpos tem no lugar de cílios asas, no lugar de cabelos, ventos negros e encaracolados, e os corpos alçam-se doidos esvoaçando o mundo, penetrando o ar, um tesão de furacões, em orgasmos de tempestades...

Le Molin - Yann Tiersen versão escaletística...

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O que eu estive pensando naquela noite


Naquela noite senti uma tristeza. Uma tristeza frágil, fresta de janela de mim, pequena fratura imperceptível no meu sentir. Naquela noite intensificou a sensação de distância. Tua presença contém uma distância. Teu querer contém uma ausência. Teu estar também não está. Cheguei a sentir muito forte a relação estabelecida, relação que aproxima, que une, que faz de dois nós. Perdeu-se? Perde-se? Dúvidas, encruzilhadas, prenúncios de partidas. Minha intuição me caninga, me sopra no ouvido que no seu olhar existe sempre um adeus. Que toda vez que você vem, significa que não virás. Que teu calor anuncia um frio sozinho. Tudo bem. Vivo o que é, o que está, quero e basta. O que houver, arrisco. Mas no inconsciente, no subterrâneo, no fundo do porão subsiste aquele incômodo de que não há entrega, mas uma concessão, um provisório gesto de vontade. Eu me aqueço em mim, que me resto, que me sobro. Desvias os lábios e o olhar. Se esquivas. E afasta.

We are all leaving - Arcade Fire - Trilha sonora de Her

Con-vés



Faço minha própria festa sozinho. Meu corpo produz sua própria droga sozinho. Danço minha própria música sozinho. Como minha própria essência alimento sozinho. Ando meu próprio caminho sozinho. Espreguiço minha própria cama manhã afora sozinho. Faço minha própria casa, meu próprio espaço, meu próprio lar sozinho. Faço minha personalidade, meus cacoetes, meus chistes, minhas frases feitas e de efeito, minhas piadas internas sozinho. Faço meus planos, sonhos e loucuras sozinho. Faço meu amor sozinho. Minhas ilusões, utopias, tolices sozinho. Meu carinho, meu cuidado, meu querer sozinho. Sozinho. Mas bem junto.

The Underdog - Spoon - uma música

Pequenos Grandes Prazeres da Vida³ e outras listas

Acordar para almoçar,
Cuidar-me no mar, meditar, nadar, pensar, esvaziar, voar,
Tomar café da manhã operário (bolo por R$0,50 mais suco R$1,00) pertinho da minha casa,
Ler páginas profundas antes de dormir,
Surpreender-me comigo, contigo, com tudo...
Amar sem limites, livremente, flutuando, querendo tanto, mais,
Fazer listas de tudo que eu preciso fazer, de tudo que eu quero, de tudo, para que eu me sinta leve...
Fazer um litro de chá de noite, tomar a maior parte e colocar um copo na geladeira para o café da manhã,
Ser um anti-social com vício por sociabilidade,
Voltar para casa depois de uma viagem,
Começar um filme e não passar da primeira cena, afinal, a companhia...
Passar horas e mais horas sem fim sem fazer nada com alguém que se quer tão bem,
Escrever minhas autopsicanálises neste papel eletrônico,
Mandar infinitas mensagens pelo celular, conversas inteiras, mensagens para acordar bem e dormir feliz,
Escrever cartas,
Enviar cartas,
Ir tão longe e ser tão perto,
Cuidar do meu espaço, expressar-me no que me cerca, cortinas, paredes, chão, santuário, livros,
Fazer sucos lindos e loucos,
Enlouquecer com cabelos tão enlouquecedores,
Ter ideias infinitas, para dar, desvendar e exportar,
Faxinar a casa, o quarto, cuidando do espaço que acolhe, com companhias queridas,
Fazer almoços de mil sabores de legumes de temperos de inspirações,
Balançar na rede e cochilar,
Descobrir cada detalhe de um corpo apaixonante,
Conseguir fazer todos os dias da agenda!
Estar só e estar junto...

Listas. Formas de organizar o impossível, o inexplicável, o desordenável. Há quem ache graça de tantas listas que me cercam, que compõem meu dia-a-dia, meu imaginário. Sinto necessidade de mapear, de registrar ideias, planos, vontades, urgências, histórias. Preciso. E resgato agora duas listas importantes:

Livros que mudaram minha vida

1 - O Profeta – Khalil Gibran;
2 - Cândido ou o Otimismo - Voltaire;
3 - Ilusões, as aventuras de um messias indeciso, Richard Bach;
4 - A Alma do Homem sob o Socialismo – Oscar Wilde;
5 - Escritos Revolucionários – Erico Malatesta;
6 - Sidartha – Herman Hesse;
7 - República de Crianças – Sobre experiências escolares de resistência – Helena Singer;
8 - Contracultura através dos tempos – Dan Goffman e Dan Joy;
9 - A Arte de Amar – Erich Fromm;

10 - Fourier e o Socialismo do Prazer – Leandro Konder

Filmes que mudaram ou tiveram grande importância na minha vida

1 - Ensina-me a Viver;
2 - Edukators;
3 - Amor Sem Fronteiras;
4 - Diamantes de Sangue;
5 - Primavera, Verão, Outono, Inverno, Primavera;
6 - Tudo Pode Dar Certo;
7 - O Preço do Amanhã;
8 - Orgulho e Preconceito;
9 - Na Natureza Selvagem;
10 - Lisbela e o Prisioneiro.

E mais uma lista de bônus...

Bandas que me acompanham:

1 - Strokes;
2 - Legião Urbana;
3 - Air;
4 - Badly Drawn Boy;
6 - Daft Punk;
7 - Beach House;
8- Beirut;
9 - Kings of Convenience;
10 - Vanguart.

Música: I Summon You - Spoon